sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A PROPÓSITO DO MANDATO DA EX-PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA


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UM EXEMPLO A EVITAR


Vivemos numa sociedade muito mediatizada muito por força do papel que os áudio visuais, nomeadamente as estações de televisão, passaram a desempenhar na formação da nossa opinião sobre os assuntos integrados na sua agenda mediática.

O caso da justiça é exemplar. O que todo o cidadão bem formado deseja é que a lei seja eficaz. A eficácia da lei não se mede apenas pelo seu acatamento voluntário, o que acontece na esmagadora maioria dos casos em sociedades socialmente estabilizadas, mas também pelo efectivo cumprimento da reacção nela prevista quando não é voluntariamente cumprida.

Este segundo aspecto da questão, embora seja relevante em todos os domínios que a lei alcança, torna-se particularmente importante no domínio da reacção penal, exactamente por o direito penal ser o ramo do direito que defende os valores fundamentais da convivência social, que assegura a paz e a tranquilidade públicas, tornando a vida em sociedade segura se a lei for eficaz ou insegura se reiteradamente o não for.

Se relativamente ao primeiro aspecto da questão, cumprimento voluntário da lei, o consenso social e as autoridades de prevenção criminal desempenham um relevantíssimo papel, sendo, de ambos, o consenso social de longe o mais importante, já quanto ao segundo – reacção ao incumprimento da lei – o papel fundamental tem de ser desempenhado pelas autoridades de investigação criminal. E o bom ou mau desempenho desse papel não depende da exibição que se faça do seu exercício, mas dos resultados desse exercício.

Dentre estas autoridades, o papel primordial cabe ao Ministério Público. “O Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei”.

Como é também sabido por todos, a corrupção é uma das pragas sociais dos nossos dias. Embora a corrupção, genericamente entendida, seja quase tão velha quanto a existência das sociedades politicamente organizadas, ela adquiriu na actualidade uma dimensão qualitativa e quantitativa nunca antes vista. Embora as suas causas sejam difíceis de enumerar, não falta quem veja na sociedade neoliberal contemporânea, dominada pelo capital financeiro, a causa primeira do seu extraordinário desenvolvimento. Os grandes fluxos monetários que passam sob o olhar codicioso de quem os administra ou simplesmente os opera, as fabulosas somas que se podem ganhar a partir do nada, com base em especulações de toda a ordem, a brutal desigualdade na distribuição do rendimento, parecem tornar muito tentadora a possibilidade de enriquecer ou aumentar o património sem, aparentemente, grande dano para a realidade circundante. Ou seja, o chamado contra impulso que defende as consciências individuais das tentações ilícitas, é agora muito fraco e simultaneamente desprovido de uma assinável censura.

Seja ou não uma das causas primeiras da corrupção, cabe ao Ministério Público combatê-la nos termos da lei e no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Sem esquecer que a execução da política criminal é definida pelos órgãos de soberania, cabendo ao Ministério Público participar na sua execução, dependendo dos resultados da sua acção o êxito ou inêxito dessa política, tem-se insistido muito, nos últimos tempos, no papel desempenhado pela ex- Procuradora Geral da República, no combate à corrupção, como se de um “programa de governo” do Ministério Público se tratasse.

Este é o primeiro grande equívoco. O Ministério Pública não pode ter uma agenda que se confunda com um programa político. E muito menos ter uma actuação pública decalcada da típica acção política dos partidos que concorrem entre si com programas e projectos susceptíveis de cativarem o voto dos cidadãos.

O papel do Ministério Público não é, nem pode ser, esse. O Ministério Publico tem de assegurar resultados, seja no combate à corrupção, seja em qualquer outro domínio do ilícito penal, mas sempre com respeito pelos direitos dos cidadãos. O Ministério Público não tem, nem pode ter, uma agenda política, nem pode nem deve sujeitar o exercício das suas funções ao condicionamento político seja da comunicação social, seja dos partidos. O Ministério Público não deve participar nem fazer parte do espectáculo mediático.

Não foi isso aquilo a que assistimos no mandato no mandato de Joana Marques Vidal. O mandato da ex-procuradora ficou marcado pela partidarização que dele fizeram a direita mais reaccionária – Observador, Cristas e Passos -, mas também – e este especto será seguramente o mais grave – pela instrução dos chamados processos mediáticos na “praça pública”, muito em consonância com os jornais sensacionalistas e as televisões que procuram audiências a qualquer preço. As violações do segredo de justiça foram constantes, a transcrição “cirúrgica” de peças processuais em jornais transformou-se num meio unilateral, e sem garantias, de acusação, a tentativa de formação de uma opinião pública que só pode ter por efeito pretendido condicionar a acção da magistratura, o espectáculo da justiça como componente do espectáculo da política, as buscas e detenções que certos meios de comunicação acompanham a par e passo, tendo-se chegado ao ponto de alguns deles terem marcado presença nos locais das diligências antes da chegada das próprias autoridades, tudo isto é a prova provada de que há um efeito ou outros efeitos que se pretendem assegurar para além daquele que deveria ser o efeito de qualquer investigação criminal.

Este é infelizmente um legado do mandato de Joana Marques Vidal, pois embora se não possa dizer que a violação do segredo de justiça tenha começado no seu mandato, é inequívoco que foi no seu mandato que esta prática se tornou corrente em processos cirurgicamente escolhidos.

Do ponto de vista dos resultados, com observância da lei e respeito pelos direitos dos cidadãos, o que sobressai é a ausência de resultados seguros. Dos chamados processos mediáticos, há uma ou outra condenação, sob recurso, algumas acusações ainda sem instrução contraditória aberta e muita, muita, propaganda e espectáculo à volta dos processos em curso.

No polo oposto, como exemplo da mais completa ineficácia da justiça, temos vários exemplos relacionados com material comprado para o Ministério da Defesa, entre os quais avulta pelo seu significado e importância o chamado “processo dos submarinos”, julgado na Alemanha, com corruptores activos identificados e condenados, mas arquivado em Portugal …por ausência de corrupção passiva ou, o que é pior, muito pior, por prescrição. Dá-se infelizmente a circunstância, certamente por acaso – puro acaso – de a compra do referido material de guerra ser da responsabilidade de alguém que à época da sua nomeação como Procuradora Geral da República pertencia ao governo que a nomeou e cujos principais membros desse governo continuaram até ontem a pugnar pela sua recondução! Idêntica ineficácia poderia apontar-se a outro caso, contemporâneo no tempo e relacionado com os mesmos actores políticos, de um partido político ter sido beneficiado com um número infindável de pequenas doações numa manifesta operação destinada a contornar a lei, quer quanto aos montantes doados quer quanto à proveniência do dinheiro. Também neste caso nada aconteceu. Como nada aconteceu - ou melhor, aconteceu: foi arquivado – o processo da Tecnoforma, não obstante o processo instaurado pelo Organismo Europeu Anti-Fraude.

O facto de nem sempre se conseguir obter os resultados pretendidos é normal na Justiça. Há regras a cumprir, há direitos a respeitar, há acima de tudo a máxima de que mais vale deixar impune um criminoso do que condenar um inocente. Isso faz parte do sistema em que vivemos. Mas também faz parte deste sistema que situações desta natureza ocorram aleatoriamente e não tanto e apenas em determinados sectores ou com certas pessoas.

Tudo isto descredibiliza a Justiça, que é o pior que pode acontecer num Estado de Direito. Por isso fazemos sinceros votos que a nova Procuradora Geral da República tenha um mandato recheado de êxitos, começando esses êxitos por um combate eficaz à violação do segredo de justiça e à exclusiva tramitação dos processos nos tribunais!




8 comentários:

Anónimo disse...

A maior parte da oposição e dos ódios que a PGR suscitou têm a ver (do que me lembro) com dois casos principais. Caso Sócrates/Caso Sócrates/Caso Sócrates..... e em muito menor grau com caso Manuel Vicente. Os argumentos são principalmente dois: violação de regras processuais e selecção dos casos por critérios políticos e partidários excluindo/"esquecendo" os casos que chamuscam a Direita ( BPN, D.Lima, Submarionos etc etc etc) e, de facto parece que assim é. Eu também gostaria que esses casos fossem investigados e se soubesse deles tanto como se sabe por exemplo do caso do Sócrates, porque, quanto a que se faça "Justiça", não alimento qualquer ilusão; seja o bando BPN/Technoforma/subamrinos...........etc, seja o Pinho/Salgado/Granadeiro/Sócrates......................etc.!!!! Para a esquerda (PC incluído) parece que era preferível que tudo continuasse como com o P Monteiro em que nada se fazia nada se sabia a que se saiba através dos tablóides, parece que ninguém está preocupado com o facto de haver tipos que roubaram mais que todos os presos das cadeias e se encontram ao fresco a tentar invalidar processos e condenações (Vara, D Lima etc ...)com argumentos meramente formais. Quanto ao caso M Vicente nunca tive dúvidas (nem discordo, tanto quanto posso entender do assunto) de que iria a haver uma "solução" política assinada por um qq juiz. O que acho engraçado é que o Dr J.M.P.Correia "atacou" a actuação do MP neste caso porque ia contra os interesses do Estado Português mas vem dizendo, desde há muito, cobras e lagartos do sistema judiciário espanhol e em especial do MP espanhol por este ser um mero executor dos interesses do Estado espanhol ...(peço desculpa se estou a interpretar mal o que aqui fui lendo). Em resumo lamento que a esquerda aceite bem o derrube de processos em que está vidente (sim evidente!) o roubo de centenas de milhões de euros apenas com o pretexto de erros formais quando o que deveria era exigir que o mesmo escrutínio se exercesse sobre o casos da Direita. O caso dos submarinos, é evidente, que desacredita todo o Sistema. O que aconteceu às "evidências" deste caso vai acontecer às dos casos Sócrates PT BES etc ou seja vão ser lançadas no caixote do esquecimento...Talvez venha a haver mais um ou outro Isaltino para lavar a honra do convento...

Remígio Manuel Silva da Costa disse...

Não posso estar (como certamente a maioria dos portugueses) mais de acordo com a expectativa manifestada no último parágrafo da lúcida e suficiente análise respeitante à situação da justiça portuguesa. Queria crer.

Abraço.

RC.

José Lopes disse...

A violação do segredo de justiça
é de longe o pior, o mais grave, o mais nefasto crime previsto no código penal.
Pode lá admitir-se que o povo saiba o que fizeram ilustres personalidades, como Sócrates, Vara, Pinho, Salgado, Zava, a Escom e a Ongoing, etc..
Quem são eles para fazerem juízos negativos sobre tão ilustres cidadãos.
Há que aguardar o veredicto dos tribunais, e o sobretudo que o tribunal constitucional se pronuncie sobre as patentes nulidades e violações dos direitos de defesa cometidos pelos justiceiros do MP.
O povo, que viveu acima das suas possibilidades, existe para pagar as imparidades, e os negócios, que, azar, correram mal.

Anónimo disse...

A 22 de setembro de 2018 às 02:10 um anónimo quer tentar lavar a roupa do convento.

E temos direito a um longo discurso prenhe de acusações idiotas e falsas. Como esta de tentar identificar esquerda com o PGR.

É feio. Não é só de anti-comunista primário, como de anti-esquerda igualmente primário.

E de admirador da "justiça" franquista de Espanha.

Anónimo disse...

Dirá o referido anónimo:
"A maior parte da oposição e dos ódios que a PGR suscitou têm a ver (do que me lembro) com dois casos principais. Caso Sócrates/Caso Sócrates/Caso Sócrates..... e em muito menor grau com caso Manuel Vicente"

Para responder à letra destas idiotices, talvez fosse bom responder. A maior parte dos amores e dos apoios em torno de Joana Marques Vidal resultaram do caso dos submarinos e do caso Tecnoforma

Este nível de argumentação rasteiro não passa.

Anónimo disse...

Dirá também o mesmo referido anónimo:
"Para a esquerda (PC incluído) parece que era preferível que tudo continuasse como com o P Monteiro em que nada se fazia nada se sabia a que se saiba através dos tablóides, parece que ninguém está preocupado com o facto de haver tipos que roubaram mais que todos os presos das cadeias e se encontram ao fresco a tentar invalidar processos e condenações (Vara, D Lima etc ...)com argumentos meramente formais".

"Parece que era preferível" na cabeça do referido anónimo.

"Parece que ninguém está preocupado" também na cabeça do referido anónimo.

Na cabeça do referido anónimo, mais numa enxurrada de comentadeiros dos prostituídos média e dos boys para todo o serviço


Não só são falsas ( a raiar o abjecto) estas insinuações ( porque não passam disso) como nada deste excelente artigo de J.M. Correia Pinto permite tirar tais conclusões.

Pelo que estamos perante ou de idiotice pura ou da mais pura má fé

Anónimo disse...

Tal como um tal sr Jose Lopes mostra ao que vem e de como vem

"Pode lá admitir-se que o povo saiba o que fizeram ilustres personalidades, como Sócrates, Vara, Pinho, Salgado, Zava, a Escom e a Ongoing, etc.."

Fazer esta leitura do que o autor do post escreve é também uma leitura dum "agente da classe média", assim formatado pelo "expresso" e pelo "público". Quiçá por aquele agente do neoliberalismo oficioso de nome Observador. Uma leitura medíocre e rasteira.

Mas é também tentar misturar alhos com bugalhos na forma selectiva ( e desonesta) como faz a seriação dos casos apontados.

Um apaniguado da direita queixava-se há tempos, despeitado com o rigor que Correia Pinto imprime aos seus textos:
"Fosse isto com um político de direita..."

A importância do que se discute, o rigor que deve presidir ao que se debate deve estar muito para lá destas encenações populistas que nem sequer mascaram as suas simpatias ideológicas e de classe. Sabemos das proximidades entre Salgado e Passos Coelho, por exemplo, o da Tecnoforma. Ou de Portas com Zava. Aparecem uns, não aparecem outros. O que se quer é uma justiça que não esqueça nenhum dos casos e que proceda com rigor ao seu julgamento

Muitas são as queixas no que diz respeito ao acesso à justiça. Cada vez foi mais referenciado nos últimos anos o elevado preço deste acesso, a falta de apoio judiciário, ou o encerramento de tribunais.

O fecho e a desqualificação dos tribunais promovidos pelos trastes que nos governaram foram factor de afastamento da justiça das populações.

No combate ao crime, são diminutos os resultados face à dimensão e ao alastramento do fenómeno – como são exemplo os casos de corrupção e de criminalidade organizada, nomeadamente do crime económico, tendo em conta a carência de meios de toda a ordem ao dispor da investigação criminal, de que se queixam os profissionais da área.

A falta de resposta tem sido justificada com a falta de meios. Os cortes nos orçamentos da Justiça têm sido recorrentes nos orçamentos dos governos.

É também por aqui que uma direita trampolineira, que um neoliberalismo predador, querem impor a sua "Justiça" de classe.

JM Correia Pinto disse...

Acho que não tenha nada a acrescentar. Apenas agradecer os comentários. De facto, não teria nada de novo a dizer quer quanto aos métodos de investigação e instrução do MP português, quer quanto aos do MP de Espanha (Fiscalia). Creio que existe em ambas as críticas a mesma linha de coerência jurídico-política.