quarta-feira, 18 de março de 2015

SOBRE O HABEAS CORPUS


 

DA SUA APLICAÇÃO
 

A Constituição de 1933, no §4.º do famoso art.º 8.º, mesmo no finalzinho (como dizem os brasileiros), estatuía: “Poderá contra o abuso do poder usar-se a providência do habeas corpus”.

Durante 12 anos este preceito constitucional foi pura letra morta porque não havia texto legislativo ou disposição do Código de Processo Penal que o actuasse. Até que em 20 de Outubro de 1945, sublinho Outubro (já depois de consagrada a vitória das forças populares e democráticas na II Guerra Mundial), foi publicado o Decreto-Lei n.º 35. 043, que regulou a providência de habeas corpus em termos quase idênticos ao que hoje figuram no CPP. Em 1947, com alterações, foi mandado aplicar ao Ultramar pelo Decreto n. º 36 198 de 28 de Março.

Marcelo Caetano, para não ficar atrás de Salazar, em 1972, alterou várias disposições do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Março, introduzindo, com algumas modificações, a providência de habeas corpus no Código de Processo Penal, nos artigos 312.º a 323.º, abrindo-se pomposamente um capítulo no Código para albergar esta matéria – “Capítulo VII – Do “habeas corpus”.

O regime da providência era praticamente idêntico ao que hoje está em vigor. Aliás, o do texto constitucional que a consagra é também no essencial é idêntico ao de hoje, embora mais sintético, com menos palavras. Mas o essencial está lá.

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35 043 é bem escrito, como em regra acontecia com todos os preâmbulos dos grandes textos jurídicos do fascismo, e expõe com clareza a filosofia política do regime relativamente a questões universais como a Liberdade e a Ordem (A liberdade que se desgarra da Ordem é crime; a autoridade que se desprende da Ordem é arbítrio. O primeiro desvio, porque individual, pode ser combatido com eficácia pela força do Estado. O segundo, porque praticado por quem detém o poder, só pela força do mesmo Estado, entregue a um órgão de jurisdição imparcial e independente, pode ser combatido), o papel dos órgãos jurisdicionais, as relações entre a Ordem e a tirania e entre a Liberdade e a anarquia, etc.

Vejamos agora como do ponto de vista jurídico a providência de habeas corpus era entendida. Ou dito de outra maneira: qual a directiva para a sua aplicação:

O habeas corpus não é um processo de reparação dos direitos individuais ofendidos, nem de repressão das infracções cometidas por quem exerce o poder público, pois que uma e outra são realizadas por meios civis e penais ordinários. É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. Com a cessação da legalidade da ofensa fica realizado o fim próprio do habeas corpus. De outro modo, tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso.

Do que fica dito se depreende qual o grau de perfeição e de fortaleza que as instituições judiciais devem possuir para exercerem uma função de tanto melindre e responsabilidade. E que assim é revela-o a circunstância de o habeas corpus, originário da Inglaterra, onde evolucionou com a própria organização jurídica, não ter conseguido implantar-se em nenhum outro país europeu, não obstante o reconhecimento dos seus benéficos efeitos e as reivindicações da doutrina.

A Constituição de 1911 prometia a sua regulamentação em lei. Porém as estéreis convulsões políticas que durante tantos anos caracterizaram a nossa vida pública não tornavam fácil a efectivação da promessa. Na própria Inglaterra, quando das revoluções frequentes da Irlanda, suspendia-se a sua aplicação. Trata-se, realmente, de um processo de defesa dos direitos da pessoa que só pode funcionar com segurança em situações de estabilidade política e de justo equilíbrio dos poderes do Estado.

Essas condições verificam-se presentemente”.

Vejamos agora algumas aplicações pelo Supremo Tribunal de Justiça daquela providência durante o fascismo:

- “À sombra da mal entendida liberdade individual, não deve o Supremo Tribunal de Justiça embaraçar o dever de autoridade, comprometendo o direito do Estado e a existência da Sociedade” (ac. do S.T.J., de 14 de Maio de 1947; Bol. Of. do Min. Just., 7.º, 165).

- “É de deferir o pedido de habeas corpus formulado por indivíduo preso a fim de ser internado em manicómio, se, excedido o prazo legal de prisão sem culpa formada, se não tiver iniciado o processo adequado à aplicação daquela medida de segurança” (ac. do S.T.J., de 18 de Junho de 1947, B.M. J., 1, 101).

- “É legal a prisão sem culpa formada, por suspeita de actividade integradora de crime contra a segurança do Estado. Em tal caso, não pode o Supremo, à sombra de uma mal entendida liberdade individual, embaraçar o trabalho das autoridades a quem incumbe a investigação dessas actividades, não se justificando mesmo que seja ordenada a efectivação de inquérito, nos termos da alínea b) do art.º 12.º do Dec.-Lei n.º 35 043.” (ac. do S.T.J., de 28 de Julho de 1965; B.M. J., 149, 257).

Como se vê, não é pela falta de leis que a LIBERDADE corre perigo. Diz-se que o diabo está sempre nos detalhes...

 

3 comentários:

Mar Arável disse...

A ver vamos

diz o cego

Abraham Studebaker disse...

No reino dos cabritos,cabras e cabrões,alguém é fluente em Latim? Habeas Corpus na feira da Malveira? Quem vai pastar? Quem tem cornos maiores é super cabrito?

O Puma disse...

O povo é quem mais ordenha