DISCUTIR UM TEMA DIFÍCIL, MAS NECESSÁRIO
Não estou interessado em discutir juridicamente o assunto, tanto mais que ele não tem uma solução única. Apenas me interessa abordá-lo politicamente, sem muitas justificações, mas não sem quaisquer justificações uma vez que o tema é politicamente melindroso e presta-se, principalmente nos tempos que correm, a muito fáceis deturpações.
Não tenho, fora os casos de dominação colonial, nenhuma especial simpatia pelos movimentos nacionalistas. Sou mesmo pelas grandes federações, ou, se fosse possível, pela federação universal, como meio de alcançar a paz perpétua. Os fenómenos de exacerbado nacionalismo são na maior parte das vezes filosoficamente muito pobres, política e socialmente perigosos, de modo que o melhor é mesmo lutar contra eles.
Também é historicamente verdade que a independência é, na sua génese, um acto unilateral. Essa ideia, agora muito em curso, das independências pactuadas, não passa de uma tentativa de alguns dos mais fortes protagonistas da comunidade internacional manterem o status quo a qualquer preço.
A independência é um conceito de facto, que existe ou não existe, e que acabará por se impor ou não, supondo preenchidos os elementos integradores do conceito, em função dos reconhecimentos que consegue congregar. Se ninguém a reconhecer, aquela entidade que tem todas as características para ser um Estado, acaba, na prática, por não sê-lo em virtude de não poder entrar em relação com ninguém!
Também não me pronuncio moralmente sobre a forma como a independência se alcança: como ela é um facto e não um percurso teológico ou moral encetado na busca do bem, vale tudo desde que seja eficaz. Desde prender a mãe, até matar o amante da regente, passando pela defenestração dos “traidores” e por todos os ardis impostos pela natureza desigual das lutas em presença, tudo tem sido usado! Nessas lutas, como em todas as lutas, a maior parte das vítimas são sempre inocentes. E mesmo naqueles casos, como aconteceu com os movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas, em que houve (fora os iniciais acontecimentos do norte de Angola) um cuidado extremo em não atingir os colonos, principalmente na sua integridade física, isso aconteceu muito mais por razões de eficácia do que por pretensas razões morais.
Dito isto, tenho alguma dificuldade em compreender, por razões políticas e históricas, que a justiça portuguesa se predisponha a entregar os (alegados) elementos da ETA presos em Portugal, por crimes praticados no território português, à justiça espanhola.
Certamente que Portugal não poderá ser um santuário da ETA e toda e qualquer actividade que tenha o pais vizinho como alvo deve ser reprimida. Em Portugal, não em Espanha. Insisto, por razões históricas e políticas, mas também porque em Espanha não existe um verdadeiro Estado de direito relativamente a estas matérias. A justiça espanhola não é independente (ela nem sequer é independente relativamente às lutas PSOE/PP, quanto mais em relação aos movimentos nacionalistas) e contrariamente ao que dizem certos “doutos peritos”, como o jubilado Embaixador Cutileiro, não existe em Espanha qualquer possibilidade de resolver esta questão democraticamente. Para a Espanha, resolver democraticamente esta questão, é aceitar a "Espanha" tal como a Constituição a define.
Pelas razões expostas, faço sinceros votos para que o STJ não confirme as decisões dos tribunais inferiores e para que o julgamento daqueles alegados elementos da ETA, bem como de outros, relacionados com os eventos de Óbidos, que venham a ser encontrados, sejam julgados em Portugal.