quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O ESPANHOLISMO


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O ESPANHOLISMO E OS NOSSOS 

Diz Pacheco Pereira que o espanholismo mata. Mata muito. E o catalanismo não. O que não o leva a apoiar os dirigentes catalães que desencadearam este conflito com Espanha, principalmente por não acreditar neles, mas a denunciar e a combater a arrogância e a prepotência espanholas, bem presentes nas respostas que têm dado aos independentistas.

Por outras palavras, o seu combate é contra o espanholismo. O que compreendo. Faço exactamente o mesmo.

O que não compreendo, nem esperava era encontrar em Portugal esta legião de defensores do espanholismo. Mesmo com os exemplos que estão à vista de todos - e outros mais escondidos , mas que podem ser mostrados –, nem assim as posições se alteram. Os ataques, a ridicularização, o desprezo, a animosidade recaem integralmente sobre os catalães independentistas. Sobre os de Madrid, nem uma crítica, nem uma censura, nada, apesar de eles serem, nos tempos modernos, fiéis intérpretes do espanholismo. Aplicam a lei, dizem…

Fernão Lopes, meu querido Fernão Lopes, temo que a nossa arraia miúda ou uma grande parte dela já não se assemelhe em nada àquela que tu magistralmente descreveste há quase sete séculos. É isso, sete séculos é muito tempo….

CATALUNHA – ISTO É PARA LEVAR A SÉRIO?


A CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA
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Dizem os nossos defensores da legalidade espanhola: os catalães que cumpram a lei. Infringindo-o, serão punidos, em Espanha, como em qualquer outro país. A Espanha é uma democracia, nas democracias prevalece o princípio do Estado de direito, logo não são de estranhar as consequências que normalmente acompanham o incumprimento das leis.

Vejamos, então, muito sumariamente o que significaria cumprir a lei em Espanha, se a Generalitat quisesse submeter a revisão constitucional um aditamento à constituição que pura e simplesmente dissesse: “Qualquer Comunidade Autónoma poderá alcançar a sua independência através de um referendo regional maioritário

Para lograr obter esta emenda constitucional, essa Comunidade Autónoma teria de promover a revisão da Constituição nos termos do artigo 168.º, que reza assim:

1- Quando se propõe a revisão total da Constituição ou uma revisão parcial que afecte o Título Preliminar, o Capítulo segundo, secção primeira do Título I ou o Título II, proceder-se-á à aprovação do princípio por maioria de dois terços de cada Câmara e a dissolução imediata das Cortes;

2 – As Câmaras eleitas deverão ratificar a decisão e proceder ao estudo do novo texto constitucional, que deverá ser aprovado por maioria de dois terços.

3 – Aprovada a reforma pelas Cortes Gerais, será a mesma submetida a referendo para ratificação.



Não vou dizer mais nada sobre a lei espanhola – o que transcrevi, basta. Vou é dizer sobre a lei portuguesa. Onde estavam os democratas portugueses em 1989 quando se procedeu à segunda revisão da Constituição portuguesa? Nem os vou citar pelo nome, mas desde o Presidente da República, Ministros, Embaixadores, professores de direito, comentadores de ocasião ou encartados, que agora tecem hosanas à legalidade espanhola, onde estavam eles quando os deputados portugueses resolveram pura e simplesmente rever na Constituição disposições que ela considerava IRREVISÍVEIS? Sim, onde estavam? Que apresentem um texto que então tenham escrito de protesto pelo que estava a acontecer. Não, pelo contrário o que não será difícil encontrar é textos a justificar juridicamente a ilegalidade cometida!

Então, se o vosso argumento é esse – ou seja, aquele que então apresentaram – como querem que hoje os catalães cumpram aquela disposição?

AS DEMOCRACIAS E OS PRESOS POLÍTICOS



AS DEMOCRACIAS NÃO SÃO TODAS IGUAIS
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O debate que nas redes sociais se tem travado sobre o que são presos políticos, releva de outras considerações, além das que têm sido invocadas, que tenho resistido em trazer à discussão para não levantar mais polémica do que aquela que por aí já vai.

A ideia muito corrente entre os que defendem a inexistência de presos políticos em Espanha assenta na convicção, porventura na certeza, de que as democracias não podem ter presos políticos, porque não há presos políticos nas democracias.

Apesar de este argumento não provar absolutamente nada, como está muito arreigado na consciência de tanta gente, pela insistência com que é difundido pelas conhecidas agências de intoxicação da opinião pública, convém “ir a jogo”, mesmo correndo o risco de o jogar inteiramente em terreno alheio.  

Então, interessa começar por dizer que nem todas as democracias são iguais, nem as pessoas são tratadas igualmente em todas as democracias. Isso tem muito a ver com a génese das democracias. Se se trata de velhas democracias, consagradas ao fim de muitas e sangrentas lutas, travadas ao longo de séculos, é natural que essas democracias no plano sobre que incidiram essas lutas sejam mais perfeitas que todas as outras – é o que acontece na Inglaterra. E é também o que se passa em certa medida em França, apesar de a democracia francesa, erigida também ela ao longo de sangrentas e penosas batalhas, ter ficado com resquícios do Ancien Regime que ainda hoje se manifestam, embora atenuadamente.

Nas demais democracias europeias, a maior parte delas consolidadas a partir do fim da segunda guerra mundial e outras instituídas depois da Queda do Muro, a situação varia de caso para caso, embora naquelas saídas de regimes fascistas, pró-nazis ou autoritários, o grau de democraticidade existente esteja muito relacionado com o modo como foram instituídas, como aliás, Tony Judt tão bem explica na sua obra. O que sempre interessa saber para as compreender adequadamente é se mantiveram ou não as estruturas do regime derrubado e como se procedeu a essa substituição dos regimes.

Na impossibilidade prática de fazer neste contexto uma longa digressão sobre a génese das democracias europeias, vejamos sucintamente o que se passou na Península Ibérica – em Portugal e em Espanha.

A comparação entre o que se passa lá e o que se passa cá, em Portugal, leva inevitavelmente à conclusão de que não há comparação possível entre as duas situações.

A democracia portuguesa nasceu de uma verdadeira Revolução que desmantelou e varreu o Estado fascista, as suas instituições e fundamentos, os seus apoiantes e defensores. Pacificamente relativamente às pessoas, radical e sem contemplações sobre as estruturas do passado e os seus fundamentos.

Em Espanha nada disto se passou. A famosa transição, mais não é do que um arranjo das grandes potências europeias e dos Estados Unidos, que de forma alguma estavam preparados para a Revolução Portuguesa, tendo sido obrigados pela força das circunstâncias a “cozinhar” à pressa uma solução para Espanha que passou por uma espécie de “casamento” entre os franquistas e uma oposição democrática muito desencorajada pela sua própria incapacidade de alterar o rumo os acontecimentos em Espanha. E deste “casamento” de conveniência nasceu a democracia espanhola. Uma democracia que deixou ficar a monarquia, recriada efectivamente por Franco uns anos antes,  resolveu com batota o problema territorial (a que bascos e catalães deram o seu assentimento com reserva mental) e introduziu um certo número de gadgets da democracia representativa, mantendo intactas a maior parte das estruturas do Estado franquista (forças armadas, forças policiais,  tribunais e sua lógica de funcionamento, etc), com eliminação das mais escandalosas, impossíveis de conciliar com a matriz do novo regime. Ora isto traz consequências, como não poderia deixar de ser. Logo que a Espanha teve de se defrontar com problemas políticos sérios no plano da questão territorial, tanto no País Basco como na Catalunha, a tentação que imediatamente dominou o modo de actuação das autoridades espanholas foi a da velha lógica franquista, típica dos regimes autoritários – negar o problema político e tratá-lo juridicamente. Depois, é só fazer as leis em consonância com os objetivos que se pretendem alcançar, encontrar os juízes certos para as aplicar, nos tribunais especialmente criados para esse efeito.

Em Portugal, tudo se passou de modo muito diferente. O caminho trilhado num e noutro lado da Península para chegar à democracia não tem nenhuma semelhança. Isto apesar de logo em 25 de Abril, ou seja, no dia do derrube do regime, ter havido quem tentasse, ainda o Salgueiro Maia estava no Carmo, enveredar por uma via semelhante à que três anos mais tarde viria a vingar em Espanha.  Ficou célebre a resposta dada na Pontinha pelo Comandante Vitor Crespo às exigências de Spínola: “Meu General, os tanques ainda estão na rua…” Spínola percebeu e concordou.

Percebeu, mas não desistiu. Nem ele nem os que aberta ou dissimuladamente o continuaram a seguir. De tal modo, que a grande clivagem da Revolução de Abril, a que verdadeiramente está na origem de todas as divergências, é a que separa os que se bastavam com um movimento que derrubasse o regime, fizesse eleições, permitisse a criação de partidos políticos e liberdade de imprensa, mantendo o essencial do que vinha de trás, com exclusão das instituições mais odiosas (PIDE, Legião, Censura) e os que pretendiam uma verdadeira Revolução que desmantelasse as estruturas do Estado fascista e destruísse os seus fundamentos. No fundo, era o choque entre os defensores do Programa para a Democratização da República e os do Rumo à Vitória.

Ganhou, como se sabe, o Rumo à Vitória. As estruturas do Estado fascista foram desmanteladas e os seus fundamentos destruídos. Essa a razão por que no plano formal a nossa democracia é sólida e sem máculas. Nada do que acontece em Espanha seria possível em Portugal. Governe Cavaco ou Passos. Infelizmente, apesar do desmantelamento dos fundamentos do Estado fascista em todos os planos, não foi possível consolidar em todos eles as conquistas decorrentes do seu desmantelamento, daí que nesses outros planos tenha havido regressão, embora em bases diferentes, já sob integração na nova ordem constitucional. Essa a razão por que nesses outros planos a nossa democracia não é tão forte como no plano formal, tendo corrido o risco, em épocas bem recentes, de se deteriorar ainda mais.  Não obstante a importância desses planos para a construção de uma verdadeira democracia, eles são menos relevantes para a determinação da existência de presos políticos numa democracia.

Como as democracias não são iguais, como nem todas garantem do mesmo modo os direitos dos cidadãos, nem tratam igualmente as pessoas, essas diferenças acabarão por ser decisivas para avaliar os seus comportamentos em momentos de crise. E essa a razão porque a Espanha actua como um Estado autoritário e Portugal como um Estado democrático


terça-feira, 7 de novembro de 2017

CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO



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25 de Outubro, 7 de Novembro de 1917

Comemora-se hoje o primeiro centenário da Revolução de Outubro, 7 de NOVEMBRO, pelo calendário gregoriano, 25 de OUTUBRO, pelo calendário juliano, uma data incontornável da História da Humanidade e seguramente o acontecimento mais relevante da época contemporânea

A tomada do Palácio de Inverno, sede do Governo Provisório, pelos bolchevistas simboliza a vitória da Revolução de Outubro. A concretização do sonho do Homem começava então.

E começava bem. Instituído o Conselho dos Comissários do Povo e a democracia dos sovietes, as medidas marcantes do início da Revolução de Outubro são:

O Decreto sobre a Paz, que propõe a todos os povos em guerra e aos seus governos conversações imediatas com vista a uma paz democrática e equitativa;

O Decreto sobre a Terra, que aboliu a grande propriedade sem qualquer indemnização e entregou o seu controlo aos comités agrícolas distritais e aos sovietes provinciais de camponeses;

O Decreto sobre o Controlo Operário, que entregou a direcção e o controlo da produção fabril aos operários;

O Decreto sobre as Nacionalidades, que estabeleceu o princípio da igualdade de direitos de todos os povos do Império Russo, incluindo o direito à autodeterminação e o direito ao livre desenvolvimento das minorias nacionais

Estava criado um novo modelo de organização económica, social e política que iria marcar todo o século XX e pela primeira vez intentar materializar o sonho utópico da igualdade entre os homens de acordo com a máxima de cada segundo as suas capacidades a cada um segundo as suas necessidades.
Foi assim que tudo começou…

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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

À VOLTA DO CONCEITO DE CRIME POLÍTICO

UM DEBATE NO FACEBOOK

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No passado fim de semana, Francisco Seixas da Costa censurou no seu mural do Facebook aqueles que abusivamente usam o conceito de preso político para qualificar a situação dos dirigentes catalães presos. Disse ele: 

Seixas da Costa
 PRESOS
Custa-me muito ver por aqui pessoas que, pela sua experiência e responsabilidade, tinham obrigação saber utilizar com parcimónia palavras que a todos os democratas devem sempre merecer um grande respeito histórico, usar, com indesculpável ligeireza, o termo “presos políticos” para designar o estatuto dos governantes catalães detidos. A sua legítima simpatia pelo independentismo não ficaria nada afetada se tivessem um pouco mais de contenção e rigor. Pensem nisto!
JM Correia Pinto
Comentário
Então, diga-nos lá, por favor, o que é um preso político. Até lhe digo mais, não apenas são presos políticos, como uma parte deles está a ser processado num tribunal muito parecido com o Plenário da Boa Hora. A Espanha não é uma verdadeira democracia, é algo que resulta de um "casamento" entre o franquismo e os seus herdeiros e uma oposição frustrada pelo exemplo português (não estava na cartilha dos manda-chuva da Europa que Portugal se libertasse antes de Espanha, e ainda por cima da maneira que foi!). Numa formulação em que já estou a fazer concessões, dir-lhe-ei que preso político é o que não pode mediante procedimentos democráticos alcançar o objectivo por que luta, sendo a sua conduta criminalmente punida se põe ou tenta pôr em prática esses procedimentos (isto tanto se passa com Salazar ou Franco como com a Espanha de agora, mas não, por exemplo, com a Inglaterra). E o que é um Tribunal como o da Boa Hora? É um tribunal constituído para julgar certo tipo de crimes com jurisdição em todo o território nacional. É isto que a Audiência Nacional, essa aberração fascista, efectivamente é. Se houver um constitucionalista que, sem corar, diga outra coisa, eu também gostaria de o conhecer. Numa democracia, o único tribunal com jurisdição em todo nacional é o SUPREMO. Aliás, somente um tribunal fascista, e um juiz de tribunal Plenário, como Carmen Lamela, poderia aceitar a competência do tribunal para julgar o governo Catalão, poderia aceitar a imputação do crime de rebelião (uma barbaridade jurídica) e decretar aquelas medidas de coacção. Isto nada tem a ver com a adeptos do independentismo (nessa guerra não entro), tem a ver com democracia e com luta contra a repressão fascista. Respeito devem merecer os presos políticos e não os que aplaudem a sua prisão. Para terminar junto um texto sobre a natureza da Audiência Nacional, que, já agora aproveito para dizer, cometeu juridicamente as maiores barbaridades jurídicas no País Basco, principalmente no tempo de Ibarretxe.

Texto sobre a audiência nacional (publicado no facebook por António Hespanha

Las dudas sobre el encaje de la Audiencia Nacional en la Constitución y en el Convenio Europeo de Derechos Humanos acompañaron a este órgano desde su nacimiento. En un Estado democráticamente constituido solamente debe haber un órgano judicial, cuya jurisdicción se extienda a todo el territorio del Estado, que es el Tribunal Supremo. No debería haber ningún otro. Por esta razón la Audiencia Nacional es una anomalía democrática.
Tal anomalía tuvo que ser justificada por la Comisión Europea en 1986 y por el Tribunal Constitucional en 1987. Ambos la justificaron de la misma manera, la Audiencia Nacional no es “juez natural”, pero si puede ser considerado “juez ordinario predeterminado por la ley”, que es lo que exige el artículo 24 CE. Aunque es cuña de otra madera, se puede salvar su presencia en la planta judicial del Estado español.
Es el único órgano judicial cuya adecuación a la Constitución y al Convenio Europeo ha tenido que ser justificada. No ha ocurrido con ningún otro”, segundo Javier Perez-Royo, constitucionalistas, ex-juiz do Tribunal Constitucional, ex- Reitor da Universidade de Sevilha
Esta circunstancia es relevante para interpretar en cada caso concreto la condición de “juez ordinario predeterminado por la Ley” de la Audiencia Nacional. Si hay alguna duda, la Audiencia Nacional no puede tener la competencia. La competencia de la Audiencia Nacional para entender de un asunto tiene que ser siempre expresa e inequívoca. Justamente porque su propia existencia es una anomalía democrática. Nunca puede ser portadora de una competencia “implícita”. Tiene las que tiene y punto. No cabe interpretación expansiva de las mismas. Todo lo contrario. Únicamente con esta interpretación la Audiencia puede ser “juez ordinario predeterminado por la ley"
Breve comentário de António Hespanha sobre presos políticos
Claro que são presos políticos! Porque é que não haviam de ser? Os seus objetivos eram privados ou egoístas ? Este é, do ponto de vista histórico, o critério mais consensual de definição de crime político.

Resposta de Seixas da Costa (ao meu comentário)
Dizer que “a Espanha não é uma verdadeira democracia” remete-nos, naturalmente, para terrenos de subjetividade pessoal. Por mim, que não ouso ir por aí, parto do princípio que todos os Estados membros subscritores das regras da UE (e que não estejam sujeitos a processos de questionamento por eventual infringimento das regras democráticas e do respeito pela separação de poderes, como acontece com alguns) são países democráticos. E em países democráticos pode haver detidos por virtude de delitos que tenham uma natureza política, mas isso não os transforma em “presos políticos” - pelo menos no sentido histórico da expressão que eu pensava comungar consigo.
Comentário de JM Correia Pinto a uma observação de António Russo Dias
Uma coisa são presos políticos, outra, políticos presos. Nada de confusões. E quanto à ilegalidade, António, a malta que combatia o salazarismo também estava cometendo ilegalidades. Outro critério, além do acima indicado, para distinguir a democracia das mascaradas democráticas é esta: a democracia quando se defronta com um problema político, resolve-o ou tenta resolvê-lo politicamente; as ditaduras, mascaradas de democracia e afins, quando se defrontam com um problema político, resolvem-no (se tiverem força) ou tentam (se não tiverem) resolvê-lo juridicamente.

Texto de Vítor Oliveira Martins sobre crime político
Para concluirmos se se há presos políticos ou políticos presos, vários conceitos carecem de ser analisados. Primeiro deles: o que é um crime político? Há duas modalidades de crime político:
1- Crimes políticos em sentido objetivo: são aqueles que a própria lei considera como tal (crimes eleitorais, traição à pátria ou espionagem) e que põem diretamente em causa o Estado.
2- Crimes políticos em sentido subjetivo. Estes são quaisquer crimes existentes na ordem jurídica, mas quando cometidos, eles são-no com uma finalidade, uma intencionalidade política.
Nos crimes políticos subjetivos, a fim de atenuar a arbitrariedade de análise, os tribunais internacionais foram desenhando critérios e requisitos adicionais. Assim, em resumo:
1 – O crime político, para o ser, é sempre um meio de derrube ou ataque ao regime político vigente.
2 – Esse regime deve ser opressivo, autoritário, violador dos direitos, liberdades e garantias, do Estado de Direito, da independência de poderes, enfim, violador dos caracteres de um regime democrático.
3 - O crime deve ser cometido num contexto revolucionário ou revoltoso e o agente deve pertencer a grupo conhecido por luta política. De contrário, se agir sozinho e fora de um contexto revolucionário, ele pode ser acusado de terrorismo (a fronteira é ténue, cada vez mais ténue). Ou seja,
4 - Ele deve ser cometido ao abrigo do direito de resistência, tido como natural ao Homem.
5 – O homicídio, por violar "o bem dos bens", está sempre excluído como crime político.
O elemento histórico é muito importante. O crime político foi um conceito muito desenvolvido durante o derrube do absolutismo e dos fascismos. Tendencialmente, não se admitem crimes políticos subjetivos quando o regime vigente é o democrático, isto porque, historicamente, o crime político serviu para implantar a democracia e não para derrubar.
Qualquer delito que não se encaixe aqui, não é crime político...

Comentário de JM Correia Pinto
SOBRE A DEFINIÇÃO DE CRIME POLÍTICO
Se aceitarmos a distinção entre crimes políticos em sentido objectivo e em sentido subjectivo, que me parece desnecessária para aferir do conceito de preso político, sendo de longe preferível o critério historicamente consagrado que António Hespanha aqui enunciou, breve nos depararíamos com as dificuldades que estão na base deste debate.  Ou seja, partindo do critério de distinção enunciado por V. Oliveira Martins e da definição de crime político em sentido subjectivo, o crime político é aquele que é cometido com uma intencionalidade política. Se ficássemos por aqui na limitação do conceito e despois buscássemos a sua densificação à luz de exemplos históricos analisados sem preconceitos, não ficaríamos mal. O pior é que os índices que V.O.M. a seguir enumera para circunscrever o âmbito do conceito levantam as maiores dificuldades e suscitam as maiores dúvidas, senão as maiores reservas. Não sendo necessário enunciar aqui esses índices ou subcritérios de aferição de crime político, uma vez que eles constam do texto acima, o que desde logo se pode dizer é que eles alteram consideravelmente o sentido inicial do conceito e limitam-no arbitrariamente. De facto, mais valia começar pelo fim, os seja, pela conclusão a que chega V.O. M.  Não se admitem crimes políticos quando o regime político é democrático, porque historicamente o crime político serviu para implantar a democracia - e dizer o mesmo que por idênticas palavras disse Seixas da Costa ao lançar este debate. 
A conclusão é: Se há um regime “certificado” com a chancela de democrático, nesse regime não há crimes políticos. Seixas da Costa é até mais explícito e assegura que se esse Estado é membro da UE e não está intervencionado nos termos do art.º. 7.º dos tratados, nele não pode haver crimes políticos, no sentido em que estamos falando, porque os crimes políticos são exclusivos das ditaduras, dos regimes opressivos, em suma, de Estados não democráticos.
Bem sei que Seixas da Costa no desenvolvimento do seu raciocínio vai bem mais longe do que V. Oliveira Martins que se limita a enumerar algumas das características formais da democraticidade, deixando teoricamente a possibilidade de em cada caso concreto as contestar, embora também saiba, no contexto em que estamos a falar, que essa contestação não tem qualquer êxito.
De facto, nós vivemos num mundo em que os grandes certificadores da democracia são os Estados Unidos de América quase sempre em consonância com os grandes países da União Europeia (a que chamamos UE, tomando a parte pelo todo) com a colaboração sempre que necessária da Austrália, da Nova Zelândia e muito raramente do Canadá
Ora bem, ambos os raciocínios acima referidos padecem do mesmo mal: dão por demonstrado o que se pretende demonstrar. E não é com petições de princípio, como todos sabemos, que se prova o que quer que seja. Partindo do princípio de que o Estado A é democrático, porque há uma entidade que como tal o certifica (uma espécie de conservador do registo democrático que nos diz quem está e quem não está registado como democrático), os actos normativos e administrativos desse Estado, penalmente tutelados (nem todos são penalmente tutelados, obviamente) serão actos democráticos , consequentemente quem os atacar, qualquer que seja o meio -  violento ou segundo procedimentos de outra natureza, inclusive democráticos -  incorre em responsabilidade penal pela prática de crimes de direito comum, porque nesse Estado, por ser democrático, não há crimes políticos nem presos políticos!
Não há-de ser, portanto, por esta via que lá vamos chegar. Uma via que dá por provado o que se pretende provar. Assim, o primeiro índice a ter em conta para saber se estamos ou não perante um preso político é de facto a intenção que presidiu à prática do acto tido como criminoso. Se esse acto não busca nenhuma vantagem nem interesse pessoal, sendo antes motivado por uma intenção meramente política de luta por um objectivo – seja ele a mudança de regime, seja a separação de uma parte do território nacional mediante um processo de autodeterminação da população que o habita, seja para combater a discriminação racial, eventualmente até proibida nas leis, mas efectiva na prática, seja para combater uma ocupação ilegal de um território anexado, entre outras situações – o crime praticado por violação das leis que proíbem qualquer um destes comportamentos é um crime político. E esta qualificação é independente da qualificação que o Estado que pune a conduta a si próprio se atribui ou lhe é atribuída por os tais “certificadores” internacionais, totalmente desprovida de legitimidade, como é óbvio.
Agora, o que é natural é que a opinião pública internacional – quando falamos de opinião pública internacional estamos a falar de toda a opinião pública internacional e não penas daquela que se auto atribui o direito de falar em nome da opinião pública internacional – afira a sua sensibilidade relativamente a cada uma daquelas condutas, quer tendo em conta os meios usados na prática do crime, quer avaliando a conduta do Estado política que o pune. Mas esta é outra questão. Não tem em vista determinar a natureza do crime nem qualificar a situação do condenado, mas a maior ou menor aprovação do acto cometido. 
Assim, se o crime visa a mudança de regime é natural que essa opinião pública aceite a prática de actos violentos, se não existe qualquer possibilidade de alcançar o mesmo objectivo por outro meio; se a conduta criminosa visa a amputação de uma parte do território nacional com vista à criação de um novo Estado, será normal que se atenda ao facto de esse território e essa população estarem ou não sujeitos a uma dominação colonial; se estão, aceitar-se-á sem dificuldade a prática de meios violentos se não for possível usar outros; se não estão, é natural que a opinião publica seja mais exigente quando aos meios e exija processos democráticos; já nos casos de ocupação por anexação ilegal, é natural que a opinião pública internacional simpatize com a generalidade dos actos praticados pelos ocupados com vista à expulsão dos ocupantes.
Todos estes são crimes políticos, independentemente de o Estado que os pune estar ou não “certificado” por um ou vários Estados, ou até organização de Estados, como democrático. Isso é completamente irrelevante.  Aliás, na maior parte dos casos, se se aprofundasse o estudo da actuação política do Estado que pune ver-se-ia que, pelo menos, relativamente a essas situações a sua actuação não tem nada de democrática. É o caso de Israel relativamente aos territórios e populações dos territórios ocupados; é o caso de Espanha, relativamente à separação de poderes, relativamente à competência dos tribunais encarregados de julgar os independentistas; relativamente á qualificação dos crimes cometidos,  relativamente às relações entre o judicial o legislativo regional (o que se passou no País Basco ultrapassa todos os limites); relativamente à desproporção das penas, enfim, a enumeração seria longa se tentasse ser exaustiva!  
Outros intervenientes
Neste debate houve outras intervenções interessantes do próprio Seixas da Costa, de Joana Lopes, de Rodrigo Sousa e Castro, de Eurico de Figueiredo, de António Russo Dias, Manuel Duran Clemente, entre tantos outros. Constam do mural de Seixas da Costa e não são aqui reproduzidas por que não intervim directamente neles. Mas como disse podem ser consultadas no referido mural, pois, segundo creio, são públicas.
Todavia, como sempre acontece nestas coisas, há quem não se saiba comportar. Quem, por razões diversas não seja capaz, de debater ideias. Há quem diga que nesses casos o dono do Mural deveria pôr ordem na casa. Pessoalmente tenho dificuldade em aceitar isso. Por duas razões: primeiro, fico com a sensação de que estou a censurar; segunda, porque, tratando-se de pessoas conhecidas, é também uma forma de darmos a conhecer a sua estupidez. 


Foi nesse contexto que deixei no mural de Seixas da Costa o seguinte texto:
Comentário de JM Correia Pinto
Uma discussão como esta ou como outras semelhante a esta faz-se, não para as pessoas que têm opiniões ou posições firmadas mudarem de opinião, salvo relativamente a factos que possam ser evidenciados, mas para que as posições dos contraditores fiquem suficientemente esclarecidas e, se possível, influenciem, pela avaliação que delas se faz - pelo seu mérito ou demérito, pela sua lógica intrínseca ou falta dela, até pela retórica - a opinião das pessoas que ainda a não formaram num ou noutro sentido. É por isso que se diz que da discussão nasce a luz. Num espaço relativamente delimitado, seja pela composição das pessoas que nele participam, seja por outras razões, é relativamente fácil manter a conversa com um certo nível. No facebook, que tem muitas virtudes e outros tantos defeitos, isso é quase impossível, já que ninguém pode impedir que um mentecapto que nada percebe do que se fala entre a dizer disparates (o que não é muito grave), que um, e muitas vezes uma, "casca grossa" sem educação insulte alguns dos participantes - o que, sendo desagradável, não é grave se essas pessoas nos não merecerem qualquer consideração - ou, pior que tudo, quando são estúpidos encartados - digamos estúpidas- que, por serem intelectualmente pouco dotadas, com um QI francamente baixo, quase sempre fanatizadas, são incapazes de ouvir o que não coincide com pensamento (estou a ser generoso) do seu pequeno e mesquinho cérebro. Isto é mais grave, não só por serem encartados, mas principalmente pela impotência da resposta - é como conviver diariamente com a doença sem a poder tratar. É que apesar de a burrice parecer uma ciência, como dizia Aleixo, não há meio de a tratar.
Obrigado Francisco Seixas da Costa por esta interessante discussão. Não concordo com as suas posições, mas fiquei a percebê-las melhor.

(Ainda neste último contexto, perguntei a um amigo meu com quem costumo, às vezes, aconselhar-me: Achas que fui muito duro? Resposta dele: Bem, considerando que o Mike Tyson mordeu a orelha do adversário, até que não foste!)

domingo, 5 de novembro de 2017

CATALUNHA - SOBRE O CRIME DE REBELIÃO

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AS "QUERELAS" DE MAZZA

Tal como no post acima prometi, aqui vão algumas das graves ilegalidades que constam da “querela”(queixa acusatória) que o Fiscal Geral do Estado, José Manuel Mazza, apresentou em tribunal para instrução e julgamento do processo contra os dirigentes catalães, alguns já presos, como se sabe.  

 Os dirigentes catalães acusados por Mazza são 20: o Presidente da Generalitat e os treze “consellers”, ou seja, o Governo da Catalunha, mais os membros da Mesa do Parlment , que são seis.

A “queixa” do Fiscal acusa estes dirigentes do crime de rebelião e de “malversación” de dinheiros públicos, pede a sua citação urgente, exige medidas cautelares que tomem na devida consideração a gravidade dos factos e dos crimes cometidos, e ainda a circunstância de terem sido praticados à vista de todos, a contumácia da ilegalidade e o risco de reiteração das condutas delitivas – ou seja, pede a prisão preventiva dos arguidos e dá um sinal claro ao juiz instrutor de qual  a posição do Governo de Madrid a este respeito

Do teor das "querelas", e do que entretanto se seguiu, resulta que uma parte dos dirigentes seja julgada na Audiencia Nacional (ex consellers), e a outra, no Supremo Tribunal de Justiça (membros da Mesa do Parlamento).

 A justificação para que uns e outros sejam julgados em Madrid e não em Barcelona, pelo Tribunal Superior da Catalunha (TSC), é inaceitável. Segundo a lei, o Tribunal competente seria o de Barcelona não apenas por os factos incriminadores terem sido praticados na Catalunha, mas também por os imputados,  tanto os governantes da Generalitat como os membros da mesa do Parlment,  terem foro próprio por crimes praticados no exercício de funções -  foro esse que, nos termos da lei, é o TSC. No mínimo, teria de ser este o tribunal competente para julgar os membros da Mesa, podendo quanto aos "consellers" admitir-se, por terem perdido o foro próprio em virtude da demissão do governo,  o seu julgamento por um tribunal de primeira instância na Catalunha, já que foi nesta região que igualmente foram praticados os factos por que vem acusados.

Todavia, ao abrigo da discricionariedade que lhe assiste, melhor seria chamar-lhe arbitrariedade, o Fiscal Geral do Estado apresentou as suas “querelas” em dois tribunais de Madrid. A Audiência Nacional para o processo relativo aos membros do Governo Catalão e o Tribunal Supremo para os membros da Mesa do Parlamento com base na seguinte fundamentação: apesar de os factos descritos e os crimes que eles consubstanciam terem sido praticados na Catalunha, pela repercussão que os mesmos tiveram em toda a Espanha, principalmente em Madrid, será nos tribunais da capital que o processo deve correr os seus termos e os imputados julgados.

A Audiência Nacional já é, em si, uma aberração democrática sem cabimento num Estado de Direito (como constitucionalistas espanhóis admitem), mas mais arbitrária se torna a sua acção quando nem a própria lei que a criou é respeitada. De facto, ela só pode julgar os casos expressamente previstos na lei, não podendo nos demais casos substituir-se ao juiz natural. Se alguma dúvida existir entre a competência daquela e a deste, é esta última que deve prevalecer. E se quanto a AN estas são as objecções de fundo, quanto à competência do ST o mesmo se pode dizer por outras razões: tendo os factos ocorrido na Catalunha e sendo o TSC o foro próprio dos membros da Mesa é neste tribunal e não no ST que eles devem ser julgados. Portanto, a escolha dos tribunais de Madrid é ilegal e resulta de um juízo arbitrário.

Quanto ao facto de serem julgados por dois tribunais de categoria hierárquica diferente, pessoas que, segundo o Fiscal Geral, colaboraram e são co-autores dos mesmos crimes, a justificação é seguinte: os membros do governo deixaram de ter direito a foro próprio, a partir do momento em que o governo foi demitido, logo serão julgados na Audiência Nacional; os membros da mesa, apesar da dissolução do Parlamento, porque continuam em  funções (comissão permanente), mantêm foro próprio, logo serão julgados pelo Tribunal Supremo.

Já se sabe, pelo que entretanto aconteceu, que o juiz (Juíza) instrutor do processo da Audiência Nacional  (Carmen Lamela) considerou esta fundamentação perfeitamente normal, tanto assim que decretou a prisão preventiva dos “imputados”. Quanto ao processo que vai correr os seus termos no Tribunal Supremo, à hora em que estou escrevendo estas linhas, apenas se sabe que aceitou ser o tribunal competente, embora tenha achado estranho que pessoas que praticaram o mesmo crime sejam julgadas em dois tribunais diferentes, tendo de certo modo aberto a porta a que o juiz instrutor do processo avoque a competência do TS para julgar todos os “imputados”. Por agora não se sabe se o fará ou não.

Esta é, portanto, a primeira grande arbitrariedade do processo que está em curso. Se os tribunais fossem realmente independentes, não teriam aceitado a tese do “Fiscal General” que, manifestamente, não quer que os dirigentes catalães sejam julgados na Catalunha como a lei ordena, sem excepções! Numa das “querelas” prévias apresentadas no TSC, Mazza pediu que os “querelados” prestassem desde logo uma fiança de 6,2 milhões de euros, pedido que o tribunal não atendeu por ter considerado prematura, naquela fase do processo, a prestação de uma caução. Este foi certamente o sinal que levou Mazza  a escolher Madrid, onde, pelos vistos, a competência dos tribunais é fixada a la carte!

Quem acha isto normal, por favor, nunca mais venha falar publicamente de outros processos, usados como arma de arremesso por aqueles que pretendem lançar anátemas definitivos sobre quem busca “outras formas de organização social”!

Mas há mais. Entre os acusados está um conseller que se demitiu para não votar a Declaração Unilateral de Independência (DUI); todavia, no entender do Fiscal deve igualmente ser julgado e punido por os factos criminosos, a que a queixa se refere, remontarem a Novembro de 2015, data em que o Parlamento pôs em marcha o processo de independência! Também neste caso, a juíza instrutora da Audiência Nacional (Carmen Lamela) aceitou a tese de Mazza, acusando o dito conseller, embora permitindo a sua liberdade condicional mediante a prestação de uma caução de 50 mil euros.

Se já é um escândalo para todos os democratas qualificar criminalmente a conduta dos dirigentes catalães e prendê-los preventivamente, brada aos céus a imputação do crime de rebelião.

O crime de rebelião, introduzido no Código Penal espanhol para punir os membros da ETA, pressupõe a prática de actos violentos (é a lei que o diz). Como não há actos violentos, como nenhum dirigente catalão raticou actos violentos, tendo, pelo contrário, pautado sempre a sua conduta por processos democráticos, o Fiscal Geral utiliza como argumento, para justificar o crime de rebelião, uma sentença do Supremo Tribunal de 22 de Abril de 1983, sobre o golpe de 23 de Fevereiro de 1981, na qual se admite que a rebelião pode ser “incruenta”.

Foi no processo a que aquela sentença se refere que se julgaram os autores do “golpe de 23 F”, todos militares. A legislação então aplicável era o Código de Justiça Militar, o qual, por razões óbvias, na tipificação do crime de rebelião, não exigia como requisito indispensável a violência, pois, tratando-se de um crime praticado por militares, a violência não é necessariamente indispensável ao êxito da rebelião.  Pode bastar um simples pronunciamento. A possibilidade de usar a violência está sempre presente se a ameaça é feita por quem tem a seu cargo a guarda das armas, podendo, todavia, não ser necessário usá-la se o pronunciamento for acatado. Daí que o crime praticado por militares estivesse tipificado nestes termos.

Ao buscar a analogia onde ela não existe para fundamentar uma interpretação que manifestamente alarga o âmbito incriminador do preceito, o Fiscal está a violar o princípio da legalidade. Ou seja, ao admitir que o crime de rebelião pode ser praticado de forma "incruenta" quando a própria lei exige a prática de actos violentos, o Fiscal está a violar o princípio da legalidade, está a alargar o crime de rebelião a factos que a lei não contempla na tipificação do crime. Conduta tanto mais grave quando se sabe que é a própria legislação penal espanhola que qualifica noutro tipo legal de crime o comportamento atribuído aos imputados. Perguntar-se-á: então por que razão não subsumiu o Fiscal o comportamento dos imputados nesse outro tipo legal de crime? A resposta é simples: porque a pena aplicável é bem menos pesada. 

É caso para perguntar que “democracia” é esta que actua sem vergonha e até sem a arte das ditaduras que se prezam, que nunca são “apanhadas” em barbaridades deste género, já que têm previamente a cautela de redigir tipos legais de crime com grande amplitude!

Mas há mais, se a rebelião não é um crime de resultado, como se depreende da "querela", mas de mera actividade, se a rebelião é um processo que pressupõe a prática de uma série de actos, como se compreende que o Fiscal considere agora esses actos criminosos e remonte a data do crime de rebelião ao início da sua prática se nada fez para os impedir? Se eram notórios por que não apresentou o Fiscal a “querela” correspondente a tempo de impedir a continuação da prática criminosa? E se esses actos eram criminosos como se compreende que o Governo de Espanha, o Presidente do Governo de Espanha, se tenha correspondido com os criminosos? Como se compreende que lhes tenha pedido por mais de uma vez para clarificarem a natureza e significado dos seus actos? Como se compreende que o Presidente do Governo de Espanha,  em vez de se dirigir aos “criminosos” mediante correspondência formal,  não tenha dado uma ordem ao Fiscal para apresentar a queixa e pedir a correspondente prisão dos infractores, tanto mais que a “rebelião era inequivocamente incruenta”?

Francamente, é difícil, mesmo no mais retrógrado dos países do chamado terceiro mundo, encontrar algo que se assemelhe a isto!


sábado, 4 de novembro de 2017

CATALUNHA – AOS QUE EXIGEM O MARTÍRIO DOS INDEPENDENTISTAS


A HEROICIDADE DOS OUTROS
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Os que na comodidade dos seus sofás, em Lisboa, exigem a presença de Puigdemont em Barcelona desconhecem certamente as "querelas" que Mazza, o Fiscal Geral do Estado, deduziu contra os independentistas, bem como o montante das fianças que a juíza encarregada da instrução do processo vai impor a cada um deles para continuarem em liberdade, sob caução.

Como certamente desconhecem a argumentação que levou a que alguns deles venham a ser julgados pela Audiência Nacional de Madrid, uma espécie de Plenário da Boa Hora da "democracia" espanhola, como também desconhecem a argumentação que levou à acusação da pratica do crime de "rebelião", que é no ordenamento jurídico espanhol um crime decorrente da pratica de actos violentos, como, por fim, desconhecem os anos de cadeia a que por força do cúmulo juridico estariam sujeitos os condenados.

Ou seja, completamente condicionados pela tal ideia de que a Espanha é uma democracia e que nas democracias os julgamentos, as decisões dos tribunais e as penas são justos e proporcionais à natureza dos actos praticados, as pessoas que " exigem", na comodidade dos seus sofás, a presença de Puigdemont em Espanha, o que na realidade estão a exigir é a prisão perpétua para o Presidente da Generalitat.

Assim é fácil ser herói. Já tínhamos encontrado destes heróis " democráticos" noutras ocorrências. São os mesmos que, em nome da coragem alheia, " exigiam" que Assange se entregasse para ser executado nos Estados Unidos.


Compreendemo-los: uma pena de prisão perpétua ou uma execução numa democracia ocidental, garantida pela NATO, é muito diferente de uma prisão perpétua ou de uma execução numa falsa democracia ou numa ditadura pura e dura!

(Este texto foi publicado no Facebook depois de ter sabido que uma parte do governo da Catalunha se tinha ausentado para Bruxelas. Fica aqui registado para memória futura. Talvez interesse acrescentar que ser preso nunca é uma boa coisa. Importante é combater sem ser preso. Assim como também não é morrer pela Pátria. Importante é viver e lutar pela Pátria! Aliás, nem se percebe, num país como Portugal, donde vem essa animosidade pelos que se exilaram para continuar o seu combate: que diriam Cunhal, Delgado ou Soares entre tantos e tantos outros!)

O FISCAL GERAL DO ESTADO ESPANHOL E A CATALUNHA



O GRANDE INQUISIDOR
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O Fiscal Geral do Estado de Espanha não tem autonomia, nem independência. Obedece ao Estado, o mesmo é dizer ao Executivo.
As "querelas" formuladas por Mazza contra os dirigentes catalães (20) são juridicamente, mesmo à luz do ordenamento jurídico espanhol, uma completa aberração.
A qualificação da actividade dos "insurgentes" como rebelião brada aos céus. Juridicamente é inadmissível para qualquer jurista semelhante qualificação tendo em conta a tipificação desse crime no Código Penal espanhol.
Em toda a "querela" as violações dos princípios mais elementares de direito penal são evidentes e escandalosas ( poderei desenvolver isto em post à parte numa linguagem mais jurídica) .Assim sendo, como se justifica que o representante máximo do Governo na Justiça de Espanha enverede por tal caminho?
Só uma razão é plausível: Mazza até pode ser, e certamente é, um feroz inquisidor, um Turquemada, mas uma "querela" desta natureza não é formulada sem a orientação prévia do Estado.
Ela é a prova de que a Espanha, contrariamente ao que muitos supõem, não é um país como os outros: é um misto de franquismo e democracia hipócrita, em que o poder do Caudillo foi substituído pelo de órgãos pretensamente independentes ao serviço dos mesmos interesses e assegurando a consecução dos mesmos fins!
(Este texto oi publicado no facebook no mesmo dia em que "activou" o artigo 155.º da Constituição de Espanha e fica aqui registado para memória futura)