O QUE FAZ FALTA
Diz Wolfgang Münchau que não há nenhuma teoria económica respeitável que possa sustentar a ideia de que uma economia mergulhada numa
profunda depressão há oito anos por força de sucessivos programas de
austeridade necessita de uma nova rodada de austeridade para alcançar os
equilíbrios económicos indispensáveis ao crescimento, ou seja, para sair da
depressão.
Não há teoria económica nem há inteligência que acredite em
semelhante monstruosidade. A União Europeia e os governantes que preconizam
esta política também não acreditam no resultado que aparentemente defendem. No
que eles acreditam, e muito, é noutra coisa – eles sabem que esta política é a
que melhor os defende dos aleas da
democracia e a que lhes permite manter sob tutela política os povos que fazem
parte da União Europeia, nomeadamente os da zona euro.
Reduzida a democracia a uma caricatura, sem qualquer expressão
no plano económico, social ou cultural, e desprezada a vontade popular pela “impossibilidade”
de pôr em prática políticas alternativas, qualquer que seja a real vontade do
eleitorado, a “Europa”, esta “Europa” que nos governa, tem por esta via
garantida uma política de sentido único que visa reforçar o poder do capital,
agravar a desigualdade na distribuição do rendimento, fragilizar e precarizar o
trabalho e reconduzir a força de trabalho à condição de servidão de que apenas
há pouco mais de um século se começou a libertar.
Estas as razões por que é tão decisiva a luta dos gregos. Nesta
luta, como em todas as grandes batalhas, o que importa é nunca perder o sentido
estratégico do combate. Quem se deixar enredar em manobras de diversão, quem
fizer do acessório o principal, quem se perder na “pureza dos princípios”, além
de correr o risco de se deixar enganar por quem apenas pretende alterações
cosméticas, mantendo, no essencial, tudo na mesma, despreza também uma oportunidade
única de introduzir mudanças substanciais na política portuguesa como nunca mais
houve desde 25 de Novembro de 1975!
Ouvindo os programas de radio e de televisão que abrem as
suas antenas à opinião popular, frequentando as redes sociais, percebe-se que
houve um acolhimento muito favorável à decisão dos gregos por parte dos
portugueses. Por toda a parte o cidadão anónimo louvou a coragem dos gregos, o
seu patriotismo, a afirmação de orgulho nacional, a rejeição das inconcebíveis ingerências
com que através da ameaça, da chantagem e da criação de um clima de terror se
pretendeu influenciar o sentido do voto. Percebeu-se pelas inúmeras reacções
havidas ao resultado do referendo que a generalidade dos portugueses soube valorizar
as condições em que na Grécia se exprimiu a vontade popular.
Portugal, não estando nas mesmas condições da Grécia, está
igualmente numa situação potencialmente explosiva. O peso da dívida portuguesa,
da pública e da privada, superior a duas vezes e meia o PIB nacional, é
economicamente insustentável. Sem uma política que aponte inequivocamente para
a reestruturação da dívida, os portugueses vão continuar sujeitos a políticas
de austeridade cada vez mais violentas não apenas para pagar o serviço da
dívida, mas também para a criação de excedentes primários intoleráveis (da
ordem dos 4 ou 5 por cento) com vista à tentativa impossível de diminuir o seu
peso.
Esta questão e a atitude perante Bruxelas é que tem de ser
decisiva para a determinação do sentido do voto de esquerda. Esperar que seja a
Europa a mudar, apresentar um programa eleitoral com base nesse pressuposto é o
mesmo, ou talvez até pior, que o programa daqueles que se limitam a fazer
aquilo que a Europa permite. A esquerda não pode dar o seu voto a quem não
ofereça garantias de lutar, com todas as consequências que daí decorrem, por
uma política que defenda o interesse nacional. Uma política que rompa com a
austeridade, que defenda o estado social, que restitua a dignidade do trabalho,
revogando a legislação que o discrimina negativamente e restaurando os direitos
eliminados e, finalmente, reforce o papel do Estado nos diversos domínios da
vida nacional, nomeadamente no plano económico e das competências de que tem
vindo a ser expurgado nos últimos anos.
Daqui decorre que nas próximas eleições o perigo não esteja
nem venha propriamente da direita. O nosso problema não está na Direita que usa
o nome- - essa representa na melhor das hipóteses 37% dos votos; o nosso
problema está na direita que não usa o nome e se esconde atrás da esquerda fazendo-se
passar por uma parte dela!
2 comentários:
«Esperar que seja a Europa a mudar, apresentar um programa eleitoral com base nesse pressuposto é o mesmo, ou talvez até pior, que o programa daqueles que se limitam a fazer aquilo que a Europa permite.»
É isso!
A alternativa, então, é votar na "verdadeira" esquerda, PCP ou BE, e deixar, simpaticamente, que ganhe a Direita, ou então, não vá o Diabo tecê-las, votar mesmo na Direita. Os mancheviques, esses vendidos, é que nunca!
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