AS SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL E INTERNO
O Chelsea, propriedade de Roman Abramovich, está para ser vendido a um
grupo liderado por Todd Boethly, comproprietário da equipa de basebol Los
Angeles Dodgers, nas próximas 24 horas, por 4,25 mil milhões de libras, dizem
as noticias.
Ao que parece, segundo o direito inglês, o negócio terá de ser igualmente
autorizado por Portugal visto Abramovich também ter nacionalidade portuguesa
Cravinho, Ministro dos Negócios Estrangeiros, diz que, sendo o negócio
realizado por uma pessoa que está sob alçada de sanções decretadas pela UE,
conversará com Bruxelas quanto ao modo como deve actuar, embora desde já deixe
claro que será inflexível na aplicação das sanções. Esta questão levanta dois,
digamos, três problemas.
O terceiro, que não é de natureza jurídica, tem a ver com o modo como se
posicionam os portugueses com responsabilidades políticas perante a UE e também
perante os Estados Unidos, quando este é o mandante. A preocupação que todos
manifestam é a de não deixarem dúvidas sobre a intransigência da sua conduta a
ponto de por vezes se mostrarem mais inflexíveis do que o próprio patrão,
embora sempre dispostos a fazer todas as genuflexões que este lhes impuser. Mas
deixemos isto que é assunto que somente se resolve de outra maneira. Mas há-de
resolver-se.
A primeira questão tem a ver como facto de Abramovich em Portugal ser
cidadão português e não poder perante as autoridades portuguesas invocar outra
ou outras nacionalidades de que também seja nacional, para se esquivar às obrigações
impostas pela lei portuguesa. Ora, o que vale para as obrigações, vale para os
direitos. Como cidadão português nenhuma sanção recai sobre Roman Abramovich.
Ele é, em Portugal, tão português como qualquer outro português, com os mesmos
direitos e obrigações, salvo alguns direitos políticos muito específicos como
candidatar-se a Presidente da República, cargo reservado exclusivamente a
portugueses de origem.
A segunda questão, que no rigor dos princípios até já estaria eliminada
pela anterior resposta, versa sobre a natureza do diploma normativo que
decretou as sanções, a que se refere Cravinho, para a partir dai se aferir da
sua eficácia e validade em Portugal, tanto à luz do próprio direito
internacional (na medida em que este seja parte integrante do ordenamento
jurídico português, como acontece cem as normas e princípios do direito
internacional geral e comum), quer à luz da Constituição portuguesa que somente
prevê como vinculativas, além daquelas, mais duas espécies de normas não
directamente aprovadas pelo legislador (em sentido amplo) nacional.
São elas as normas constantes de convenções internacionais regularmente
ratificadas ou aprovadas por Portugal, depois de publicadas no jornal oficial e
enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. Estas normas têm
sempre de ser conformes à Constituição para serem válidas, o que, em regra,
acontecerá pois de outro modo a convenção não teria sido ratificada ou
aprovada. A outra categoria respeita às normas emanadas pelos órgãos
competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte
directamente aplicáveis em território português, desde que tal se encontre
estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. Com esta formulação a
Constituição quer referir se às normas emanadas pelas instituições europeias competentes,
os chamados regulamentos.
Estas são as categorias de normas, além evidentemente das elaboradas e
aprovadas internamente pelo legislador português, que poderiam contemplar as
tais sanções de que fala Cravinho.
Ora, acontece que nenhuma destas normas pode permitir a aplicação de
sanções a Estados terceiros, ou seja, a Estados que não sejam parte das
convenções ratificadas ou aprovadas por Portugal que prevejam esse tipo de
sanções entre as partes, assim como as normas dos tratados constitutivos da
União Europeia também não podem prever a aplicação de sanções a Estados que
dela não façam parte, já que o direito internacional geral e comum não permite
actos de retaliação contra um Estado, suposto de ter cometido um acto ilícito, decididos
e executados por Estados contra os quais aquele ilícito não foi cometido.
Nestes casos, a única entidade com competência para decretar este tipo de
actos é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. De facto, as
sanções entendidas como actos de retaliação ou represália são, isoladamente
considerados, actos ilícitos, cuja licitude fica legitimada pelo acto ilícito
que os determina. Um Estado terceiro ou uma organização internacional, de
carácter regional ou não, não podem assumir-se como policias ou juiz universal
com competência para decretar sanções relativamente a actos que não são da sua
conta ou que não foram praticados contra si.
As sanções aplicadas a um Estados que não sejam decretadas pela ONU e
constituam em si, isoladamente consideradas, um acto ilícito mantêm essa
qualificação já que nenhum princípio do direito internacional geral e comum os pode
legitimar.
Ora, sendo estas as normas de direito internacional relevantes na situação
em questão, a invocação do direito internacional para justificar as sanções
fica sem base jurídica em que possa apoiar-se.
Situação completamente diferente é aquela em que um Estado comete
relativamente a outro ou outros ou relativamente a uma organização
internacional um acto ilícito. Neste caso, tanto o Estado ou os Estados lesados
bem como a organização internacional que se encontre na mesma situação podem
decidir e executar actos retaliatórios contra o Estado infractor desde que
respeitado o princípio da proporcionalidade. Actos que, como já se disse, em si
seriam ilícitos se a sua licitude não estivesse legitimada pelo comportamento
do infractor.
Situação diferente das anteriormente analisadas é ainda a que se traduz na
prática de actos inamistosos. Actos inamistosos são, isoladamente considerados,
actos lícitos praticados pelos Estados relativamente a qualquer outro Estado ou
Estados que tenha tido, segundo a perspectiva de quem os aplica, um
comportamento reprovável. Os actos inamistosos podem inclusive causar prejuízos
ao Estado sem que daí decorram outras consequências jurídicas para quem os
pratica, contanto que sejam em si actos lícitos, ou seja, actos que não se
traduzam no incumprimento de um dever geral ou particular. Por exemplo, Um
Estado deixar de contar com a cláusula de “nação mais favorecida” se no tratado
que a consagrou estiver prevista a possibilidade de ser retirada pelo Estado
que a concedeu, mediante simples notificação.
Portanto, os actos compreendidos nas contra medidas se não constituírem em
si actos ilícitos eles poderão ser aplicados sem nenhuma reserva. Esse é um
poder que decorre da soberania dos Estados. Nesse caso não se tratara
juridicamente nem de retaliações nem de represálias, cujo conceito pressupõe
sempre a ilicitude justificada pelo comportamento da contra parte, mas de actos
puramente inamistosos, em relação aos quais, como acima dissemos, nenhuma
objecção jurídica se levanta.
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