A FRAGILIDADE
ARGUMENTATIVA DOS PRAXISTAS
Em primeiro lugar, foi importante discutir por que razão a
praxe académica está hoje, quanto a práticas e comportamentos, na situação em
que se encontra e que é do conhecimento geral.
Foram emitidas muitas opiniões, outras tantas explicações
desigualmente fundamentadas, mas sobre esta questão o debate está de certa
forma encerrado. Nem todos terão tirado as mesmas conclusões, sendo algumas
delas manifestamente insuficientes como explicação do que se está a passar:
umas, porque quem as tira somente é capaz de alcançar as mais simplistas,
outras porque quem as enuncia quer manifestamente deixar ficar tudo na mesma
apesar de manifestar uma falsa indignação.
Chegado o debate a este ponto, o que agora é importante saber
é o que se deve fazer.
A indignação manifestada por muita gente e apoiada maioritariamente
pelos media é muito importante mas não chega. O que se deveria fazer continua a
ser óbvio para muita gente: deveriam ser os estudantes, a grande maioria dos
estudantes, a expurgar a praxe do seio das universidades como algo arcaico e retrógrado
que deixou de corresponder às reais necessidades de quem nos dias de hoje
frequenta a universidade seja no plano lúdico, seja no plano das chamadas actividades
circum-escolares.
Deveria…mas não será, já que tão cedo os tempos não estão
para aí virados. Pelo contrário, não obstante as recentes contrariedades,
alicerçadas em factos de extrema gravidade, tudo aponta para um reforço das
praxes se nada de impositivo for feito.
Acontece, porém, que a argumentação dos praxistas em defesa
da praxe é extremamente frágil, ou não fossem eles academicamente, nomeadamente
os do topo da hierarquia, os menos capazes e os piores exemplos da frequência
universitária. Basta lembrar que a escolha do famoso Dux Veteranorum recai
preferencialmente sobre o estudante com mais matrículas, o que do ponto de
vista estritamente estudantil não pode deixar de considera-se a pior das
credenciais. Mas não é menos verdade que todos os demais que na Universidade ou
fora dela a defendem também não primam pela argúcia argumentativa.
Os argumentos de toda esta gente situam-se entre dois parâmetros
muito fáceis de enunciar: negam ou escamoteiam os factos e comportamentos que
maior repulsa social provocam ou pura e simplesmente dizem que esses factos –
aqueles que vemos todos os dias – não fazem parte da praxe. São abusos, são excessos,
são actos praticados por pessoas mal formadas, etc.
Ora este é um bom argumento para proibir as praxes. Como se
sabe, embora os juristas talvez possam explicar isto melhor, nem todas as
relações da vida social são reguladas pelo direito. O direito regula a maior
parte dos nossos comportamentos em sociedade, mas não regula todos. Há os
chamados “espaços livres de direito”, espaços onde o direito não entra por
opção do legislador. E estes espaços exactamente por serem livres de direito só
podem ser preenchidos pelo legislador. Ou seja, não se trata de lacunas legais,
lacunas que o intérprete, em última instancia, os tribunais possam integrar, actuando
de forma semelhante à que actuam quando há uma lacuna da lei, exactamente
porque foi uma opção do legislador deixá-los à margem do direito. E se o
legislador assim decidiu não pode o tribunal decidir de outro modo sob pena de
violação do princípio da separação de poderes. O tribunal não faz normas, o
tribunal aplica normas.
Não confundir espaço livre de direito com a faculdade reconhecida
às pessoas de regularem, de acordo com a sua vontade, juridicamente as relações
em que intervêm. Aqui, o que prevalece é chamado princípio da autonomia da
vontade, que é um princípio jurídico balizado na sua extensão por normas imperativas.
Pois bem, quando o legislador deixa certas matérias à margem
do direito, como acontece com a praxe, mas há muitas outras, isso quer dizer que
não lhe cabe a ele interferir nesse domínio, salvo obviamente quando as práticas
ocorridas nesse campo violarem princípios e regras que a todos vinculam.
Mas não haja ilusões, esses espaços são deixados à margem do
direito porque as práticas que no seu interior têm lugar não são na esmagadora
maioria dos casos merecedoras de qualquer tutela jurídica nem levantam
problemas de conformidade com as leis gerais do país. Se porém este pressuposto
desaparecer, se cada vez forem mais frequentes os comportamentos censuráveis,
então o mais normal é que o legislador seja levado a intervir.
De facto, se a ideia subjacente à orientação legislativa de
não interferência vier a ser infirmada e gravemente posta em causa pelo exemplo
reiterado de práticas ilícitas ocorridas no interior desse “espaço livre de
direito”, então o que qualquer legislador responsável deve fazer é rever
rapidamente a sua posição e trazer esse espaço para o domínio do jurídico.
E isso faz-se praticamente por duas formas: ou regulando os
comportamentos que até então estavam a salvo de qualquer cobertura jurídica,
eliminando o tal espaço livre de direito, ou pura e simplesmente proibindo as
actividades que no interior desse espaço têm lugar quaisquer que elas sejam.
Se os estudantes praxistas e todos aqueles que apoiam as
praxes reconhecem que os actos que causam maior indignação social não fazem
parte da praxe e se esses actos são cada vez mais numerosos, a ponto de para qualquer
observador se terem tornado na matriz da própria praxe, então isso significa que
a praxe está sendo usada para fins ilícitos que os seus responsáveis são
incapazes de controlar. Se os seus responsáveis e defensores, bem como
as universidades onde tais práticas têm lugar, são incapazes de controlar o que
no interior da praxe se pratica, a ponto de tais comportamentos porem
gravemente em risco ou atingirem mesmo a integridade física e moral dos
estudantes, então o que o legislador tem de fazer, o que qualquer legislador
responsável deve fazer, é proibir a praxe já que não é ética nem socialmente
aceitável que uma “prática lícita” esteja recorrentemente a ser utilizada para
fins ilícitos.
2 comentários:
Boa análise. Sublinho:
"Pois bem, quando o legislador deixa certas matérias à margem do direito, como acontece com a praxe, mas há muitas outras, isso quer dizer que não lhe cabe a ele interferir nesse domínio, salvo obviamente quando as práticas ocorridas nesse campo violarem princípios e regras que a todos vinculam."
O parágrafo final é inquestionável, à luz desta tese!
Se não fosse o meu preconceito...ficava convencido. Esta claríssimo. Mas eu acho que e preferível NÃO proibir. E ao contrário, dar-lhe a inadiável luta. Ou seja, convencer em vez de proibir.
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