NUNCA SE VIU TANTO
EMPENHO
Que Marcelo é um dos nomes fortes e mais influentes da
direita já todos sabemos há muito tempo. O que desconhecíamos no seu trajecto
político, apesar de todo o seu habitual intervencionismo nas lides político-partidárias,
era a sua disponibilidade para se envolver tão intensamente na defesa de um
governo, como está a fazer com este governo de Passos Coelho. Pode mesmo
dizer-se, sem ironia, que a sua envolvência com o governo em funções é maior do
que a que ele tinha consigo próprio quando era líder do PSD.
Se bem nos recordarmos, Marcelo tem, desde o 25 de Abril, por
razões diversas, mantido uma atitude crítica relativamente a todos os governos
de direita, sem prejuízo de os ter apoiado, mas nunca com o fervor com que agora
defende o actual, desde as coisas mais comezinhas até às mais importantes.
Com Sá Carneiro na chefia do governo, Marcelo embora reconhecendo, como
toda a direita, quão importante era a chegada do PSD ao poder quatro anos
depois da Revolução, nem por isso deixou de marcar algumas distâncias relativamente ao "líder fundador", a ponto
de, juntamente com mais dois conhecidos políticos de direita, ter apresentado
uma espécie de alternativa chamada, salvo erro, “Jovem Esperança”.
Depois, por morte de Sá Carneiro, veio Balsemão. E os ataques
de Marcelo, como subdiretor do Expresso (propriedade de Balsemão), ao governo e
ao Primeiro Ministro foram de tal ordem que Balsemão para se livrar da
perversidade do seu empregado jornalista o convidou para Ministro, para o ter
mais próximo e controlado. Mas sem qualquer sucesso, já que foi exactamente
nesse lugar desse atarantado governo da “AD dois” que Marcelo mais conspirou
contra o Primeiro Ministro.
Mais tarde veio Cavaco por dez anos e apesar de toda a força
e influência de Cavaco apenas terá mudado o tom das críticas e às vezes a falta
de oportunidade para as fazer. Mas sempre que essa oportunidade aparecia lá
estava Marcelo a deixar a sua ferroada na nova e indiscutível liderança.
Passou-se uma boa meia dúzia de anos até que a direita voltasse
ao poder com Barroso como Primeiro Ministro. Pois apesar de Marcelo estar
psicologicamente em baixo – tinha perdido a liderança do partido para o actual
presidente da comissão europeia – nem por isso a sua veia crítica perdeu
entusiasmo ou esmoreceu. Depois seguiu-se Santana Lopes e então foi um
verdadeiro “fartar vilanagem” como nunca se tinha visto antes, a ponto de
alguns terem interpretado aquela cruzada contra o antigo companheiro da “Jovem
Esperança” como um acto de indisfarçável despeito por Santana ter chegado,
embora nas específicas condições em que chegou, às funções que Marcelo, desde
outro Marcello, tanto ansiava para si.
Tem que haver, portanto, uma explicação para esta defesa tão
intransigente e tão militante do Governo de Passos Coelho. Com excepção das
críticas a Relvas – mas Relvas não conta porque realmente não há quem o possa
defender – tudo o mais Marcelo defende desde o que tem pouca importância até ao
que realmente é muito importante. Marcelo defende as privatizações – as escandalosas
privatizações da RTP, da ANA, da TAP assim como defendeu a da EDP -, defende a
subserviência de Passos perante a Europa, defende o Orçamento, como antes
defendeu todas as medidas que nele estão inscritas ou que Passos gostaria de lá
inscrever, defende a descaracterização do Estado social, justifica os maiores
disparates do Governo como “falhas de comunicação”, enfim, desempenha o papel
de um porta-voz de luxo reinterpretando e recriando as mais incríveis decisões
do governo com vista a fazê-las passar como actos razoáveis e necessários face
à “grave situação que o país atravessa”.
E tudo isto porquê? Tem de haver uma explicação. Nos dias que
correm a explicação mais corrente para compreender fenómenos como este assenta
na ideia de que “não há almoços grátis”
ou de que “ninguém corre de graça”.
Não parece todavia que seja o caso, nem mesmo na hipótese de a recompensa (ou a
“contraprestação”) consistir num futuro apoio a uma candidatura a Presidente da
República. Pela razão simples de que muita água daqui até lá passará por baixo
das pontes, não sendo nada seguro saber-se a esta distância quem nessa altura “mandará”
no PSD”. Embora esta questão da Presidência da República não esteja ausente das
suas preocupações, a verdadeira razão para o entusiasmo com que Marcelo
quase todos os dias aparece a defender o governo parece ser outra.
Marcelo percebeu, como toda a gente, que este é, desde o 25
de Abril, o governo mais à direita que Portugal teve. Um governo que está levar
à prática aquilo com que a direita sempre sonhou desde o 25 de Abril mas que
nunca até hoje tinha tido condições para concretizar: a desforra. E é essa
desforra, esse desmantelamento do que de mais importante foi conquistado com a
Revolução, que entusiasma verdadeiramente Marcelo.
Marcelo também sabe que essa desforra não pode incidir, pelo
menos para já, sobre as chamadas “liberdades formais” da democracia
representativa, mas sabe também que se os direitos económicos e sociais de quem
trabalha forem verdadeiramente atacados, precarizados, fragilizados estarão criadas
as condições para que “em democracia” a direita possa fazer quase tudo o que
fazia em ditadura. Essa a razão do entusiasmo de Marcelo.
Enganam-se aqueles que pensam que Marcelo tinha tudo para uma
grande carreira política mas que por força das suas “traquinices” e
perversidades tudo tem deitado a perder. Sim, Marcelo aspirava, na sequência e
na continuidade do marcelismo, a uma grande carreira política que o 25 de Abril
traumaticamente impossibilitou. Hoje, ao ver parcialmente recriadas aquelas
condições, Marcelo voltou a acreditar que tem hipóteses. Mas para isso é
preciso reforçar quotidianamente a defesa do governo para que este possa concluir
a tarefa a que meteu mãos.
5 comentários:
Aplaudo, sem reservas. Sempre considerei Marcelo Rebelo de Sousa um dos políticos mais malfazejos e viperinos do país.
claro que vai ser tramado, sem hipóteses de suceder a Cavaco, como tanto deve desejar...
a vingança vai ser servida com gelo.
Acredito piamente que se Marcelo Rebelo de Sousa ler este texto, dirá a voz alta: este gajo, conhece-me como ninguém. Só ele, só ele.
Excelente análise a uma pessoa que sempre ficará ás portas de um enorme cargo governativo.
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