MAIS UM EXEMPLO DO SISTEMA PENAL ESPANHOL
Alsasua é um pequeno município da Comunidade Foral de Navarra, perto de
Pamplona, situada numa zona politicamente dominada pela Esquerda Abertzale.
No País Basco e em Navarra, de predomínio basco, existe um conflito patente, não obstante a dissolução da ETA na próxima primeira semana de Maio,
entre ambos os nacionalismos – o espanhol e o basco. O espanhol representado pelas
autoridades repressivas, do lado basco pelas massas populares que o apoiam,
predominantemente jovens, com ressentimentos profundos de ambas as partes. Do
lado de Espanha, as vítimas da ETA, do lado basco, as vítimas da repressão
espanhola.
Não estamos a pôr no mesmo plano, os atentados da ETA e a repressão espanhola, estamos apenas a descrever a natureza desse conflito e as suas consequências. Os atentados da ETA atingiram muita gente, deixaram marcas profundas na sociedade espanhola, foram muitos os anos de insegurança, medo e ansiedade. Tudo isto é certo. Como certas também são as feridas deixadas no sociedade basca, ou numa parte muito considerável dela, pela repressão espanhola.
Durante os últimos 40 anos, a Espanha tem actuado no País Basco à
revelia de qualquer censura internacional digna de realce, muito por causa da
violência da ETA. Ou seja, a actuação da ETA foi justificando, sem censura, os
múltiplos atropelos ao Estado de Direito no Pais Basco. Por mais graves que
tivessem sido estes atropelos, como os GAL e as torturas denunciadas pelos presos, a violência
da ETA, algumas vezes absurdamente arbitrária, tudo justificava e ninguém se
atrevia a censurar a Espanha. Simultaneamente, a sociedade espanhola foi-se
radicalizando relativamente a esta questão a ponto de como resposta aos
atentados da ETA ser frequente ouvir, em conversas mais ou menos informais, que
um “bom etarra, é um etarra morto”.
Engana-se quem supuser que com a cessação dos atentados, a anunciada dissolução da ETA e inclusive do próprio pedido
de perdão da “banda”, as coisas passaram a ser radicalmente diferentes. Não
passaram. A grande diferença é que a ETA deixou de praticar atentados, desarmou-se e foi desarmada. Fora isto
– que seria em qualquer outro país o mais importante – tudo se mantém mais ou
menos na mesma. A mesma intolerância, o mesmo radicalismo, o mesmo ódio, o
mesmo desejo de vingança. Engana-se também quem supuser que em Espanha se
poderá passar algo de semelhante ao que se passou no Reino Unido depois dos “Acordos
de sexta-feira Santa”. Ou o que se passou noutros países europeus depois de derrotados movimentos violentos de extrema esquerda ou de extrema direta. Aliás, o governo, depois do já referido pedido de perdão, foi muito claro: não haverá
contrapartidas.
Os condenados da ETA continuam e continuarão presos, muitos deles a
cumprir penas de prisão muito superiores à sua esperança de vida, em prisões
muito distantes do País Basco; outros que entretanto venham a ser apanhados
terão penas idênticas aos que estão presos; qualquer manifestação de homenagem
às vítimas da polícia espanhola corre o risco de ser punida como apologia do terrorismo; os direitos políticos de ex-presos da ETA ou das suas fileiras “civis” podem
ser cerceados pelos tribunais, ou seja, por outras palavras: não existe em
Espanha a grandeza do perdão, embora comedido e gradual. O que existe é sede de vingança.
De um lado e do outro os rancores alimentam-se mutuamente sem sinais de mudança.
Vem tudo isto a propósito de uma rixa ocorrida numa taberna de Alsasua entre
um grupo de jovens e dois guardas-civis à paisana – um de Córdova, outro de Valencia, em serviço na Comunidade de Navarra – acompanhados das suas namoradas.
As testemunhas presenciais dão a entender que nada de especial se
passou, salvo provocações recíprocas, enquanto os depoimentos das vítimas e os
da polícia foral de Navarra, que terá vindo em socorro dos guardas-civis, descrevem
um clima de ódio e violência traduzido em agressões e de insultos.
Não é todavia difícil de aceitar que os guardas tenham sido provocados
pelos jovens, que tenha havido discussão, insultos e agressões. Em qualquer
país estes factos seriam punidos, podendo a punição variar em função da qualidade
das vítimas e da gravidade das agressões. Também não haverá dúvidas de que os jovens sabiam que se
tratava de guardas-civis, apesar de não estarem fardados.
O crime por que seriam acusados seria certamente o de insultos e
agressões à autoridade. Em Espanha, tudo é diferente. Os tribunais de Pamplona qualificaram
o crime tal como ele objectivamente decorre dos factos. Acontece que o Supremo,
contrariamente aos tribunais de Pamplona, considerou por unanimidade que havia
sérios indícios de terrorismo, razão pela qual o caso foi remetido para a Audiência
Nacional para instrução e julgamento - Audiência Nacional ,o tal “tribunal
plenário” da “democracia” espanhola. Sete dos oito acusados foram presos
preventivamente, sem admissão de fiança, tendo a “fiscalia” daquele tribunal,
secundada pela “nossa conhecida” juíza Cármen Lamela, acusado os jovens de
vários crimes de terrorismo e pedido, para sete deles, uma pena de prisão de 50
anos acrescida de 12 para um deles! Ou seja, 375 anos de cadeia para conjunto
dos oito acusados e uma indemnização de 41. 100 € para as quatro vítimas das agressões. O que também dá para perceber que em Espanha os símbolos valem muito mais que as pessoas…
Em qualquer país realmente democrático isto não seria possível. Se o MP
tivesse a ousadia, em conivência com o juiz de instrução, de pedir penas
daquela natureza, estamos certos de que, pelo menos, uma parte significativa da
sociedade e da opinião pública se insurgiriam contra esta desproporção inaceitável à luz dos mais elementares princípios do Estado de Direito. O que acontece em Espanha? Com excepção dos nacionalistas
bascos que protestam e se manifestam, governo de Navarra inclusive, o que se
assiste em Espanha é a uma crítica severa aos que criticam os tribunais. A
título de exemplo o editorial de ontem do El País! Isto significa que aquela desproprção se “alimenta” na própria sociedade!
Mais palavras para quê?
5 comentários:
Há dias Marcelo, nas cortes espanholas, admitiu ter ficado " muito emocionado com o aplauso unânime de todos os deputados, de todas as bancadas, no começo do discurso e depois do discurso".
"Devo lembrar que na AR isso nunca me aconteceu"
Ainda bem, digo eu...
Por enquanto, ainda há diferenças assinaláveis entre Portugal e Espanha
Bom post de enquadramento da "reinadia democracia" espanhola.
O que se discute em Espanha sobre os presos da ETA é tão somente a sua concentração no País Basco, uma vez que estão dispersos por todo o território, a esmagadora maioria a mais de mil quilómetros da terra onde nasceram. E sobre este tema não há dúvidas: nem pensar. Tanto PP, como PSOE não admitem essa hipótese. A "magnanimidade" em Espanha chama-se VINGANÇA.
Criticável é também o modo como foi lido o pedido de perdão da ETA. Não se trata, numa leitura independente e distanciada, de distinguir entre as vítimas, como tem sido dito. Trata-se apenas de sublinhar o óbvio. Há vítimas que foram alvos e há vítimas que não eram alvos e acabaram sendo atingidas.
A ETA começa por referir-se a todas sem distinção e depois de referir a repressão espanhola, acaba fazendo uma referência especial às vítimas que não eram alvo.
Mas isto não é o normal? Convém ao clima de convivência exacerbar a distinção, fazendo interpretações que acicatam e favorecem o ódio?
Será que os espanhóis não percebem que com ódio não vão resolver nenhum dos graves problemas que os afectam e apenas cavam cada mais profundamente as profundas clivagens existentes em Espanha?
Em Espanha aonde se continuou a assassinar todos os tidos por "rojos" durante longos anos após a vitória dos franquistas.
Vítimas às mãos dos seus torcionários. Por exemplo com o método dos "passeios" onde se iam procurar pessoas a sua casa para "passeá-los", ou seja, fuzilá-los à noite e deixá-los nas valetas
A guerra civil de Espanha resultou dum pronunciamento de Franco e Mola contra um governo legítimo. Foi originada a partir dum golpe militar a 17 de Julho de 1936 contra a IIª República espanhola. Foi um confronto entre fascistas e forças leais à República.Franco teve o apoio directo da Alemanha nazi, da Itália fascista e do Portugal salazarista. E deu origem a um estado fascista que continuou a matar e a fuzilar pela calada da noite milhares de cidadãos espanhóis dezenas de anos após o final da guerra.
Jay Allen conseguiu entrevistar Franco, em Tetuão, a 27 de julho de 1936. A partir da entrevista, Allen publicou um artigo com o seguinte diálogo:
Allen: "Durante quanto tempo prolongar-se-á a situação agora que o golpe fracassou?" (nas principais cidades de Espanha a besta tinha sido derrotada )
Franco: "Não pode haver nenhum acordo, nenhuma trégua. Salvarei Espanha do marxismo a qualquer preço"
Allen: "Significa isso que terá de fuzilar média Espanha?"
Franco: "Disse a qualquer preço".
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