sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O ATAQUE A GAZA E A CUMPLICIDADE DO POVO JUDAICO



QUEM SE DEMARCA?


Olmert, além de corrupto, é criminoso, tanto ou mais que Ariel Sharon, como tantos outros dirigentes israelitas, sejam eles trabalhistas, do Kadima, do Likud ou de qualquer outra agremiação político-religiosa. Mas não há dirigentes criminosos sem a cumplicidade do povo, quando no seio deste se não vislumbra qualquer protesto, por mais ténue que seja.
Depois da trágica experiência do nazismo alemão, muito se falou e escreveu sobre a cumplicidade no povo alemão nos crimes nazis. Dizia-se, e é verdade, que o nazismo era aceite e estimado pela grande maioria do povo alemão. A história do nazismo na Alemanha, todavia, não é uma história que possa escrever-se sem a luta, inglória, é certo, mas corajosa, de muitos democratas, social-democratas e comunistas que deram a sua vida na luta contra a barbárie nazi. Luta na qual, por sinal, os judeus pouco ou nada participaram. Uma luta difícil, sujeita às maiores retaliações, que iam desde o fuzilamento, passando pelo trabalho escravo, até ao encarceramento por tempo indeterminado em campos de concentração. E, como sempre acontece nestas situações, se o regime proporciona ao povo benesses de que antes o povo não gozava e se além disso lhe garante o prestígio e o orgulho de ser nacional, antes tão abalado pelos humilhantes tratados que a Alemanha foi obrigada a assinar, por ter perdido uma guerra, sem que, durante a qual, alguma vez um soldado estrangeiro tivesse pisado solo alemão, é natural que o povo atenda a esses “valores” e subestime os demais, apoiando o regime. Os povos não são feitos de heróis, a heroicidade é uma qualidade rara, nomeadamente quando está em jogo a vida. Nas ditaduras bárbaras arrisca-se a vida, nas ditaduras normais a liberdade, nas democracias…o património. Estas são as consequências da heroicidade ou dessa indomável vontade de ser livre!
Estas consequências, quaisquer que elas sejam, não redimem todavia os que com o seu silêncio cúmplice se abstêm de tomar posição e muito menos aqueles outros que silenciosamente apoiam e desfrutam as vantagens que o regime lhes proporciona. O povo alemão, sem ter sido submetido a tratamento humilhante após a derrota de 45, desta vez rotunda e definitiva, assumiu a culpa pelo nazismo e ainda hoje a terceira geração expia esse “pecado”.
Que se passa actualmente com o povo judaico face à pratica reiterada de crimes do Estado de Israel? Aparentemente, de acordo com os procedimentos habituais, quase se poderia dizer que em Israel vigora uma democracia de tipo ocidental – democracia política representativa -, logo um tipo de regime onde as consequências da dissidência não põem em causa valores primordiais, como a vida ou a liberdade. Mas temos de admitir que tudo é relativo: quando se vive em ditadura aspira-se a viver em democracia para se poder exprimir livremente as divergências; em democracia quando a divergência incide sobre questões menores é fácil arrostar com as suas consequências, tanto mais que a maior parte das vezes elas se traduzem em ficar arredado das benesses de quem manda; mas se a divergência incide sobre questões fundamentais, que gozam de amplo consenso, aí as consequências serão seguramente mais graves e nem todos têm a preparação profissional ou a força anímica suficientes para poderem levar a vida à margem da convergência.
Estas considerações poderiam explicar – nunca justificar – porque não há real oposição, em Israel, à política criminosa do Estado contra a resistência palestiniana e os palestinianos em geral. Mas nunca explicariam o silêncio da famosa diáspora judaica, que não só está ao abrigo daquelas consequências, como ainda, pelo seu poderio, estaria em condições de influenciar decisivamente o governo de Israel.
Com excepção dessa voz humanista de Daniel Baremboim, ninguém balbucia uma sílaba de protesto contra o que se está a passar. Pelo contrário, o que todos lemos e ouvimos diariamente são manifestações, vindas dos quatro cantos do mundo, de judeus que apoiam com um rol interminável de justificações o massacre de Gaza.
Sem qualquer outro estado de alma, que não seja aquele mesmo que nos levou e leva a protestar contra o apartheid, o colonialismo, as ditaduras em geral e a exploração de quem trabalha, nós não temos qualquer pejo em afirmar que o povo judaico é responsável pelo que se está a pagar em Gaza e, mais tarde ou mais cedo, vai ter de expiar esse crime!

2 comentários:

JVC disse...

Como sempre, um texto corajoso, provocador, a fazer pensar. e também a suscitar uma pergunta: e a cumplicidade do povo português com o salazarismo e o colonialismo?

FJCoutinhoAlmeida disse...

Comentário ... ao comentário precedente:

O que JM Correia Pinto quer dizer - creio - é que em Israel não há nenhuma oposição, nem aberta nem clandestina. Até mesmo o Partido Trabalhista - como o de outros países, de esquerda, mas só no nome - corrobora, sem qualquer reserva, esta actuação do governo.
De modo que a comparação com o salazarismo e o marcelismo em Portugal não tem - penso - razão de ser ...
Ao longo dos de quase meio século (1926-1974), sempre houve fortíssima oposição clandestina (e legal, quando tolerada em campanhas eleitorais) contra o regime.
Basta ver a heroica resistência do PCP ... e não só.