terça-feira, 15 de outubro de 2019

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLíTICA EXTERNA DE TRUMP


COMPARAÇÃO COM OS MANDATOS ANTERIORES

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Apesar de Trump ter sido eleito em 2016 e empossado como Presidente dos Estados Unidos em Janeiro de 2017, continuam a causar surpresa e muita perplexidade algumas das posições por ele assumidas no plano internacional. Todavia, o tempo decorrido e a prática desde então seguida no plano das relações internacionais já seriam suficientes para se tentar uma interpretação do que realmente se está a passar.

De facto, Trump tentou aproximar-se da Rússia com vista ao estabelecimento de uma relação que atenuasse a crispação existente entre os dois países como consequência quer do “cerco” que a Nato montou em redor das fronteiras norte e ocidental da Rússia quer das tentativas até agora falhadas de fazer o mesmo na fronteira sul e até nas fronteiras orientais, bem como consequência da resposta russa a estas manobras – a reintegração da Crimeia no território pátrio. Essas tentativas foram manifestamente boicotadas pelo “establishment” de Washington que lançou mão de toda uma série de insinuações para descredibilizar a acção do Presidente. Não obstante, toda essa oposição, a relação entre os dois países acalmou-se, contrariando assim parcialmente os interesses do complexo militar-industrial, que necessita, para poder crescer e prosperar, de uma relação com a Rússia sempre à beira do conflito, como potência militar mais poderosa depois dos Estados Unidos. A Rússia, porém, não representa na mundividência de Trump um concorrente, daí que situação, tal como está, o satisfaça, desde que a NATO não crie situações de facto que o obriguem a gastar dinheiro. Que é exactamente o que Trump não quer, embora esse objectivo apenas disfarce a pouca ou nenhuma importância que atribui à Nato, no quadro da sua concepção imperialista.

Um tipo de actuação semelhante passou-se nas relações com a Coreia do Norte. Depois de um período de grande tensão em parte provocado pelo nervosismo com que Kim Jong-un reagiu à eleição de Trump – ele também uma vítima da campanha americana anti-Trump que rapidamente se estendeu aos quatro cantos o mundo -, contra todas as expectativas Trump divisou naquele comportamento não apenas um oportunidade de negociação mas uma vontade de negociação que, se bem aproveitada, poderia vir a criar sérios problemas à China. Essas negociações, ou mais correctamente, essas conversas entre os dois dirigentes foram mais longe do que alguma vez tinham ido nos múltiplos contactos já tentados entre os dois países. Apesar de Trump não ter clarificado suficientemente a sua ideia e de, portanto, não ser fácil antever as possibilidades de êxito, o que parece não haver dúvida é que Trump foi boicotado, porque a ideia, mesmo que bem trabalhada, de uma desmilitarização da península da Coreia, é algo que o imperialismo americano da linha tradicional nem sequer pode ouvir falar. Aliás, não foi por acaso que Kim Jong-un disse que as negociações tinham de ser com Trump. O “dossier Coreia” não está fechado, longe disso, mas acalmou e pode ainda ter uma saída aceitável se Trump for reeleito.

Da América Latina nem vale a pena falar tão grande é a diferença que separa a política desta administração das antecedentes, quer com “amigos” e aliados quer com inimigos. Apenas de registar a forma como Trump conseguiu escapar à “cilada venezuelana”, montada por Bolton, Pence & C.ª. Sendo de esperar que uma escalada das sanções tenha em vista forçar uma negociação numa posição negocial mais favorável.

É contudo no Médio Oriente e no Afeganistão que o conflito entre a estratégia imperialista de Trump e a dos seus mais próximos antecessores é mais evidente.  O Médio Oriente, principalmente o Golfo, embora conserve uma grande importância estratégica, está hoje longe de representar para os Estados Unidos o mesmo que já representou há uns anos atrás. Mas nem por isso deixa de ser uma região onde Trump tem tido muita dificuldade em impor a sua política. O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel está longe de ter o significado que inicialmente lhe foi atribuído. Significa fundamentalmente a garantia dos Estados Unidos à continuidade de Israel como Estado independente. Mas não significa maior envolvimento na região. Aliás parece mesmo ser a contrapartida de um menor envolvimento. Todavia, as dificuldades para esse menor envolvimento são notórias. É que de pouco vale dizer que o objectivo é mandar para casa todos os soldados americanos em serviço no Médio Oriente e depois reforçar as forças navais no Golfo e o contingente americano na Arábia Saudita com mais dois mil homens, mais uns tantos esquadrões de caças e um novo sistema de mísseis, justificado pelo recente ataque de drones a instalações petrolíferas. De pé permanece porém a ideia de que a guerra no Iémen não será ganha e isso levará inevitavelmente a retirada das proximidades do teatro de operações. Já na Síria parece em vias de consumação a retirada das tropas americanas do terreno, apesar das críticas que chovem de todos os lados.

No Afeganistão, as negociações de paz goraram-se aparentemente por culpa dos talibãs, embora actos da natureza do que provocou o rompimento das negociações, em princípio, não ocorram desinseridos de um contexto de boicote, de um lado ou do outro. De qualquer modo, a semente está lançada e mais mês, menos mês, as conversações acabarão por ser retomadas.

Quanto ao Irão, a questão complica-se por se tratar de algo que continua na agenda israelita como primeira prioridade. Todavia, se a intenção de Trump fosse fazer a guerra pretextos não lhe faltavam para a começar, mesmo sob a forma de retaliação. Mas também aí já se percebeu que não é esse o seu objectivo. O que parece movê-lo é a intenção de obrigar o Irão a renegociar o “tratado de não proliferação nuclear”, um tratado, diga-se, que não vinculava os Estados Unidos não obstante a assinatura de Obama.

Deste breve enunciado do que parece ser a política externa americana na administração Trump, a primeira grande diferença entre este presidente e os seus antecessores mais próximos é a que resulta de ele querer restaurar a grandeza (perdida) da América de dentro para fora e não o contrário. E daí decorrem logo uma série de consequências politicas. Nacionalismo económico por contraposição a uma globalização de cariz neoliberal que destruiu indústria americana, estava em vias de destruir a agricultura e iria ter graves consequências no próprio sector terciário por força da acumulação de capitais que aquela política gerava nos concorrentes, muitos deles "amigos" e aliados, da América. No plano externo, para fazer a defesa dos interesses americanos, Trump actua, não obstante uma ou outra fanfarronice (quase sempre para tirar vantagens negociais), quer pela via das sanções quer pelas das tarifas alfandegárias, consoante a importância e a força da contraparte (Irão, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, no primeiro caso; China e União Europeia, no segundo). A guerra, segundo Trump, dá prejuízo (e nisso ele tem indiscutível razão), e envolve a América numa teia de compromissos e situações da qual terá sempre muita dificuldade em sair. Daí que ele afirme que "uma grande potência não pode participar em guerras que nunca mais acabam". Esta frase, para quem a souber interpretar devidamente, ilustra uma estratégia que pressupõe um método de acção (atrás genericamente descrito) mas também uma forte ameaça, mais ou menos desta natureza: "Se nos obrigarem a ir para a guerra, então, com os meios que nós temos, ela será uma guerra rápida". Obviamente, que nada disto tem a ver com a estratégia imperialista de Bush, Cheney, Clinton, Obama & Cª, que é uma estratégia imposta pela complexo militar-industrial contra a influência do qual Eisenhower, no fim do segundo mandato, foi a primeiro a alertar. Não apenas por força desta influência mas também por tradicionalmente a via da presença militar ser aparentemente a que melhor salvaguarda o domínio. Ora, o que parece estar a levar a esta alteração de política é o efeito alcançado estar cada vez mais longe de ser o pretendido ou o esperado. Os Estados Unidos têm centenas de bases militares por todo o mundo, têm destacados milhares de soldados e perdem dinheiro, enquanto os que teriam a obrigação de financiar esse esforço de defesa o poupam, além de economicamente estarem mais fortes e mais concorrenciais. Esta ideia de assegurar a grandeza actuando de fora para dentro tem dado, segundo Trump, resultados muito negativos. E talvez Trump não conheça as últimas duas décadas da URSS, porque se as conhecesse mais reforçadas ficariam as suas convicções...

 E poderíamos continuar, enfim. Quem supõe que Trump é um bronco, por ele ter dito que Joe Biden só é conhecido como político por ter andado oito anos a lamber o rabo a Obama, vai-se arrepender, mais tarde, de ter olhado para o mandato de Trump segundo as reacções pavlovianas que as centrais de intoxicação se encarregaram de veicular com muito êxito. Ou seja, quando alguém pronuncia "Trump", a essa palavra são logo associados um conjunto de adjectivos e outras qualificações depreciativas que imediatamente impedem o sujeito de pensar. Todavia, as coisas têm uma lógica…

10 comentários:

Anónimo disse...

O homem era ridicularizado por continuar a não conseguir guardar a sua fronteira com o México.
Depois foi acusado por abandonar a fronteira Turquia/Síria poupando milhões aos contribuintes americanos.
Políticos moralistas anti-Trump não estão disponíveis para gastar milhões e milhões na fronteira Turquia/Síria.

Já tenha percebida a coisa há muito tempo: o homem tem os seus defeitos, mas os seus críticos são uma coisa para esquecer, são um case-study para o futuro sobre pessoal que não presta.

Anónimo disse...

Muito bom JMCP. É um alívio constatar que aqui e acolá existe quem saiba, e afirme, o que realmente se passa com a administração Trump.
Conhecendo o que realmente se passa, por esse mundo fora, sem ser atravéz das caricatas "fake news", constata-se que Trump tem justamente tido um mandato espetacular, quer externa quer internamente, como PR dos EUA.
Não deve favores a ninguém, nem mesmo ao partido republicano. Daí gerar contra si o ódio dos pretéritos donos do sistema.
O recente caso em que o dono da CNN foi públicamente desmascarado (como se isso fosse necessário) é sintomático. Os telespectadores não são parvos, o homem perde audiência mas está feliz. Daaa.
Por cá os responsáveis pelas TVs são pessoal completamente abaixo de zero. Uma vergonha.

passotrocado disse...

Parabéns, meu caro.
Pensar bem é um dom que se aperfeiçoa; no teu caso, há mais de cinquenta anos.

Ler quem bem pensa, é um privilégio.

Zé Neto

JM Correia Pinto disse...

Para memória futura.
Esta é para os diplomatas tão treinados na hipocrisia que ficam completamente perdidos com Trump. Sobre a Síria, diz Trump: "Está na hora de nos retirarmos destas ridículas guerras sem fim, muitas delas tribais, e fazer regressar os nossos soldados a casa". Ou ainda: "Lutaremos onde for do nosso beneficio e lutaremos para ganhar". E mais: "Turquia, Europa, Síria, Iran, Iraque, Rússia e os curdos terão que resolver a situação e ver o que querem fazer com os combatentes do Estado Islâmico capturados perto do seu "vecindario" E esta, então, é que os deixa perdidos: " Os Estados Unidos eram sempre o bobo por estarem a assumir responsabilidades que lhe não pertencem; a Europa que se ponha de acordo sobre o que fazer com os prisioneiros capturados ao Estado Islâmico. Fizemos-vos um grande favor. Agora são vossos, julgai-os. Já fizemos muito, mais do que se poderia esperar. Chegou a hora de outros na região, alguns com grande riqueza, proteger o seu próprio território"

JM Correia Pinto disse...

Obrigado, Zé Neto.
Abraço

Anónimo disse...

Que desilusão! Vinha aqui porque pensava ser este um blog de esquerda, mas apoiar Trump ainda por cima no momento de abandono cobarde dos curdos perante a Turquia é de ficar de boca aberta. Bolsonaro também não terá as suas virtudes?

JE disse...

Um convite à reflexão

É assim mesmo

Pedro Lopes disse...

portuguesitos continuar a ser a vergonha de portugal e o mundo. Sempre falando mentiras no youtube e ignorando a pobreza pura em casa. Mas...devemos educar portuguesitos ignorantes da verdadeira historia que Olivenza e Espanhola e sempre foi.

Os portuguesitos sao os piores dos piores. Um Tuga forte fala verdades sempre.

Clipping Path disse...


Amazing contribution to your audience , really informative.keep teaching keep sharing. Love your work

Anónimo disse...

É espantoso. Os quadros editoriais das TVs em Portugal ou são incompetentes ou desonestos.
A testemunha, o Embaixador, que estava presente no telefonema entre o PR dos EUA e o PR da Ucrânia -depois de ter desistido das usuais platitudes- confessou que não houve "quid pro quo" absolutamente nenhum sobre ajudas e os Bidens, nem sobre ninguém. Ponto final.
As TVs em Portugal, apoiadas por uma série de comentadores ignorantes do que se passa nos EUA (inclusivé um ex-Min. do PS, continuam a apoiar a triste figura do personagem Schiff que continua delirantemente a levantar as mais mirabulante e variadas suspeitas contra Trump.

Curioso é que ao fim de 2 anos e meio de afirmar a pés juntos o conluío Trump-Russos este pessoal ainda não tenha compreendido que o WhPost, o NewYork Times, a CNN, a MSNBC ... são orgão de propaganda política do partido Democrata e interesses afins.
Repito: ... são apenas orgão de propaganda política do partido Democrata e interesses afins. Não são fonte de informação fidedigna.