sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A RESSACA DA PRIVATARIA FALHADA


O DIA SEGUINTE
 
Os portugueses não puderam deixar de saborear com ironia e muita satisfação o acto falhado de mais uma ruinosa privataria que o governo de Passos e Relvas se preparava para consumar.
Embora toda a gente compreenda sem hesitações, a começar por Eframovitch, as verdadeiras razões da decisão que o Conselho de Ministros se viu ontem obrigado a tomar sobre um negócio que já estava fechado, não deixa de ser interessante olhar retrospectivamente para as explicações que o Governo e os seus conhecidos porta-vozes foram dando, ao longo da noite, sobre a razão de ser da decisão.
Para começar, ninguém do Governo propriamente dito apareceu a falar, a dar a cara sobre o que se passou. Mandaram os “ajudantes”, para usar uma expressão cara a Cavaco Silva, muito jovens, cheios de convicção, tentar convencer os portugueses que foi por causa de um desentendimento quanto a datas sobre a prestação de umas ridículas garantias que o negócio – um bom negócio, como eles diziam – não se realizou.
Depois, uns minutos mais tarde, lá apareceram os porta-vozes oficiosos da maioria para complementar as explicações. Foi um exercício penoso. Uma jovem deputada do PSD em debate com João Galamba não foi capaz, durante a cerca de meia hora que lá esteve, de dizer outra coisa que não fosse que a decisão demonstrou que o processo afinal era transparente e que a privatização da TAP foi inscrita no Memorando por iniciativa do PS.
Pouco depois, apareceu Marques Mendes, noutra estação, com uma explicação pateta, a insultar a inteligência dos portugueses. Marques Mendes deveria ter vergonha do ridículo papel que foi ontem fazer na televisão, principalmente depois de ter chamado “chico-esperto” ao Ministro das Finanças por este ter tentado aldrabar os portugueses com justificações estúpidas apresentadas depois do episódio da “extensão a Portugal das novas condições estabelecidas para o pagamento da dívida grega”. Marques Mendes ainda fez pior: para ele tudo não passou de equívoco quanto a datas entre o potencial vendedor e o potencial comprador. Marques Mendes tem de crescer em capacidade argumentativa para continuar a comentar em televisão.
Não obstante as esfarrapadas explicações da maioria terem constituído o prato forte da noite, não se deve silenciar a posição assumida pelo PS sobre um tema que tanto interessa aos portugueses e sobre o qual nem sequer há dúvidas acerca da solução que eles verdadeiramente apoiam. Com excepção de João Galamba, que infelizmente conta muito pouco, a nomenklatura do PS que se manifestou – Zorrinho, António Costa, Seguro – estava muito mais interessada na desqualificação de Passos Coelho (o que já parece desnecessário…) do que na defesa de uma solução para a TAP verdadeiramente conforme ao interesse nacional. António Costa até chegou ao ponto de se distanciar claramente do juízo de suspeição que, segundo ele, Pacheco Pereira estava fazendo daqueles que no Governo têm conduzido na sombra – isto é, sem a competência institucional adequada – os processos de privatização.
É bom que os grandes responsáveis do PS não andem sobre esta matéria a tentar enganar os portugueses, fazendo-os crer que um processo de privatização da TAP conduzido com lisura (que é um substantivo que, por definição, dificilmente se ajusta ao conceito de privatização…) poderia salvaguardar todos os interesses estratégicos, políticos e afectivos ligados à existência de uma companhia aérea de bandeira detida pelo Estado. Isto não é possível, nem sequer é exigível que o seja para quem estiver disposto a comprar pelo justo preço uma empresa como a TAP.
A opção não é apenas entre um negócio conduzido por vigaristas e um negócio conduzido por gente relativamente séria, a opção – a única opção que efectivamente existe – é entre uma empresa privada com tudo o que isso significa e uma empresa pública capaz de conciliar os interesses estratégicos de natureza político-económica do país com uma gestão racional e eficiente. Uma empresa privada, qualquer que seja o caderno de encargos, é uma empresa que terá, como não pode deixar de ser, o lucro como seu principal interesse estratégico, estando a defesa de outros interesses subordinada e dependente daquele objectivo principal. Interesses secundários só serão prosseguidos se e enquanto servirem o objectivo principal. Se é assim que actuam todas as empresas por que admitir ou fazer crer que neste caso se passaria o contrário?
Além de que a posição que o PS tem vindo a defender – insistindo apenas na questão da transparência – abre a porta e deixa o caminho aberto à tese defendida pelas Finanças: ver-se livre da dívida da TAP, entregando a empresa a quem a assumir a por inteiro. Foi isto o que ainda ontem a Secretária de Estado deixou evidente quando afirmou que este, se pudesse ter sido feito – e a gente sabe porque não foi –, seria um excelente negócio, não pelo que o Estado receberia do comprador (realmente nada, tanto assim que a ausência dessa ridícula verba não afecta as contas deste ano), mas pela desoneração implicaria no plano da dívida pública.
Este raciocínio, típico de um burocrata das finanças incapaz de compreender o que vá para além de um simples cálculo contabilístico, ficou agora potenciado pelo facto de a primeira tentativa ter sido abortada. E é contra isto, contra este tipo de soluções, que tem de ser mantida a luta contra a privatização da TAP, explicando, por um lado, que ela leva necessariamente à descaracterização da empresa e, por outro, demonstrando que é perfeitamente possível jurídica, económica e politicamente recapitalizá-la de modo a mantê-la completamente na órbita do Estado.
Que quem no PS e no próprio CDS (como, por exemplo, Ribeiro e Castro) defende esta posição não tenha receio de se bater por ela  contra as direcções partidárias na certeza de que terá a seu lado a maioria do povo português e de todos os portugueses espalhados pelo mundo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A PRIVATARIA DE PASSOS E RELVAS NÃO PASSOU


MAS AINDA É CEDO PARA CANTAR VITÓRIA
 
 
Um dos mais escandalosos negócios da história da democracia portuguesa esteve a milímetros de se concretizar. De momento o negócio foi inviabilizado, mas ainda é cedo para cantar vitória.
Dentro do próprio Governo, na sociedade portuguesa, na oposição e até em sectores influentes do estrangeiro, tanto de portugueses como de estrangeiros, um coro de reprovações e de protestos impediu que o que já estava “acordado com todos os pormenores” acabasse por não vingar.
Mas “eles” continuam lá e não vão desistir com facilidade. É certo que nem sequer tiveram coragem de vir dar a notícia, tal o estado de prostração em que se encontram. Mandaram os juniores dar as explicações. Mas o povo percebeu o que se passou.
Também não pode haver dúvidas de que as forças que advogam a privatização, embora sem os processos imaculados defendidos por Relvas e Passos, continuarão apostados em fazê-la rapidamente, de preferência dentro da União Europeia.   Muito provavelmente vão contar doravante com a oposição daqueles que já tinham “tudo acordado”. E dessa luta fratricida entre os defensores dos processos imaculados e outros, os que acima de tudo se querem ver livres da dívida (e que desempenharam um importante papel na inviabilização da operação) podem tirar partido todos aqueles que na sociedade portuguesa querem manter a TAP no domínio público.
Na defesa deste objectivo, além dos múltiplos sectores da sociedade portuguesa que se manifestaram contra a privatização e dos partidos de esquerda que a ela se opõem, desempenhará um papel decisivo o PS.
Sobre o PS recai a responsabilidade maior de advogar sem reticências a natureza pública da TAP, defendendo a sua viabilidade e a recapitalização da empresa nos mesmos termos em que outros países o têm feito na União Europeia relativamente a sectores estratégicos da economia de cuja propriedade ou controlo o Estado não abdica. Nada no direito comunitário o impede, por maiores que sejam as dificuldades levantadas ou a levantar pelos sectores (hegemónicos) da ortodoxia neoliberal da Comissão Europeia.
É para este combate que o PS tem de estar preparado se quiser ter uma actuação conforme ao reclamado pelo sentimento popular.
E tem de estar preparado não apenas para fazer face às dificuldades levantadas pela Comissão Europeia, mas também cá dentro àqueles que já “tinham tudo acordado”. E nem sequer será necessário indicar nomes para imediatamente se perceber qual ou quais, além dos que no Governo defendiam a "venda" imediata da empresa, os representantes do sector financeiro altamente interessados na realização do negócio agora abortado por via de uma conjugação muito heterogénea de forças. Esse ou esses sectores financeiros sempre muito empenhados, tal como Relvas, em processos imaculados de negócios tudo farão, tudo continuarão a fazer, para relançar as bases de um negócio que também já davam por concluído.
Finalmente, pode dar-se o caso – tudo vai depender de desenvolvimentos futuros – que esta enxovalhante derrota marque o princípio do fim (próximo) do Governo de Relvas e Passos Coelho!

A PRIVATARIA DE PASSOS E RELVAS


E TUDO, TUDO SE VAI…

A fúria privatizadora de Passos e Relvas, com a cumplicidade de Portas e de Cavaco, doutrinariamente apoiada por Gaspar, não pode ser analisada apenas a partir da ideia hoje muito difundida e praticamente consensualizada de que interessa ao Governo acima de tudo agradar aos credores e actuar nos mais diversos campos da política de acordo com os ditames impostos do exterior na convicção de que esse comportamento acabará por render frutos. Esta análise, apesar de assentar em factos incontroversos que diariamente se repetem e que podem ser confirmados até pelo observador menos atento, não é porém suficiente para explicar tudo o que se está a passar.
 
De facto, as "privatizações iminentes", no plano das receitas, não vão render ao Estado nada ou quase nada e, no da dívida, terão efeitos praticamente irrelevantes dada a ténue incidência da sua (eventual e, pelos vistos, até problemática) transferência para o comprador no cômputo global da dívida pública; por outro lado, as desvantagens decorrentes da perda regular de receitas significativas (lucros) e a aleatoriedade a que doravante fica sujeita a venda de importantes serviços ao exterior (exportações), desde logo por uma parte significativa desses serviços poder passar a ser contabilizada noutro ou noutros países, configuram no puro plano económico as "privatizações iminentes"  como um negócio ruinoso para o país, dificil de conceber por mais incompetente que seja a gestão dos interesses nacionais.  E nem sequer em sua defesa se poderá alegar, dentro da habitual lógica de subserviência aos intereses estrangeiros, a pressão dos credores já que os presumíveis novos proprietários dessas empresas nem sequer são oriundos dos países credores.
 
Assim, se do ponto de vita económico-financeiro as "privatizações iminentes" (ANA, TAP, RTP) constituem um verdadeiro desastre poderão elas justificar-se no plano puramente ideológico por parte daqueles que perfilham a tese de que tudo o que é do Estado é por definição mau e de que não há nada pior no plano da racionalidade económica do que a apropriação colectiva de qualquer tipo de bens, principalmente dos bens de produção?
 
É indiscutível que há hoje no moderno capitalismo neoliberal uma fortíssima corrente ideológica disposta a sacrificar todo e qualquer interesse colectivo, defendido e assegurado pelo Estado, à pureza do princípio que tudo manda apropriar privadamente. Basta dizer que muitas, talvez até a maior parte, das proibições do moderno capitalismo desregulado (parece um paradoxo, mas não é…) assentam em concepções ideológicas tão rígidas (como a famigerada proibição das “ajudas de Estado”) que quase fazem parecer inócuas muitas das que existiam no “socialismo real” e que eram alvo da chacota dos que agora defendem essas mesmas “ortodoxias” com o mesmo afinco com que aquelas eram levadas à prática. Basta dizer que é por razões puramente ideológicas que se levantam hoje obstáculos à capitalização da TAP pelo Estado, não obstante os incalculáveis benefícios que tal investimento poderia trazer. Razão, todavia, não suficiente para impedir que Estados fortes da União Europeia, como, por exemplo, a França e Alemanha capitalizem empresas nacionais estratégicas sempre que entendem corresponder tal investimento ao interesse nacional dos respectivos países.
 
Serão então razões ideológicas, aliadas à fraqueza de quem docilmente se submete aos ditames do exterior, que levarão Passos e Relvas a serem tão insensíveis não apenas aos efeitos económicos mas também aos efeitos políticos devastadores dessas mesmas privatizações facilmente depreendíveis das unânimes reacções que todos os dias se ouvem de cidadãos anónimos na comunicação social?
 
Apesar de Passos, pela sua incultura e inexperiência, ser em grande medida prisioneiro da vulgata neoliberal, muita facilitada pela presente conjuntura, não parece ser essa neste caso a verdadeira razão da sua actuação. Primeiro, porque no partido, quanto mais não seja por instinto de sobrevivência política, não falta quem se oponha, mesmo entre os próximos do Governo, a estes desvarios neoliberais, principalmente naqueles casos em que os seus efeitos são duradoiramente nocivos e inapagáveis na memória colectiva por atingirem, no imaginário popular, interesses e bens identitários cuja perda ficará para sempre ligada à governação do PSD. E depois porque ninguém, absolutamente ninguém, vê Relvas a bater-se pela defesa de um interesse puramente ideológico.   
 
Tem de haver, portanto, outras razões. Perguntar-se-á: mas se houver outras razões, o que justifica a passividade de Portas e de Cavaco. Portas, como já se percebeu pelas pseudo-crises que protagonizou neste último quadrimestre do ano, não tem “liberdade de acção”. Portas está enredado nas teias em que se enleou, ele o seu partido, na sua anterior passagem pelo governo. Ele sabe que o PSD de Relvas & C.ª conhece muito bem o seu percurso político e o mais que Portas conseguiu nas tais falsas crises em que interveio foi estancar a torrente noticiosa de certas “agências de informação”. Por outro lado, todo o percurso político de Portas perderia sentido se renunciasse ao único governo em que tem possibilidade de estar.
 
E Cavaco, por que não actua? Cavaco não actua por covardia política e também porque jamais praticaria qualquer acto que fosse no sentido de favorecer os seus inimigos e adversários políticos, mesmo que essa actuação, a seu juízo, lhe fosse ditada pela defesa do interesse nacional.


Portanto, quando nós ouvimos o Ministro Miguel Relvas enaltecer, com ar de extrema felicidade, a transparência das privatizações e o processo imaculado que tem sido seguido, todos nós, quase sem excepção, somos levados a a pensar que é exactamente nessa “alvura” de processos e procedimentos que tem de ser encontrada a razão para o cumprimento escrupuloso do "calendário das privatizações", custe o que custar.
 
Mas se Relvas empresta a qualquer processo em que participe a marca imaculada da sua acção, poder-se-á dizer o mesmo de Passos Coelho? O tempo da inocência terminou. Passos Coelho é igual a Relvas. A mesma “alvura”, a mesma  imaculada conduta é de esperar dele ou não fosse ele o grande defensor de Relvas.
 
Passos Coelho e Relvas são duas almas gêmeas. Os interesses de um coincidem com os interesses do outro.
 
Passos chega mesmo a ir mais longe do que Relvas na defesa do interesse nacional. Atente-se nas palavras que proferiu no passado fim de semana, entre a juventude do PSD, sobre os cortes nas reformas. Alguém com responsabilidades políticas neste país seria capaz de com tanta eloquência explicar à juventude a extorsão que os mais velhos estão a fazer do trabalho das actuais gerações laboriosas? Alguém com as mais altas responsabilidades políticas teria a sageza para sibilinamente apelar no plano político a uma revolta dos mais novos contra os mais velhos ou no plano pessoal ou doméstico a criar um clima capaz de favorecer os devidos ajustes de contas? Não, certamente não há entre nós muitos políticos com virtudes comparáveis às do nosso excelso primeiro ministro. Por isso, distingui-lo de Relvas é uma injustiça que Passos não merece.

A privataria de Passos e Relvas é a palavra de ordem do governo português!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

MARCELO REBELO DE SOUSA



NUNCA SE VIU TANTO EMPENHO
 

 

Que Marcelo é um dos nomes fortes e mais influentes da direita já todos sabemos há muito tempo. O que desconhecíamos no seu trajecto político, apesar de todo o seu habitual intervencionismo nas lides político-partidárias, era a sua disponibilidade para se envolver tão intensamente na defesa de um governo, como está a fazer com este governo de Passos Coelho. Pode mesmo dizer-se, sem ironia, que a sua envolvência com o governo em funções é maior do que a que ele tinha consigo próprio quando era líder do PSD.

Se bem nos recordarmos, Marcelo tem, desde o 25 de Abril, por razões diversas, mantido uma atitude crítica relativamente a todos os governos de direita, sem prejuízo de os ter apoiado, mas nunca com o fervor com que agora defende o actual, desde as coisas mais comezinhas até às mais importantes.

Com Sá Carneiro na chefia do governo, Marcelo embora reconhecendo, como toda a direita, quão importante era a chegada do PSD ao poder quatro anos depois da Revolução, nem por isso deixou de marcar algumas distâncias relativamente ao "líder fundador", a ponto de, juntamente com mais dois conhecidos políticos de direita, ter apresentado uma espécie de alternativa chamada, salvo erro, “Jovem Esperança”.

Depois, por morte de Sá Carneiro, veio Balsemão. E os ataques de Marcelo, como subdiretor do Expresso (propriedade de Balsemão), ao governo e ao Primeiro Ministro foram de tal ordem que Balsemão para se livrar da perversidade do seu empregado jornalista o convidou para Ministro, para o ter mais próximo e controlado. Mas sem qualquer sucesso, já que foi exactamente nesse lugar desse atarantado governo da “AD dois” que Marcelo mais conspirou contra o Primeiro Ministro.

Mais tarde veio Cavaco por dez anos e apesar de toda a força e influência de Cavaco apenas terá mudado o tom das críticas e às vezes a falta de oportunidade para as fazer. Mas sempre que essa oportunidade aparecia lá estava Marcelo a deixar a sua ferroada na nova e indiscutível liderança.

Passou-se uma boa meia dúzia de anos até que a direita voltasse ao poder com Barroso como Primeiro Ministro. Pois apesar de Marcelo estar psicologicamente em baixo – tinha perdido a liderança do partido para o actual presidente da comissão europeia – nem por isso a sua veia crítica perdeu entusiasmo ou esmoreceu. Depois seguiu-se Santana Lopes e então foi um verdadeiro “fartar vilanagem” como nunca se tinha visto antes, a ponto de alguns terem interpretado aquela cruzada contra o antigo companheiro da “Jovem Esperança” como um acto de indisfarçável despeito por Santana ter chegado, embora nas específicas condições em que chegou, às funções que Marcelo, desde outro Marcello, tanto ansiava para si.

Tem que haver, portanto, uma explicação para esta defesa tão intransigente e tão militante do Governo de Passos Coelho. Com excepção das críticas a Relvas – mas Relvas não conta porque realmente não há quem o possa defender – tudo o mais Marcelo defende desde o que tem pouca importância até ao que realmente é muito importante. Marcelo defende as privatizações – as escandalosas privatizações da RTP, da ANA, da TAP assim como defendeu a da EDP -, defende a subserviência de Passos perante a Europa, defende o Orçamento, como antes defendeu todas as medidas que nele estão inscritas ou que Passos gostaria de lá inscrever, defende a descaracterização do Estado social, justifica os maiores disparates do Governo como “falhas de comunicação”, enfim, desempenha o papel de um porta-voz de luxo reinterpretando e recriando as mais incríveis decisões do governo com vista a fazê-las passar como actos razoáveis e necessários face à “grave situação que o país atravessa”.

E tudo isto porquê? Tem de haver uma explicação. Nos dias que correm a explicação mais corrente para compreender fenómenos como este assenta na ideia de que “não há almoços grátis” ou de que “ninguém corre de graça”. Não parece todavia que seja o caso, nem mesmo na hipótese de a recompensa (ou a “contraprestação”) consistir num futuro apoio a uma candidatura a Presidente da República. Pela razão simples de que muita água daqui até lá passará por baixo das pontes, não sendo nada seguro saber-se a esta distância quem nessa altura “mandará” no PSD”. Embora esta questão da Presidência da República não esteja ausente das suas preocupações, a verdadeira razão para o entusiasmo com que Marcelo quase todos os dias aparece a defender o governo parece ser outra.

Marcelo percebeu, como toda a gente, que este é, desde o 25 de Abril, o governo mais à direita que Portugal teve. Um governo que está levar à prática aquilo com que a direita sempre sonhou desde o 25 de Abril mas que nunca até hoje tinha tido condições para concretizar: a desforra. E é essa desforra, esse desmantelamento do que de mais importante foi conquistado com a Revolução, que entusiasma verdadeiramente Marcelo.

Marcelo também sabe que essa desforra não pode incidir, pelo menos para já, sobre as chamadas “liberdades formais” da democracia representativa, mas sabe também que se os direitos económicos e sociais de quem trabalha forem verdadeiramente atacados, precarizados, fragilizados estarão criadas as condições para que “em democracia” a direita possa fazer quase tudo o que fazia em ditadura. Essa a razão do entusiasmo de Marcelo.

Enganam-se aqueles que pensam que Marcelo tinha tudo para uma grande carreira política mas que por força das suas “traquinices” e perversidades tudo tem deitado a perder. Sim, Marcelo aspirava, na sequência e na continuidade do marcelismo, a uma grande carreira política que o 25 de Abril traumaticamente impossibilitou. Hoje, ao ver parcialmente recriadas aquelas condições, Marcelo voltou a acreditar que tem hipóteses. Mas para isso é preciso reforçar quotidianamente a defesa do governo para que este possa concluir a tarefa a que meteu mãos.  

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SUBSERVIÊNCIA DESCARADA


 
MAIS UM CASO

O que se passou a propósito da extensão a Portugal (e à Irlanda) da chamada “suavização” das condições impostas à Grécia pelo Eurogrupo e pelo FMI é mais um triste exemplo da ausência de um Governo digno desse nome à frente dos destinos do país.

Nem sequer importa aqui discutir se as novas condições da Grécia vão ou não resolver os problemas com que os gregos se deparam. Quem não está intoxicado pela “ausência de alternativa” sabe perfeitamente que a decisão do Eurogrupo/FMI mais não foi do que um simples paliativo destinado a tentar esbater as dramáticas consequências de uma política sem saída, imposta pelos credores, que agrava drasticamente as condições de vida do povo grego. Uma política cuja responsabilidade recai fundamentalmente sobre a Alemanha mas também sobre todos aqueles que, por subserviência ou cálculo político, a apoiam, quaisquer que tenham sido as responsabilidades iniciais dos governantes gregos.

O que importa sublinhar é que do ponto de vista daqueles que acreditam que a “suavização” concedida à Grécia pelo Eurogrupo/FMI pode traduzir-se num relativo alívio das medidas de austeridade e das políticas restritivas que têm sido impostas aos devedores, se justificava a sua extensão a Portugal e à Irlanda. E foi isso que Jean-Claude Juncker começou por afirmar à saída do Eurogrupo, tendo logo a seguir Victor Gaspar dito mais ou menos o mesmo.

Umas horas depois o ministro alemão da economia, Schäuble, veio dizer exactamente o contrário logo secundado pelo seu homólogo francês. Ainda o eco destas palavras se não tinha esbatido na Europa, já Passos Coelho em Cabo Verde se apressava a concordar com a posição alemã.

Este triste episódio só ganha importância por representar com muita fidelidade o que é hoje a União Europeia.

Juncker, que diz ter muita simpatia pelos portugueses, provavelmente por ter ao seu serviço como empregada doméstica alguma nossa concidadã, faz frequentemente o papel de “polícia bom”, sem nunca se esquecer de a hora da verdade obedecer caninamente à voz do chefe. E Victor Gaspar que, apesar de todo o seu dogmatismo, começou por reclamar igualdade de condições para os “países de programa”, também não teve qualquer problema em mudar de opinião mal pressentiu que aquele não era o caminho indicado pela ortodoxia dominante. Por seu turno, a França de Hollande, em quem os nossos socialistas depositavam tantas esperanças, depois da aparente arrogância inicial, tem cada vez mais saídas de sendeiro, recebendo como recompensa dos alemães o pseudo estatuto de par privilegiado, farsa em que os franceses participam convencidos de que é esse o estatuto que os demais lhe atribuem. Finalmente, Passos Coelho é o exemplo acabado da subserviência política, capaz de tudo sacrificar a uns elogios de ocasião e a umas palmadas nas costas dadas com o ar paternal de quem conta com uma obediência submissa.  
E pode um Governo destes continuar a governar?