E TUDO, TUDO SE VAI…
A fúria privatizadora de Passos e Relvas, com a cumplicidade de Portas e de Cavaco, doutrinariamente apoiada por Gaspar, não pode ser analisada apenas a partir da ideia hoje muito difundida e praticamente consensualizada de que interessa ao Governo acima de tudo agradar aos credores e actuar nos mais diversos campos da política de acordo com os ditames impostos do exterior na convicção de que esse comportamento acabará por render frutos. Esta análise, apesar de assentar em factos incontroversos que diariamente se repetem e que podem ser confirmados até pelo observador menos atento, não é porém suficiente para explicar tudo o que se está a passar.
De facto, as "privatizações iminentes", no plano das receitas, não vão render ao Estado nada ou quase nada e, no da dívida, terão efeitos praticamente irrelevantes dada a ténue incidência da sua (eventual e, pelos vistos, até problemática) transferência para o comprador no cômputo global da dívida pública; por outro lado, as desvantagens decorrentes da perda regular de receitas significativas (lucros) e a aleatoriedade a que doravante fica sujeita a venda de importantes serviços ao exterior (exportações), desde logo por uma parte significativa desses serviços poder passar a ser contabilizada noutro ou noutros países, configuram no puro plano económico as "privatizações iminentes" como um negócio ruinoso para o país, dificil de conceber por mais incompetente que seja a gestão dos interesses nacionais. E nem sequer em sua defesa se poderá alegar, dentro da habitual lógica de subserviência aos intereses estrangeiros, a pressão dos credores já que os presumíveis novos proprietários dessas empresas nem sequer são oriundos dos países credores.
Assim, se do ponto de vita económico-financeiro as "privatizações iminentes" (ANA, TAP, RTP) constituem um verdadeiro desastre poderão elas justificar-se no plano puramente ideológico por parte daqueles que perfilham a tese de que tudo o que é do Estado é por definição mau e de que não há nada pior no plano da racionalidade económica do que a apropriação colectiva de qualquer tipo de bens, principalmente dos bens de produção?
É indiscutível que há hoje no moderno capitalismo neoliberal uma fortíssima corrente ideológica disposta a sacrificar todo e qualquer interesse colectivo, defendido e assegurado pelo Estado, à pureza do princípio que tudo manda apropriar privadamente. Basta dizer que muitas, talvez até a maior parte, das proibições do moderno capitalismo desregulado (parece um paradoxo, mas não é…) assentam em concepções ideológicas tão rígidas (como a famigerada proibição das “ajudas de Estado”) que quase fazem parecer inócuas muitas das que existiam no “socialismo real” e que eram alvo da chacota dos que agora defendem essas mesmas “ortodoxias” com o mesmo afinco com que aquelas eram levadas à prática. Basta dizer que é por razões puramente ideológicas que se levantam hoje obstáculos à capitalização da TAP pelo Estado, não obstante os incalculáveis benefícios que tal investimento poderia trazer. Razão, todavia, não suficiente para impedir que Estados fortes da União Europeia, como, por exemplo, a França e Alemanha capitalizem empresas nacionais estratégicas sempre que entendem corresponder tal investimento ao interesse nacional dos respectivos países.
Serão então razões ideológicas, aliadas à fraqueza de quem docilmente se submete aos ditames do exterior, que levarão Passos e Relvas a serem tão insensíveis não apenas aos efeitos económicos mas também aos efeitos políticos devastadores dessas mesmas privatizações facilmente depreendíveis das unânimes reacções que todos os dias se ouvem de cidadãos anónimos na comunicação social?
Apesar de Passos, pela sua incultura e inexperiência, ser em grande medida prisioneiro da vulgata neoliberal, muita facilitada pela presente conjuntura, não parece ser essa neste caso a verdadeira razão da sua actuação. Primeiro, porque no partido, quanto mais não seja por instinto de sobrevivência política, não falta quem se oponha, mesmo entre os próximos do Governo, a estes desvarios neoliberais, principalmente naqueles casos em que os seus efeitos são duradoiramente nocivos e inapagáveis na memória colectiva por atingirem, no imaginário popular, interesses e bens identitários cuja perda ficará para sempre ligada à governação do PSD. E depois porque ninguém, absolutamente ninguém, vê Relvas a bater-se pela defesa de um interesse puramente ideológico.
Tem de haver, portanto, outras razões. Perguntar-se-á: mas se houver outras razões, o que justifica a passividade de Portas e de Cavaco. Portas, como já se percebeu pelas pseudo-crises que protagonizou neste último quadrimestre do ano, não tem “liberdade de acção”. Portas está enredado nas teias em que se enleou, ele o seu partido, na sua anterior passagem pelo governo. Ele sabe que o PSD de Relvas & C.ª conhece muito bem o seu percurso político e o mais que Portas conseguiu nas tais falsas crises em que interveio foi estancar a torrente noticiosa de certas “agências de informação”. Por outro lado, todo o percurso político de Portas perderia sentido se renunciasse ao único governo em que tem possibilidade de estar.
E Cavaco, por que não actua? Cavaco não actua por covardia política e também porque jamais praticaria qualquer acto que fosse no sentido de favorecer os seus inimigos e adversários políticos, mesmo que essa actuação, a seu juízo, lhe fosse ditada pela defesa do interesse nacional.
Portanto, quando nós ouvimos o Ministro Miguel Relvas enaltecer, com ar de extrema felicidade, a transparência das privatizações e o processo imaculado que tem sido seguido, todos nós, quase sem excepção, somos levados a a pensar que é exactamente nessa “alvura” de processos e procedimentos que tem de ser encontrada a razão para o cumprimento escrupuloso do "calendário das privatizações", custe o que custar.
Mas se Relvas empresta a qualquer processo em que participe a marca imaculada da sua acção, poder-se-á dizer o mesmo de Passos Coelho? O tempo da inocência terminou. Passos Coelho é igual a Relvas. A mesma “alvura”, a mesma imaculada conduta é de esperar dele ou não fosse ele o grande defensor de Relvas.
Passos Coelho e Relvas são duas almas gêmeas. Os interesses de um coincidem com os interesses do outro.
Passos chega mesmo a ir mais longe do que Relvas na defesa do interesse nacional. Atente-se nas palavras que proferiu no passado fim de semana, entre a juventude do PSD, sobre os cortes nas reformas. Alguém com responsabilidades políticas neste país seria capaz de com tanta eloquência explicar à juventude a extorsão que os mais velhos estão a fazer do trabalho das actuais gerações laboriosas? Alguém com as mais altas responsabilidades políticas teria a sageza para sibilinamente apelar no plano político a uma revolta dos mais novos contra os mais velhos ou no plano pessoal ou doméstico a criar um clima capaz de favorecer os devidos ajustes de contas? Não, certamente não há entre nós muitos políticos com virtudes comparáveis às do nosso excelso primeiro ministro. Por isso, distingui-lo de Relvas é uma injustiça que Passos não merece.
A privataria de Passos e Relvas é a palavra de ordem do governo português!
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