sexta-feira, 28 de novembro de 2025

UM EPISÓDIO DAS RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E A VENEZUELA


A VENEZUELA CANCELA LICENÇA DA TAP PARA VOAR PARA CARACAS




Diz Marcelo que "a nossa diplomacia é muito boa nisso".

A Venezuela vive os dias que correm sob a ameaça de uma intervenção dos Estados Unidos, que já deslocaram para o Mar das Caraíbas o seu maior porta-aviões e um sem número de meios aéreos e navais. O pretexto usado desta vez para a iminente intervenção americana não consiste na existência de “meios de destruição maciça”, em solo venezuelano - além do mais ficava-lhes mal que esses meios tivessem sido transferidos sem o seu conhecimento – mas por a Venezuela ser a sede de um perigoso cartel do tráfico de droga actuando sob o comando de Maduro; cartel, diga-se, de que os Estados Unidos seriam o seu principal cliente. Como medidas preliminares intimidatórias, os meios navais e aéreos dos Estados Unidos já atacaram várias embarcações que navegavam naquelas águas, acerca das quais apenas se sabe que levaram à morte dos seus tripulantes e trabalhadores.

Demarcando a zona como de intervenção militar, com a mesma descontracção de quem demarca em solo pátrio uma parte do seu território para manobras militares, os Estados Unidos deixaram vários avisos à aviação civil que navega no espaço internacional, obviamente destinados a impedir ou limitar o tráfego para a Venezuela.

A TAP, presume-se com a anuência ou por orientação do Governo, foi das primeiras companhias aéreas a suspender unilateralmente as suas carreiras para Caracas, a que se juntaram depois mais cinco companhias aéreas (Ibéria, Avianca, Latam Colombia, Turkish Airlines e Gol).

Evidentemente, que à Venezuela convinha que essas carreiras se mantivessem em actividade, na medida em que poderiam, indirectamente, contribuir para tornar mais difícil a agressão americana, embora, como o bombardeamento da Jugoslávia e outros demonstrem, os americanos (e também a NATO) não sejam muito sensíveis a esses pormenores.

A Venezuela retaliou cancelando as licenças de voo dessas companhias para a Venezuela.

Esta retaliação, relativamente a Portugal, não tem nada de inocente, depois das múltiplas e graves ingerências de Portugal nos assuntos internos venezuelanos.

A existência de uma vastíssima comunidade portuguesa na Venezuela, a maior comunidade estrangeira do país, e das dezenas de milhares residentes luso-descendentes, aconselharia, se outras razões não houvesse, que Portugal se mantivesse à margem das disputas políticas internas e se limitasse a cuidar da segurança e bem-estar dos portugueses lá residentes. E deveria, em conversações diplomáticas normais, explicar ao governo venezuelano que, estando sendo a situação no Mar das Caraíbas perigosa para o tráfico aéreo, iria suspender temporariamente as carreiras aéreas até se encontrar outra via de chegar a Caracas sem perigo.

Mas não foi nada disso que Portugal fez e tem feito. Portugal tem interferido sistematicamente nos assuntos internos da Venezuela, ao serviço de interesses estranhos, que prejudicam os nossos próprios interesses. No actual contexto, o nosso maior interesse é tentar proteger os portugueses e nada fazer que possa fazer perigar a situação dos portugueses lá residentes.

Todos nós nos lembramos do vergonhoso reconhecimento de um tal Guaidó, como presidente da república, na sequência de um acto eleitoral que perdeu por larga margem, tendo, perante um acto internacionalmente reconhecido como válido, deslocado para a Venezuela um repórter da televisão pública, RTP, que durante cerca de um mês fez diariamente sessões de propaganda contra o regime, actuando como um verdadeiro enviado da oposição ao regime. E tudo isso a Venezuela suportou, sem sequer lhe ter dado ordem de expulsão.

Mais tarde, ou seja, há pouco tempo, Portugal voltou a apoiar a candidatura de um torcionário da CIA, que hoje está asilado em Espanha, e uma fulana de extrema-direita – Corina Madura, a quem foi atribuído um prémio Nobel da Paz que nem na Noruega foi reconhecido pelo “Conselho Norueguês da Paz”.

Apesar de ter uma numerosa comunidade portuguesa na Venezuela, a maior comunidade estrangeira do país, e dezenas de milhares de luso-descendentes, Portugal, em vez de se manter à margem das disputas políticas venezuelanas e cuidar apenas da segurança e bem-estar dos portugueses lá residentes, tomou partido e interferiu vergonhosa e ridiculamente nelas.

Esta política externa portuguesa só se compreende por Portugal ter perdido a sua independência e também a sua dignidade como Estado soberano, agindo prioritariamente na defesa de interesses alheios, mesmo quando conflituam com os interesses portugueses. Hoje, quando vemos ou ouvimos um político português a falar sobre problemas ou questões internacionais, nos quais também estão em jogo os nossos próprios interesses, nem sequer vale a pena perguntar de que lado estamos ou o que vamos dizer sobre o assunto. Já toda a gente sabe a resposta: se for um assunto em que os Estados Unidos estejam metidos, é desse lado que nós estamos; se for um assunto sobre o qual a UE já tomou posição, mesmo sem ter nenhuma legitimidade para o fazer, será desse lado que vamos ficar, porventura ainda com mais afinco para que não haja dúvidas de que somos obedientes e cumpridores. A triste sensação que nos fica é a de que somos cidadãos de um Estado derrotado que actua como um simples vassalo do vencedor.

"A nossa diplomacia é muito boa nisso"...diz Marcelo, referindo-se ao diferendo com a Venezuela.

Em tempo: Dizem-me que o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros fez parte, como deputado europeu, daquela daquela comitiva de apoio a Guaidó, candidato derrotado, à qual foi recusada a entrada na Venezuela. Certamente que este acto insensato, de tentar reconhecer como presidente um candidato derrotado, pesou muito provavelmente na decisão agora tomada por Maduro. Na hora da retaliação tudo é chamado à colação...

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

CANDIDATOS PRESIDENCIAIS

 DEBATE ENTRE O CANDIDATO COINTRA O ESTADO E O CANDIDATO À PROCURA DE UM GUIÃO



O DEBATE ENTRE O CANDIDATO CONTRA O ESTADO E O CANDIDATO À PROCURA DE UM GUIÃO

Para começar convém dizer que o debate foi fraco sob vários pontos de vista, tanto do lado dos candidatos como do lado do perguntador - Vítor Gonçalves. Foi fraco, mas muito elucidativo. Vou-me focar no perfil dos candidatos, para se perceber o que poderíamos esperar de um e do outro, se um deles viesse a ser Presidente da República.

Comecemos pelo candidato oriundo da Iniciativa Liberal. Como Presidente da República, Cotrim oscilaria entre ser um inimigo do Estado ao serviço exclusivo do capital ou um Presidente da República lacaio de potências estrangeiras com pretensões hegemónicas sobre o espaço geográfico em que se situam.

Vamos primeiramente às questões internas: Cotrim não só não tem qualquer oposição à privatização da TAP, como a aconselha vivamente. O Estado não deve ser proprietário de empresas aéreas nem os seus eventuais interesses sobre a manutenção de rotas ligadas a interesses portugueses ficam prejudicados pela empresa ser privada. E dá exemplos, a Air France não é do Estado Francês, a Lufthansa não é do Estado alemão, nem a British Airways é do Estado Britânico, não deixando, por isso, que interesses desses Estados deixem de ser defendidos.

Sem curar de saber se as referidas companhias têm ou não participação dos respectivos Estados, o que interessa é sublinhar é a argumentação usada por Cotrim, para de imediato se perceber como é que ele encara a defesa de interesses portugueses no contexto europeu. Cotrim entende que Portugal está no mesmo plano dos Estados acima citados relativamente à acção das companhias aéreas oriundas desses Estados.  Mas disse mais: para replicar a uma pequena objecção sobre a defesa de certos interesses, Cotrim, do alto da sua arrogância, esclareceu: Sim, o Estado tem obrigação de manter as ligações entre todo o território nacional (referia-se às regiões autónomas insulares, como é óbvio) ou a territórios onde vivam grandes comunidades portuguesas. Mas o Estado não precisa de ser proprietário de nenhuma companhia de aviação para fazer a defesa desses interesses. O Estado pode contratar com companhias estrangeiras a manutenção dessas ligações. Ora, aí temos uma resposta de “mestre”.

Sobre aquilo a que eufemisticamente se chama as “alterações ao código do trabalho”, eufemísticas porque na realidade não é disso que se trata, mas da eliminação do “direito do trabalho”, como categoria jurídica autónoma de natureza especial, Cotrim, com excepção de duas das mais vergonhosas propostas “alteração”, concorda com tudo o que o Governo se propõe aprovar, em nome da dinamização da economia, da modernização das relações de trabalho, com vista ao crescimento da economia e pagamento de melhores salários. Ou seja, Cotrim está de acordo com o regresso aos primórdios da “Revolução Industrial”, eliminando do mundo jurídico todos os direitos laborais, passando a ser a “força de trabalho” uma mercadoria como qualquer outra sujeita, por um lado, às regras da oferta e da procura e por outro um contrato alheio à disparidade do peso contratual de cada um dos contraentes. Ou seja, por este andar até o pagamento de um salário necessário à reprodução da própria força de trabalho ficaria em causa, se o fluxo migratório a garantisse mesmo que descontinuadamente.

No plano internacional, Cotrim é ainda mais categórico e mais evidente é ainda a altivez da sua profunda ignorância. À pergunta de Gonçalves, sobre que decisão tomaria se a NATO exigisse a Portugal o envio de tropas de manutenção de paz para a Ucrânia (ou seja, para combater na guerra da Ucrânia), Cotrim foi ainda mais categórico: somos parte de um acordo que nos impõe obrigações, se nos mandarem combater na Ucrânia temos de o fazer, para que se um dia formos atacados também termos quem nos defenda. (E diz-se por aí que Cotrim estudou em não sei quantos países e em não sei quantas universidades…). Mas Cotrim não se ficou por aí, Cotrim foi mais longe: “O que não faz sentido (cito de cor) é que haja países da União Europeia que não são membros da Nato e países da Nato que não são membros da União Europeia” (ou seja, algo que dificultaria a defesa europeia), como também não faz sentido que o comandante das forças da NATO na Europa seja um americano. Tem de ser um europeu.

Ora bem, com esta Cotrim deu-nos uma grande lição de geopolítica, certamente aprendida numa dessas grandes universidades por onde andou. Não vale a pena argumentar, basta perguntar: Faz Cotrim alguma ideia do que é a Europa? Faz Cotrim alguma ideia do que seria a NATO sem os americanos? Santa ignorância…

Quanto a Gouveia e Melo cabe dizer fundamentalmente duas coisas. Primeira, Gouveia e Melo é manifestamente um candidato à procura de um guião. Ele até talvez o tivesse, quando andou nas vacinas, mas era muito curto e inexequível. Depois, ao contrário de Pirandello, que arranjou saída para os seis personagens à procura de um autor, Gouveia e Melo ainda não conseguiu consolidar um guião a partir das múltiplas propostas que outros tantos autores lhe propõem.

Mesmo assim, Gouveia e Melo esteve muito melhor do que Cotrim na questão das alterações à lei laboral, defendendo o “mínimo ético” exigível, esteve igualmente muito melhor no que respeita ao “papel do Estado na economia”, defendeu-se razoavelmente quanto ao envio de tropas para a Ucrânia (depois de já ter dito, quando apenas tinha o seu guião, que “se nos mandarem, vamos morrer pela Ucrânia”) e deixou positivamente Cotrim de calças na mão quando em palavras simples lhe explicou o que seria a Europa se os americanos saíssem da NATO.


terça-feira, 11 de novembro de 2025

ANGOLA

 ANGOLA, PARABÉNS



Morena de Angola, não te deixes enganar pelos lamentos hipócritas dos colonialistas que te escravizaram, que te obrigaram a trabalhos forçados, às culturas obrigatórias e a tudo o mais que agora não interessa referir, mas sem nunca esquecer.
Quando te vierem com essa conversa de que estás hoje pior e que até o teu chocalho deixou de chocalhar, lembra-te do poema de António Jacinto e canta-lhes Monangambé.
És ainda uma menina, Morena de Angola, quando fores um pouco mais crescida vais ser a morena mais bonita de todo o continente.
Acredita no futuro e nunca deixes que sejam os outros a decidi-lo por ti.
Parabéns e muitas felicidades pelo teu aniversário.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

BENFICA - BAYER LEVERKUSEN

 AS INJUSTIÇAS DO FUTEBOL 


Um jogador marca um golo de baliza aberta e é um herói. Um jogador falha um golo de baliza aberta, quando o jogo está empatado e teve azar.
Se um defesa faz um passe imprudente e o adversário aproveita o erro, desempatando o jogo, alcançando com esse golo a vitória, o responsável pela derrota é o defesa.
Esta é a regra que se segue na apreciação de um jogo de futebol. Foi exactamente isso que ontem aconteceu no jogo que, no Estádio da Luz, opôs o Benfica ao Bayer de Leverkusen, a contar para a quarta jornada da fase de apuramento da Liga dos Campeões Europeus.
Dahal ao alviar com a cabeça uma bola, defendida pelo guarda redes, colocou-a involuntariamente  na cabeça do atacante da equipa adversária, que fez golo, apesar de rodeado por três jogadores do Benfica. E assim se consumou uma derrota que poderia ter sido evitada se os atacantes do Benfica, Pavlidis e Bukerbakio, não tivessem falhado duas oportunidades de golo cada um, que, se convertidas, teriam assegurado uma vitória tranquila do Benfica.  
O Benfica fez um jogo cauteloso, de média intensidade, no qual o receio de o perder ou de não o ganhar, desempenhou sempre um papel mais visível do que a ousada vontade de o ganhar. Não quero dizer com isto que o Benfica jogou para empatar. Não foi isso o que se passou. O que se passou é que o Benfica não entrou em campo com a intensidade e a velocidade de quem tinha de ganhar e queria ganhar o jogo rapidamente. Não. O Benfica entrou em campo para ganhar o jogo com segurança. Sem a intenção de arriscar nem de assustar o adversário. E quando assim acontece, apesar das cautelas defensivas, que levaram a que o adversário apenas tivesse tido em todo o jogo duas oportunidades: uma construída por mérito da equipa adversária, outra oferecida pelo Benfica, o resultado final é quase sempre imprevisível.
A ausência da tal ousadia, de quem está disposto a correr riscos, deixa ficar o adversário relativamente confortável na sua missão de ir deixando correr o jogo.
A partir de agora não haverá lugar para mais cautelas. Tanto na Holanda como na Estádio da Luz, nos dois próximos jogos, o Benfica  tem de realizar dois jogos completamente diferentes dos que tem feito até agora. Com outra intensidade, com outra velocidade, com outra ambição, com a ambição de quer quer ganhar o jogo depressa, para, depois de ter feito a sua parte, ficar à espera do que o jogo dá.

 



terça-feira, 4 de novembro de 2025

SOBRE A POLÍTICA DE ANDRÉ VENTURA

 


ESTRATÉGIAS ERRADAS NO COMBATE A VENTURA

Há relativamente pouco tempo (2019), André Ventura concorreu às legislativas por um partido que criou para servir os seus objectivos políticos e elegeu 1 deputado – André Ventura. Hoje, tem 60 deputados e está empatado na corrida às presidenciais com os candidatos mais bem posicionados.
Esta evidência permite tirar uma consequência que me parece óbvia. Todos os métodos usados para combater André Ventura não tiveram qualquer êxito, sendo até razoável supor que o favoreceram e muito.
Então, se os métodos usados não servem e se até podem ter o efeito perverso de o beneficiar, a conclusão óbvia é a de que devem ser abandonados.
André Ventura assenta toda a sua estratégia política em quatro ou cinco pilares muito primários que servem que nem uma luva todos objectivos que tem em vistas atingir. O primarismo dos temas e dos processos de que se serve nada têm a ver com o primarismo de quem os usa. Bem pelo contrário. Usa-os por logo ter percebido que eram os mais facilmente assimiláveis pelo auditório que quer conquistar.
Primeiro pilar da sua intervenção política: a corrupção. Partindo de exemplos muito mediáticos de suspeitas de corrupção ou de casos confirmados, ele passou a fazer da corrupção dos políticos, sem excepção, salvo os que se situam no interior do seu agrupamento, a causa primeira de todos os males da sociedade portuguesa, quaisquer que eles sejam. A ideia que passou com êxito é a de que os políticos, sem excepção, são suspeitos de agirem na defesa de interesses próprios, de que somente serão ilibados se no fim dos seus mandatos não houver qualquer suspeita de enriquecimento (que segundo ele só pode ser ilícito).
A segunda ideia muito difundida é a de que os ciganos não trabalham e vivem à custa de subsídios do Estado ou que quando têm alguma ocupação ela é ilegal (insinuaçao de tráfico de droga, contrabando, etc.)
A terceira é de que os imigrantes tal como a corrupção e os ciganos estão na origem de todos males de que o país padece. E quanto mais afastados os imigrantes estão do padrão étnico da generalidade dos portugueses, mais atacados eles são. A imigração representa um perigo para a manutenção da identidade portuguesa, tanto por pôr em causa a hegemonia da religião (cristã) dominante, como por etnicamente não serem caucasianos. Os seus principais alvos são os asiáticos, os africanos e os mestiços latino-americanos pobres. Associada a esta concepção racista da maioria dos imigrantes que trabalham em Portugal, é divulgada a mentira de que a maior parte ou uma parte muito significativa deles vive à custa de subsídios do Estado e dedica-se a actividades criminosas de todo o tipo. Para complementar o quadro, imputa falsamente à imigração as carência do serviço nacional de saúde e do ensino.
Em todo este vasto quadro ligado à imigração e à comunidade cigana intervém uma fortíssima componente racista que é muito bem acolhida pela sua base eleitoral.
Finalmente, como “os bandidos têm de ser punidos”, assenta igualmente muito bem no seu auditório uma forte marca autoritária que vai desde as deportações arbitrárias, passando pela supressão de direitos elementares até penas pesadíssimas e desproporcionadas relativamente a eventuais ilícitos cometidos.
Subjacente a tudo isto está em meu entender uma fortíssima crise da civilização europeia toda ela assente numa visão imperial e colonial que o tempo e a adopção de estratégias de desenvolvimento económico e comerciais completamente erradas fizeram com que hoje tanto no plano demográfico, como no económico-financeiro, comercial e, também no político, a “civilização europeia” se sinta ameaçada e superada pelo pujante desenvolvimento de grandes regiões do globo que ainda há menos de um século viviam numa situação colonial dominada pelos impérios europeus.
Como é que “isto” se pode combater? Não é fácil. E não é fácil porque Ventura é um oportunista demagogo e covarde. Ventura aproveita-se de tudo o que possa criar uma percepção desfavorável, susceptível de captar o eleitor no sentido do seu voto. É demagogo porque sabe usar os factos fora do seu contexto e dar-lhes uma amplificação que eles não têm. E, finalmente, é um grande covarde porque embora conheça muito bem, pelo menos algumas das causas do descontentamento popular, jamais invoca ou promete combater essas causas se elas tocarem nos grandes interesses relativamente aos quais exibe pelo silêncio e pelo respeito uma subserviência canina. O seu alvo são os fracos e os desprotegidos da fortuna. Esses é que são impiedosamente atacados, acusando-os de todos os males da sociedade portuguesa.
Perante este quadro assim genericamente descrito não faz qualquer sentido combater as suas pretensas simpatias salazaristas por explicações aprofundadas sobre o salazarismo, já que ao seu eleitorado isso não interessa nada, o que interessa é a percepção de seriedade, competência e respeito (autoritarismo) a que desde sempre esteve associada a figura de Salazar, durante décadas infundida na população por todos os meios ao alcance dos seus difusores.
Entrando no seu próprio campo, talvez seja mais útil insistir na tecla de que salazarismo e corrupção eram realidades inseparáveis. Aliás, de modo muito semelhante ao que agora se passa com Ventura e seus apoiantes. Ventura acusa e injuria ciganos, imigrantes e desvalidos da fortuna, marginais a que ele chama bandidos, mas não diz uma palavra nem levanta uma palha sobre a grande corrupção e o compadrio existentes entre o governo do Estado e os grandes interesses económicos, muitos deles criados e apoiados pelo Estado, tanto na sua génese como na sua consolidação, pela entrega de bens muitíssimo rentáveis do Estado a troco de quase nada ou até comprados ao desbarato com dinheiro emprestado pelo próprio Estado e que hoje são os grandes potentados da economia portuguesa. Também nem uma palavra se ouviu ou ouvirá a Ventura sobre os grandes escândalos financeiros (bancários) que custaram aos portugueses milhares de dezenas de milhões de euros nem sobre a riqueza que esses mesmos escândalos proporcionaram a quem neles participou! Sobre tudo isto, Ventura nada diz. As preocupações de Ventura incidem sobre os subsídios atribuídos aos ciganos, que não representam rigorosamente nada e nem sequer dariam para pagar uma pequena parte das fortunas que Ventura gasta em cartazes gigantescos com a sua fotografia espalhados por todo o país.
Depois vêm os infelizes imigrantes, pobres que deixaram as suas terras em busca de uma vida melhor, sujeitos a todo a todo de explorações, com a ilusão de poderem garantir aos seus familiares uma vida melhor do que aquela que lhes estava destinada. E pior do que tudo isto, pior do que esta rejeição racista e covarde, é a injúria gratuita e maldosa de os ligar ao aumento da criminalidade, que nem sequer existe. Como recentemente esclareceu, sem margem para dúvidas, o director geral da Polícia Judiciária, a esmagadora maioria dos estrangeiros que estão cumprir penas em Portugal não são imigrantes, mas simples “correios de droga”, sendo mínima e sem qualquer significado sociológico a percentagem de imigrantes com cadastro criminal em Portugal.
Para compreendermos que tipo ser humano Ventura é, basta perguntar quantas vezes se insurgiu contra as redes de tráfico de seres humanos, que cobram, exploram e controlam os ilegais que vivem em Portugal. Nunca houve uma palavra de compreensão nem de compaixão para essas pessoas, da parte de Ventura que se comporta perante eles com a mesma frieza humana daqueles que constituem as redes que os exploram.
E depois, vem a vergonha das vergonhas, Ventura acusa os imigrantes de receberem subsídios da segurança social, de recorrerem ao SNS sem pagarem os serviços prestados e esquece a enorme contribuição que todos eles, ou praticamente todos, têm dado para manter solvente a segurança social, que sem esse enorme contributo dos imigrantes já estaria no “vermelho” há mais de dez anos. Isto sem falar na enorme contribuição dos imigrantes para a sustentação e crescimento da economia portuguesa que, sem os imigrantes ou com “deportações” à Trump, já teria colapsado.
Em conclusão: o discurso de Ventura é um discurso racista e de ódio. Incide sobre matérias cuja quantificação, em termos de orçamento de Estado, é irrisória. Sobre a governação do país, sobre os grandes problemas com que o país se debate em matéria de cuidados de saúde, sobre educação, sobre habitação, sobre comunicações, sobre as suas estratégias de desenvolvimento, sobre a política internaciombal e sobre o posicionamento de Portugal no mundo, na Europa, a sua proposta é: OS CIGANOS TÊM DE TRABALHAR; OS IMIGRANTES TÊM DE SER DEPORTADOS OU PERDER OS DIREITOS SOCIAIS E LABORAIS; OS CORRUPTOS TÊM DE IR PARA A CADEIA; OS VIOLADORES E OS PEDÓFILOS TÊM DE SER CAPADOS!

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A MINISTRA DA SAÚDE

 

A MINISTRA DA SAÚDE




Chovem de todo o lado as críticas à Ministra da Saúde. Até o “cordato” Rebelo de Sousa na sua interrompida função de comentador quebrou o silêncio para fazer as críticas que julga adequadas sem se esquecer de apresentar a proposta para as superar, assente, como sempre, na substituição do Serviço Nacional de Saúde por um “sistema de saúde público, privado e social” devidamente alimentado pelo Estado em todas as suas componentes. E também cauteloso SG do PS interrompe a sua atitude contemplativa de “abstencionista exigente” para dizer que algo vai mal no domínio da saúde.

Eu tenho uma opinião diametralmente oposta. Acho que a Ministra, que já vem do anterior Governo, está a desempenhar razoavelmente bem e sem desânimos a função para que foi “contratada”.

O objectivo de quem lhe encomendou o serviço é fácil de compreender. O Governo não quer um “serviço nacional de saúde” público e gratuito. O Governo quer montar em Portugal um “sistema” de saúde muito diferente do actual SNS. E mais: quer que seja o “grande público” a pedir essa mudança, acentuando a ineficiência do actual serviço, mediante cortes abruptos de financiamento, encerramento de serviços, temporária ou definitivamente, e tudo o mais que influenciar um irreversível desejo de mudança.

Aceite como uma evidência nacional essa incapacidade, o Governo fará passar para o domínio privado (ou seja, para os grandes grupos já instalados no sector da saúde) uma parte muito considerável das receitas que hoje estão afectadas ao SNS, mediante a multiplicação das parcerias publico-privadas ou outras formas de “colaboração” rentista. Seguidamente ou simultaneamente injectará também algum dinheiro no chamado sector social, para impedir que a dúvida se instale nas boas almas que frequentam as IPSS. O que sobrar, que já será bem pouco, será afectado ao “serviço público de saúde”, cuja esfera de competência será a seu tempo delimitada, mas sempre circunscrita ao dinheiro que sobrar. Quem estiver doente e a sua “doença cair fora” do âmbito destas atribuições vai de ter pagar os seus cuidados de saúde, seja por intermédio de seguros ou outra qualquer via, na qual o pagamento estará sempre à frente do tratamento.    

Portanto, se alguém quer protestar a sério terá de o fazer atacando e impedindo o objectivo que o Governo tem em vista e que visa pôr em prática, logo que o contexto político o permita, a grande reforma da saúde, ou não fosse este Governo um “governo reformista”!

Mas terá de fazer mais: terá de atacar frontalmente os cortes no domínio da saúde, contestando e opondo-se frontalmente ao desvio dessas verbas para compra de armamento bem como as dádivas escandalosamente feitas ao governo corrupto da Ucrânia para alimentar uma guerra que nada nos diz e na qual não temos nenhum, absolutamente nenhum, interesse a defender.

É escandaloso e inacreditável que uma instituição criada para impedir a guerra na Europa – a Comunidade Europeia – seja hoje a grande promotora da guerra e pressione criminosamente os seus Estados membros a financiarem essa guerra com base em decisões ilegítimas de órgãos incompetentes para o efeito.

E mais escandaloso é ainda que um país como Portugal a quem a sua História impõe responsabilidades mundiais tenha quase completamente abdicado dessa responsabilidade relativamente a Estados com os quais deveríamos manter estreitas relações de cooperação e amizade para dar à Ucrânia, que nada nos diz e com a qual nada temos em comum, o que deveríamos utilizar para fomentar relações duradoiras de cooperação mutuamente vantajosas.