segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O QUE DIZ E O QUE NÃO DIZ FERREIRA LEITE



NO ESSENCIAL, REINA O SILÊNCIO


Alguns continuam a afirmar que Ferreira Leite apenas fala daquilo que sabe, daí o seu enorme silêncio.
Não deixa de ser estranho que o responsável máximo pelo segundo maior partido português tenha tão pouco a dizer sobre o momento que se vive, interna e internacionalmente. Sobre este momento histórico, de grande crise financeira e económica, Ferreira Leite não se pronuncia. Nem sobre as suas causas e consequências, nem sobre as medidas que propõe para atenuar os seus efeitos e para evitar que situações idênticas se repitam (neste segundo caso sob a forma de opinião, dada a impossibilidade de um pequeno país poder evitar as crises desta natureza, por mais douto que seja o seu diagnóstico).
A única coisa que lhe ocorre dizer é que algumas das medidas propostas pelo Governo não têm efeito a curto prazo e que outras tornam os seus eventuais beneficiários ainda mais dependentes do governo. É provável que assim seja, mas é pouco para quem quer governar.
Quanto à maior dependência do governo (caso da linha de crédito), é preciso dizer que isso não ocorre apenas com esta específica medida. Ocorre com todas as medidas, deste ou de qualquer outro governo, cuja concretização dependa da discricionariedade de quem decide. O titular do poder discricionário é, pelo facto de o ser, alguém que tem algo para “vender”. Se nós queremos impedir a consequência, temos de eliminar a causa: acabar ou limitar drasticamente o poder discricionário da administração. Numa palavra, fixar critérios cuja aplicação que possa ser judicialmente controlável.
Mas voltemos à crise. Sobre ela nem uma palavra. Tem a presidente do PSD algo a dizer? Nacionalizar os bancos, criar um fundo, garantir os depósitos, assegurar o pagamento dos empréstimos interbancários?
Nenhuma destas medidas pode ser tomada sem um perfeito conhecimento da situação de cada banco. É de presumir que o governo a conheça. E a oposição, conhece-a? E se não a conhece, já fez alguma coisa para a conhecer?
O mais provável é que os bancos portugueses estejam, na melhor das hipóteses, numa situação semelhante à dos bancos europeus. Ou seja, com gravíssimas dificuldades, tanto em consequência de uma drástica redução do seu activo, como em consequência de um vasto passivo que não conseguem solver, o que conjugadamente se traduz numa drástica redução da liquidez, muito penalizadora da economia real. Se ninguém intervier, se os poderes públicos nada fizerem, mais tarde ou mais cedo, os bancos irão á falência e a economia real entrará numa longa e penosa depressão.
Sendo esta a situação há que ponderar muito bem que tipo de intervenção fazer. Qualquer medida que se traduza em assegurar mais liquidez, sem simultaneamente contribuir para debelar as causas que estão na origem da crise, não resolverá o problema e representará para os contribuintes uma pesadíssima factura, ainda por cima passada a quem até hoje só teve como única e exclusiva preocupação fazer o máximo lucro, seja pela via da especulação mais descarada, seja à custa de baixíssimos impostos ou mesmo de ausência de impostos, seja ainda à custa dos mutuários. Ou seja, os bancos não merecem, socialmente falando, a menor consideração.
Portanto, o Estado só poderá intervir desde que fique, relativamente ao banco, titular de uma participação social correspondente à sua intervenção. Como os bancos estão descapitalizados e em risco de falência, a intervenção do Estado terá de ser avaliada neste contexto.
A simples garantia dos depósitos ou, pior ainda, a garantia do pagamento dos empréstimos interbancários desacompanhadas da correspondente entrada no capital social dos bancos (ponderada, como acima se disse, a real situação destes) traduzir-se-ia num roubo ao povo português cometido pelo Estado, isto é, pelo Governo, em benefício dos bancos.
E isto é absolutamente inaceitável. De nada vale dizer, como se tem feito hoje durante todo o dia, que sem a intervenção do Estado a economia colapsa ou que sem ela os depositantes correm o risco de perder o seu dinheiro. Não está em causa uma coisa nem outra. O que está em causa é o modo como o Estado vai intervir.
Se esta discussão não for trazida para a praça pública imediatamente, o mais provável é que o povo fique altamente lesado. O Estado não pode intervir dando dinheiro dos contribuintes para comprar lixo, como queria fazer Bush e a sua camarilha, nem pode intervir como simples mutuante, porque a um falido não se empresta dinheiro – dá-se dinheiro. O Estado só pode intervir, qualquer que seja o fim da sua intervenção (garantia dos depósitos, garantia dos empréstimos interbancários), desde que fique detentor do capital social correspondente á sua intervenção, cálculo que – insisto – não poderá deixar de ter em conta a real situação do banco intervencionado.
O que o Estado fará depois, fica para mais tarde. Uma coisa, porém, terá de ficar clara. Essa intervenção terá de ser feita no interesse da comunidade, nunca no dos banqueiros.
Compreende-se agora melhor a grande barragem de fogo ideológico que já começou a ser feita pelos que querem ficar com o dinheiro de graça. Falam no perigo das nacionalizações, na incompetência do Estado e até em nacionalizações temporárias sem definição dos respectivos contornos.
E compreende-se também melhor por que não fala Ferreira Leite ou por que o PS faz que fala.

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