sábado, 21 de abril de 2018

A REYERTA DE ALSASUA




MAIS UM EXEMPLO DO SISTEMA PENAL ESPANHOL
La juez Lamela deja en libertad a cuatro de los siete encarcelados por la agresión de Alsasua

Alsasua é um pequeno município da Comunidade Foral de Navarra, perto de Pamplona, situada numa zona politicamente dominada pela Esquerda Abertzale.

No País Basco e em Navarra, de predomínio basco, existe um conflito patente, não obstante a dissolução da ETA na próxima primeira semana de Maio, entre ambos os nacionalismos – o espanhol e o basco. O espanhol representado pelas autoridades repressivas, do lado basco pelas massas populares que o apoiam, predominantemente jovens, com ressentimentos profundos de ambas as partes. Do lado de Espanha, as vítimas da ETA, do lado basco, as vítimas da repressão espanhola.
Não estamos a pôr no mesmo plano, os atentados da ETA e a repressão espanhola, estamos apenas a descrever a natureza desse conflito e as suas consequências. Os atentados da ETA atingiram muita gente, deixaram marcas profundas na sociedade espanhola, foram muitos os anos de insegurança, medo e ansiedade. Tudo isto é certo. Como certas também são as feridas deixadas no sociedade basca, ou numa parte muito considerável dela, pela repressão espanhola. 

Durante os últimos 40 anos, a Espanha tem actuado no País Basco à revelia de qualquer censura internacional digna de realce, muito por causa da violência da ETA. Ou seja, a actuação da ETA foi justificando, sem censura, os múltiplos atropelos ao Estado de Direito no Pais Basco. Por mais graves que tivessem sido estes atropelos, como os GAL e as torturas denunciadas pelos presos, a violência da ETA, algumas vezes absurdamente arbitrária, tudo justificava e ninguém se atrevia a censurar a Espanha. Simultaneamente, a sociedade espanhola foi-se radicalizando relativamente a esta questão a ponto de como resposta aos atentados da ETA ser frequente ouvir, em conversas mais ou menos informais, que um “bom etarra, é um etarra morto”.  

Engana-se quem supuser que com a cessação dos atentados, a anunciada dissolução da ETA e inclusive do próprio pedido de perdão da “banda”, as coisas passaram a ser radicalmente diferentes. Não passaram. A grande diferença é que a ETA deixou de praticar atentados,  desarmou-se e foi desarmada. Fora isto – que seria em qualquer outro país o mais importante – tudo se mantém mais ou menos na mesma. A mesma intolerância, o mesmo radicalismo, o mesmo ódio, o mesmo desejo de vingança. Engana-se também quem supuser que em Espanha se poderá passar algo de semelhante ao que se passou no Reino Unido depois dos “Acordos de sexta-feira Santa”. Ou o que se passou noutros países europeus depois de derrotados movimentos violentos de extrema esquerda ou de extrema direta. Aliás, o governo, depois do já referido pedido de perdão, foi muito claro: não haverá contrapartidas.

Os condenados da ETA continuam e continuarão presos, muitos deles a cumprir penas de prisão muito superiores à sua esperança de vida, em prisões muito distantes do País Basco;  outros que entretanto venham a ser apanhados terão penas idênticas aos que estão presos; qualquer manifestação de homenagem às vítimas da polícia espanhola corre o risco de ser punida como apologia do terrorismo; os direitos políticos de ex-presos da ETA ou das suas fileiras “civis” podem ser cerceados pelos tribunais, ou seja, por outras palavras: não existe em Espanha a grandeza do perdão, embora comedido e gradual. O que existe é sede de vingança.

De um lado e do outro os rancores alimentam-se mutuamente sem sinais de mudança.

Vem tudo isto a propósito de uma rixa ocorrida numa taberna de Alsasua entre um grupo de jovens e dois guardas-civis à paisana – um de Córdova, outro de Valencia, em serviço na Comunidade de Navarra – acompanhados das suas namoradas.

As testemunhas presenciais dão a entender que nada de especial se passou, salvo provocações recíprocas, enquanto os depoimentos das vítimas e os da polícia foral de Navarra, que terá vindo em socorro dos guardas-civis, descrevem um clima de ódio e violência traduzido em agressões e de insultos.

Não é todavia difícil de aceitar que os guardas tenham sido provocados pelos jovens, que tenha havido discussão, insultos e agressões. Em qualquer país estes factos seriam punidos, podendo a punição variar em função da qualidade das vítimas e da gravidade das agressões. Também não haverá dúvidas de que os jovens sabiam que se tratava de guardas-civis, apesar de não estarem fardados.

O crime por que seriam acusados seria certamente o de insultos e agressões à autoridade. Em Espanha, tudo é diferente. Os tribunais de Pamplona qualificaram o crime tal como ele objectivamente decorre dos factos. Acontece que o Supremo, contrariamente aos tribunais de Pamplona, considerou por unanimidade que havia sérios indícios de terrorismo, razão pela qual o caso foi remetido para a Audiência Nacional para instrução e julgamento -  Audiência Nacional ,o tal “tribunal plenário” da “democracia” espanhola. Sete dos oito acusados foram presos preventivamente, sem admissão de fiança, tendo a “fiscalia” daquele tribunal, secundada pela “nossa conhecida” juíza Cármen Lamela, acusado os jovens de vários crimes de terrorismo e pedido, para sete deles, uma pena de prisão de 50 anos acrescida de 12 para um deles! Ou seja, 375 anos de cadeia para conjunto dos oito acusados e uma indemnização de 41. 100 € para as quatro vítimas das agressões. O que também dá para perceber que em Espanha os símbolos valem muito mais que as pessoas…

Em qualquer país realmente democrático isto não seria possível. Se o MP tivesse a ousadia, em conivência com o juiz de instrução, de pedir penas daquela natureza, estamos certos de que, pelo menos, uma parte significativa da sociedade e da opinião pública se insurgiriam contra esta desproporção inaceitável à luz dos mais elementares princípios do Estado de Direito. O que acontece em Espanha? Com excepção dos nacionalistas bascos que protestam e se manifestam, governo de Navarra inclusive, o que se assiste em Espanha é a uma crítica severa aos que criticam os tribunais. A título de exemplo o editorial de ontem do El País! Isto significa que aquela desproprção se “alimenta” na própria sociedade!

Mais palavras para quê?

5 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Há dias Marcelo, nas cortes espanholas, admitiu ter ficado " muito emocionado com o aplauso unânime de todos os deputados, de todas as bancadas, no começo do discurso e depois do discurso".

"Devo lembrar que na AR isso nunca me aconteceu"

Ainda bem, digo eu...

Por enquanto, ainda há diferenças assinaláveis entre Portugal e Espanha

Anónimo disse...

Bom post de enquadramento da "reinadia democracia" espanhola.

JM Correia Pinto disse...

O que se discute em Espanha sobre os presos da ETA é tão somente a sua concentração no País Basco, uma vez que estão dispersos por todo o território, a esmagadora maioria a mais de mil quilómetros da terra onde nasceram. E sobre este tema não há dúvidas: nem pensar. Tanto PP, como PSOE não admitem essa hipótese. A "magnanimidade" em Espanha chama-se VINGANÇA.
Criticável é também o modo como foi lido o pedido de perdão da ETA. Não se trata, numa leitura independente e distanciada, de distinguir entre as vítimas, como tem sido dito. Trata-se apenas de sublinhar o óbvio. Há vítimas que foram alvos e há vítimas que não eram alvos e acabaram sendo atingidas.
A ETA começa por referir-se a todas sem distinção e depois de referir a repressão espanhola, acaba fazendo uma referência especial às vítimas que não eram alvo.
Mas isto não é o normal? Convém ao clima de convivência exacerbar a distinção, fazendo interpretações que acicatam e favorecem o ódio?
Será que os espanhóis não percebem que com ódio não vão resolver nenhum dos graves problemas que os afectam e apenas cavam cada mais profundamente as profundas clivagens existentes em Espanha?

Anónimo disse...

Em Espanha aonde se continuou a assassinar todos os tidos por "rojos" durante longos anos após a vitória dos franquistas.

Vítimas às mãos dos seus torcionários. Por exemplo com o método dos "passeios" onde se iam procurar pessoas a sua casa para "passeá-los", ou seja, fuzilá-los à noite e deixá-los nas valetas

Anónimo disse...

A guerra civil de Espanha resultou dum pronunciamento de Franco e Mola contra um governo legítimo. ‬Foi originada a partir dum golpe militar a 17 ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola. Foi um confronto entre fascistas e forças leais à República.Franco teve o apoio directo ‬da Alemanha nazi,‭ ‬da Itália fascista e do Portugal salazarista. E deu origem a um estado fascista que continuou a matar e a fuzilar pela calada da noite milhares de cidadãos espanhóis dezenas de anos após o final da guerra.


Jay Allen conseguiu entrevistar Franco, em Tetuão, a 27 de julho de 1936. A partir da entrevista, Allen publicou um artigo com o seguinte diálogo:

Allen: "Durante quanto tempo prolongar-se-á a situação agora que o golpe fracassou?" (nas principais cidades de Espanha a besta tinha sido derrotada )

Franco: "Não pode haver nenhum acordo, nenhuma trégua. Salvarei Espanha do marxismo a qualquer preço"

Allen: "Significa isso que terá de fuzilar média Espanha?"

Franco: "Disse a qualquer preço".