A INTERVENÇÃO DE DUARTE DE JESUS NA RTP 3
Muito boa a intervenção do Embaixador Duarte de Jesus, na RTP 3, comentando
a denúncia pelos Estados Unidos do
Acordo Nuclear com o Irão e as negociações com a Coreia do Norte.
É raro, muito raro, ver um diplomata português com aquela liberdade de
linguagem e de apreciação crítica relativamente à política americana tanto no
que respeita ao Irão, como no que respeita à Coreia do Norte.
Dir-se-á que é hoje mais fácil comentar sem os habituais freios e lugares
comuns a política americana por na Casa Branca estar Trump. Não é verdade.
Ainda ontem ouvimos os habituais comentadores de política internacional
actuarem com muita prudência, quer dizer, reverência, face aos Estados Unidos. E
vemos também como falam os que têm ou já tiveram responsabilidades
institucionais.
A própria Ana Lourenço, a quem os seus convidados "lavam
diariamente" a cabeça, viu-se forçada a ter que reformular as suas
perguntas ou a vê-las desautorizadas nos seus pressupostos pelos assertivos
comentários de Duarte de Jesus, sempre muito fundamentados factualmente e
politicamente alicerçados num saber de experiência feito.
Duarte de Jesus disse coisas interessantes. Primeiro, que é muito
importante a União Europeia manter-se unida no respeito pelos compromissos
assumidos perante o Irão e as outras duas potências do Conselho de Segurança
(Rússia e China). O que por outras palavras quer dizer que ele não dá por
seguro, como ninguém com um mínimo de experiência destas coisas pode dar, que
não possa haver deserções ou "meias deserções" na UE (e escusado será
dizer de quem). Segundo, que a abertura de negociações com a Coreia do Norte não ficou nada a dever-se às ameaças de Trump e à sua política de força. Antes
pelo contrário. Ficou muito mais a dever-se às duas Coreias,
nomeadamente à ultrapassagem que a Coreia do Sul teria feito aos
Estados Unidos, e, evidentemente, à China; considera porém que é muito cedo para
deitar foguetes, quanto mais não seja por estar muito longe de ser unívoco o
sentido que ambas as partes estão a dar ao conceito de desnuclearização.
Terceiro, que em 1990 os democratas (Madaleine Albrigth) tinham as negociações
muito adiantadas com a Coreia do Norte e os republicanos, mal chegaram ao
poder, desfizeram tudo o que tinha sido feito. Portanto...
Parabéns a Duarte de Jesus pela sua excelente intervenção.
Independentemente desta intervenção, não deixa de ser intrigante a posição
americana relativamente ao Irão. Qual o interesse estratégico dos Estados
Unidos? O próprio DJ se interrogou. A questão não é de fácil resposta, embora não
seja arriscado adiantar que são as alianças americanas no Médio Oriente que
ditam esta política – Israel e Arábia Saudita. Sendo ambos contra o acordo, que
obviamente os enfraquece, na medida em que permite fortalecer política e
economicamente a potência historicamente mais importante e incomparavelmente
mais antiga da região, os Estados Unidos, segundo uma corrente muito em voga no
Congresso, corriam o risco a prazo de perder o apoio incondicional daqueles dois
países e pouco ou nada ganhavam em troca. É claro que esta tese assenta num
pressuposto certo e noutro errado. O certo é o enfraquecimento (relativo)
inevitável de Israel e da Arábia Saudita; o errado é supor que tanto um como
outro podem sobreviver com um mínimo de importância, ou até pura e simplesmente
sobreviver, sem os Estados Unidos. Portanto, estrategicamente quem estava condicionado
eram eles e não os Estados Unidos. Era e é isto o que Obama pensa e com ele
muita gente na América e fora dela.
A outra questão tem a ver com a Coreia do Norte. Em primeiro lugar, um
Estado que rasga tratados, ou não ratifica tratados que toda a comunidade
internacional ratifica, não é um Estado fiável. Um Estado que negoceia com a
Líbia um acordo de desnuclearização e pouco depois permite que o subscritor
líbio desse acordo seja assassinado ignominiosamente aos olhos de todo o mundo e
simultaneamente agride directa e indirectamente a própria Líbia não é um Estado
fiável! Um Estado que negoceia durante anos um acordo com o Irão e logo a
seguir o rasga por ter havido uma mudança de inquilino na residência
presidencial não é um Estado fiável!
Hitler fez o mesmo aos diversos acordos que negociou e assinou. E o
resultado viu-se.
Portanto, a Coreia do Norte, que apenas aspira a ser um Estado como os
outros na comunidade internacional, sem ter de vigiar dia e noite as suas
fronteiras com receio de ser invadida ou atacada, só pode acordar o que quer
que seja, por muito boa vontade que também haja da actual Coreia do Sul, se
alguém suficientemente forte for “fiador dos americanos”. Alguém que possa garantir
à Coreia do Norte que não será agredida, alguém em quem a Coreia do Norte possa
confiar. Sem essa garantia não vemos que possa haver acordo, por maior que seja
a boa vontade de ambas as Coreia.
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