terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

SÓCRATES, FIGO E O CRIME DO PADRE AMARO




DA “IMPOSSIBILIDADE METAFÍSICA” À TEORIA DOS MILAGRES

Ficou célebre, até hoje, a resposta de Eça de Queiroz àqueles que no Brasil e em Portugal o acusaram, ou maldosamente insinuaram, de O Crime do Padre Amaro ser uma imitação do romance “La Faute de l’ Abbé Mouret” de Zola.
No seu estilo inimitável, Eça diz: “Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correcto”. E depois aduz a prova sempre irrefutável das datas: O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872 e publicado em 1874, enquanto o livro de Zola foi escrito e publicado em 1874.
E Eça acrescenta: “Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do Sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do abade Mouret – exactamente como o venerável Aquiles, no vale dos Elísios, podia ver, entre as sombras das raças vindouras, flutuando na névoa luminosa do Lete, aquele que um dia devia ser Marcelo! Tais coisas são possíveis. Nem o homem prudente as deve julgar mais extraordinárias do que o carro de fogo que arrebatou Elias aos céus – e do que outros prodígios provados”.
Só que, como Eça meticulosamente explica, os dois romances são muito diferentes na sua estrutura e na trama romanesca. Enquanto o episódio central do romance de Zola é o “quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da primeira mulher no amor”, O Crime do Padre Amaro é “uma simples intriga de clérigos e de beatas, tramada e murmurada à sombra de uma velha sé de província portuguesa”.
E dito isto – conclui Eça – parece ficarem indicados e suficientemente lúcidos os motivos que tenho para não supor O Crime do Padre Amaro uma tradução mal feita de La Faute de l’ Abbé Mouret. E não insisto na diferença das datas apesar de ela constituir o que se chamava, creio eu, em lógica, uma impossibilidade metafísica, porque sou bom cidadão e o artigo sexto da Carta impõe implicitamente o dever de não descrer dos milagres”.

Dito isto, o que se conclui é que Sócrates não demonstrou, no que respeita a datas, a impossibilidade metafísica, de a sua conversa com Figo nada ter a ver com as conversas que alguns super boys do PS já tinham tido tempos antes com ele, exactamente para o mesmo efeito. De facto – e este foi mais um pormenor que escapou ao impreparado entrevistador de “Sinais de Fogo” – as conversas dos super boys do PS com Figo datam, pelo menos, de Junho, enquanto a entrevista do ex-jogador ao Diário Económico – que, segundo Sócrates motivou o contacto com Figo – é de Agosto. E o encontro entre ambos é de Setembro, aliás, simbolicamente no mesmo dia em que a Tagus Park assinou o contrato com a Fundação Luís Figo.
Portanto, Sócrates, ao contrário de Eça, não conseguiu provar a “impossibilidade metafísica”. Resta, assim, a segunda hipótese: a de Sócrates ter penetrado na mente dos super boys do PS e ter avistado, entre as formas difusas das suas tramóias futuras, a figura apetecível de Figo como seu apoiante eleitoral. Só que aí levanta-se uma dificuldade tão intransponível como a da “impossibilidade metafísica”: é que a Constituição da República, contrariamente à Carta, consagra a separação entre o Estado e as Igrejas, defende o Estado laico e não obriga ninguém a não descrer de milagres, seja bom ou mau cidadão. Menos ainda, quando se é agnóstico, como é o caso de Sócrates.
Logo, improvada a impossibilidade metafísica e arredada por arreigado agnosticismo do Primeiro Ministro a teoria do milagre, só resta esperar que, em nota oficiosa, quase normativa, Silva Pereira venha desvanecer as dúvidas que arreliadoramente persistem nas mentes agnósticas dos nossos dias.

2 comentários:

RN disse...

Caro CP:

Segui a tua recomendação.

Quando nos divertimos com inteligência, a nossa crítica pode ser mais contundente do que quando resvalamos para a uma seriedade que, por ser excessivamente carregada, se pode tornar desnecessariamente agressiva.

De facto, só um texto de matriz queirosiana dispõe do poder de divertir mesmo a quem se não identifique com o cerne da sua mensagem.

Paradoxalmente, é este tipo de debate político (na minha opinião) que menos aborrece e que mais favorece o diálogo entre perspectivas distintas.

Já agora uma "ferroada" ligeira: se as oposições de esquerda no nosso parlamento dispussessem dos teus recursos queirosianos, talvez o ambiente na esquerda fosse mais distendido, mesmo que o governo até se pudesse sentir alvo de ataques mais eficazes.

Mas esta última parte é supérflua. O essencial é que a tua postagem me divertiu, mesmo não concordando em larga medida com ela.

Um abraço.

RN

JMCPinto disse...

Obrigado meu Caro RN. Pelo teu fair play e pela tua simpatia.
Abraço Amigo
CP