quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

MIRÓ E A CONVERGÊNCIA


SOBRE AS VICISSITUDES DE UMA CERTA “ESQUERDA”



Não é tanto sobre o desconseguimento da venda em leilão pela Christie, nem mesmo sobre a frustacional acção do valido de Moedas que aceita desempenhar o triste papel que lhe distribuíram como Secretário de Estado da Cultura que importa hoje falar. Sobre esse lamentável episódio já quase tudo se disse para vergonha dos intervenientes.

Só que quando eles já estavam completamente encostados à parede, um (o Secretário de Estado) a meter os pés pelas mãos e o outro (o Primeiro Ministro) enredado num ridículo jogo de empurra com a leiloeira sobre quem tem a culpa do que se passou, eis que um recém-ardente defensor da convergência de esquerda vem dar uma mãozinha ao Governo, advogando a venda dos quadros por bom preço.

Ou seja, sobre um tema em que a esquerda não poderia estar mais convergente, desde o PS ao PCP, passando pelo Bloco, toda a esquerda reprova a venda dos quadros e tenta judicialmente impedi-la com o apoio do Ministério Público como defensor da legalidade democrática e de primeiro advogado de defesa dos interesses do Estado, eis que surge alguém que, tendo ultimamente falado várias vezes em nome de uma parcela da esquerda, vem agora defender com  nuances de ocasião uma posição semelhante à do Governo,  fazendo completa tábua rasa da posição unanimemente defendida pela esquerda.

Nada pior para o futuro da quase falida intenção do 3 D em pugna pela convergência de alguma esquerda do que ter no seu seio quem objectivamente se ponha do lado do Governo ou quem numa exacerbação ególatra típica dos partidos de direita se suponha detentor de uma solução muito criativa e venha propor uma espécie de terceira via para os quadros de Miró com completo desprezo pelo combate que sobre o tema está em curso. Uma terceira via que, tal como a outra, a de Guiddens, acaba sempre, na prática, por fazer o jogo do adversário quer por situar o problema no campo por ele escolhido e quer por buscar uma solução no contexto por ele defendido, mesmo que com pequenas especificidades de ocasião.

É esta incapacidade de aceitar a posição da maioria, em muitos casos acentuada por vedetismos fugazes típicos da sociedade comunicacional dos nossos dias, que torna, de facto, muito difícil qualquer espécie de unidade de acção naquele espaço situado entre o PS e o PCP em virtude de cada um dos intervenientes mais conhecidos desse espaço exigir uma quota de protagonismo nem que seja para dizer ou fazer aquilo que num concreto momento não pode ser dito nem feito, seja por razões tácticas ou não, sob pena de o desrespeito dessa unidade, por mais inventiva que possa parecer a posição defendida, fortalecer o adversário que se está combatendo.

A propósito da disciplina em política não posso deixar de me recordar daquelas conversas que durante a longa noite cavaquista íamos tendo nos quatro cantos do mundo com António Russo Dias e Seixas da Costa sobre a nossa comum participação nessa extraordinária festa colectiva que foi o PREC. Tendo cada um de nós sido actor em cenários diferentes naqueles extraordinários dezoito meses que vão do 25 de Abril de 74 ao 25 de Novembro de 75, a narrativa dessas diversas experiências, quanto mais não fosse pelo desconhecimento que cada um de nós tinha da acção dos outros, tornava a conversa muito interessante e interminável. E é a propósito dessas conversas que não posso deixar de recordar algumas das tiradas com que António Dias ilustrava “as palavras de ordem e os ensinamentos” recebidos do Grande Timoneiro (nacional) que, sempre atento às tentações pequeno-burguesas dos militantes do seu partido, se não cansava de lhes lembrar que “A Revolução não é propriamente um chá dançante!”

É este desconhecimento das “máximas revolucionárias”, esta tentação pequeno-burguesa de dar nas vistas, ou, como, ironicamente, diria Seixas da Costa, citando outro grande clássico, “esse cosmopolitismo reaccionário”, que acaba por ser fatal a uma parte da esquerda. A uma esquerda que prodigaliza princípios …para os outros mas que encontra sempre uma boa razão para que o comportamento individual de cada um dos seus componentes seja diferente do dos demais. Bem andava o António Dias quando sintetizava essa mentalidade nas palavras de um desses chefes de ocasião: “A luta é dura…mas vós não vergais!”.


4 comentários:

Francisco Seixas da Costa disse...

Meu Caro

Belos tempos esses em que, por entre as gargalhadas sobre episódios em que ríamos de nós próprios, íamos resistindo ao cinza pardo dos dias. Mal nós sabíamos o que é que, nos depois de amanhãs que por aí iriam espumar, nos iria ainda sair em rifa.

Era importante chamar os bois pelos nomes, porque tenho a sensação de que as pessoas que o leem a si podem não entender.

Mar Arável disse...

O Miró nunca me enganou

nem os que o vendem a saldo

Anónimo disse...

Eu sou de esquerda , e é coisa que não me incomodo muito é com a venda dos Mirós , a unidade seria preciso em coisa muito mais importantes que venda ou não venda duns quadros. E a unidade é fixe , mas prefiro a liberdade de pensamento.

Anónimo disse...

Não Senhor Dr., essa gente não quer protagonismo; essa gente só quer dinheiro sem trabalhar; só quer viver à tripa forra sem esforço, com palavreado.Antigamente,este era usado pelos que pretendiam vender o "vigésimo premiado"; agora passou para os partidos políticos. Não perca tempo com essa gente, Senhor Dr.