quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A PROPÓSITO DO CASINO DE LISBOA

A QUADRATURA DO CÍRCULO E O CASINO DE LISBOA

Não sou um espectador assíduo da “Quadratura do Círculo”. Vejo o programa de vez em quando, mais para me inteirar da penumbra da governação através de indícios que os seus intervenientes vão deixando ao abordarem os assuntos sobre que falam do que propriamente para me informar acerca dos temas tratados. Achei, por isso, muito interessante a discussão acerca do Casino de Lisboa, nomeadamente depois de tornada pública a reacção do representante da Solverde e de alguém ligado à inspecção de jogos.
Confesso que, depois de o programa ter estabilizado o seu formato com a actual composição de comentadores, sempre pensei que o Pacheco Pereira, dada a formação político ideológica dos seus oponentes e a teia de interesses a que estão ligados, desempenhava nele o papel de “idiota útil” (com todo o respeito e alguma consideração intelectual). Saído do marxismo historicista de raiz estalinista, habituado a interpretar o mundo no quadro de um sistema, é natural que ao fim de algumas hesitações se tenha deixado encantar pelo modelo liberal que igualmente lhe oferece um conjunto de soluções acabadas para os problemas da humanidade e um caminho seguro para a felicidade individual. Com a vantagem de, por ter uma sólida formação político-filosófica, ao contrário de alguns “liberais de pacotilha” que por aí proliferam, poder aproveitar o programa para fazer passar a sua mensagem com a esperança de que um dia os “letrados” dirigentes do PSD a entendam e apliquem. Demarcando-se permanentemente das razões profundas que ditam a maior parte das intervenções dos seus opositores, estaria assim justificada a sua presença num jogo que não é o seu.
Receio, porém, ter-me enganado. Ontem, ao ouvi-lo dissertar sobra a natureza do papel do Estado “na moderna sociedade portuguesa”, fiquei com dúvidas sobre se entre a sua abordagem elaborada e a linguagem teoricamente “naif” ou “manhosa” dos seus interlocutores não havia apenas uma pequena diferença de grau que nenhum tipo de “acquis” cultural pode impedir de situar no mesmo plano. De facto, que diferença realmente existe entre três posições que, resumidamente, se podem assim enunciar:
· A publicidade da defesa dos interesses empresariais privados junto do Estado, maxime na elaboração das leis, é um assunto melindroso dado o tipo de linguagem e a promiscuidade que entre nós existe entre os dois sectores, por isso deve-se agir com cautela e bom senso nesta matéria;
· O que importa é defender os amigos, independentemente da posição que se tome sobre o assunto em questão, que aliás é um assunto que não pode ser tratado daquela maneira nem apoiado naquele tipo de cartas;
· Hoje temos de aceitar como normal a intervenção dos interesses empresariais privados na formulação dos textos legislativos, mas essa intervenção tem de ser escrutinada.
Pegando apenas nesta última formulação, pergunto: Por quem? Em que termos? Certamente que o Autor deste pensamento se não estava a referir aos meios juridicamente previstos de audição dos interessados na feitura das leis. Então, estava a referir-se a quê? É que eu não quero acreditar que o Pacheco Pereira defenda a alteração ou queira contribuir para a alteração do velho ditado: “A ocasião faz o ladrão” por “Em Portugal, já é o ladrão que faz a ocasião”. Espero, por isso, que se explique melhor…

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

AINDA O ESCÂNDALO FISCAL ALEMÃO


NOTA BREVE

Como uma nódoa de azeite, “o escândalo fiscal alemão” está-se alastrando a três continentes: Europa, América do Norte e Oceania. Sabe-se agora, de fonte segura, que o famoso DVD não contem apenas os tais mil nomes alemães. Há espanhóis implicados, como decorre da citação ontem feita pelo Internal Revenue Service (EUA), e, posteriormente, confirmada pela Agencia Tributaria (Espanha), mas também suecos, franceses, italianos, britânicos, além de americanos, canadianos, australianos e neozelandeses.
Quem para já está a lucrar com a operação é o fisco alemão que, em apenas duas semanas, arrecadou 27,8 milhões de euros. Muito mais, porém, está para entrar nos cofres da República Federal, já que há cerca de cem confissões e dezenas de declarações voluntárias com vista à regularização da situação fiscal.
No segredo dos deuses continua a questão de saber como foram obtidos os dados que constam do DVD, assim como se há nacionais de outros países implicados.

O DEBATE DE CLEVELAND

O ÚLTIMO DEBATE
A generalidade dos comentadores norte-americanos é de opinião que o debate de ontem à noite se saldou por um “match nul”, o que, por outras palavras, quer dizer que ele não serviu para inverter o movimento ascensional de Obama desde a super terça-feira (5 de Fevereiro), traduzido em 11 vitórias consecutivas. Mas serviu para esclarecer alguns pontos que nos últimos dias, em virtude da propaganda cruzada de ambos os candidatos, estavam ficando algo confusos para os eleitores.
Assim, Hillary Clinton confirmou solenemente a sua promessa de pôr em prática um programa de saúde universal. Serviu também para confirmar que ambos os candidatos se opõem à NAFTA (Tratado norte-americano de comércio livre, ligando EUA, Canadá e México), embora Hillary Clinton não tivesse conseguido demonstrar que tinha a mesma opinião à época em que o seu marido o assinou (17 de Dezembro de 1992).
Nas questões económicas, o único ponto relevante do debate foi a discussão da política de emprego. E aí, Obama foi cortante, quando disse que se a Senadora não tinha sido capaz de concretizar as promessas que fez na cidade onde vive, Buffalo (NY), como se pode acreditar que seja capaz de o fazer no pais.
Na política externa, que Hillary tem como um ponto forte da sua candidatura, ela continuou a insistir na sua grande experiência na matéria, no seu completo domínio dos “dossiers” internacionais, enfim, tentando criar um contraste com a alegada inexperiência do seu opositor, sem, porém, jamais ousar dizer que ele não estava preparado para o desempenho do papel a que se candidata. Vale a pena ouvir a resposta de Obama: “Hillary diz que está preparada desde o primeiro dia. Preparada desde o primeiro dia para ceder a George Bush. Ela facilitou-lhe o mandato e deu-lhe a possibilidade de fazer o que ele queria”.
Uma outra questão importante, que, embora não passe desapercebida aos europeus, em regra não lhes merece o mesmo tipo de atenção, é a questão das relações inter-étnicas, principalmente no quadro da luta anti-islâmica que nos últimos oito anos tem dominado a política norte-americana. E a questão pôs-se, tendo a polémica fotografia como pano de fundo, a propósito de a igreja que Obama frequenta ter recompensado com uma distinção o “ministro” Farrakhan, líder anti-semita e anti-branco do Movimento “ Nation of Islam”. Obama fez a sua habitual profissão de fé na superação das diferenças de raça, género, etc., disse que tinha muitos amigos e conselheiros judeus na sua candidatura, sem contudo rejeitar expressamente Farrakhan. Hillary aproveitou para recordar que, aquando das eleições senatoriais de 2000, recebeu apoios racistas que foram por ela expressamente rejeitados. Obama lá foi dizendo que não via diferença entre as duas posições, mas se a questão era de palavras, também ele rejeita e denuncia, sem mais precisões. Enfim, enquanto Zapatero, em Espanha, e Ségolène Royal, em França, têm de fazer acrobacias, para não fugirem do politicamente correcto, ante as investidas xenófobas e de laivos racistas de Rajoy e de Sarkozy, na América passa-se exactamente o contrário. Quem tem de se justificar é quem se insinua ou se julga insinuado num movimento excludente…

AS PRIMÁRIAS NA AMÉRICA

JOGO SUJO
A uma semana das decisivas eleições da próxima terça-feira (Texas, Ohio, Vermont e Rode Island) a tensão entre os candidatos democráticos está ao rubro. O estado-maior da campanha de Obama acusou a Senadora de NY de “práticas divisionistas” e de estar por trás da “mais penosa e repugnante manobra que se viu nestas eleições com o objectivo de criar um clima de terror entre os eleitores”. Referia-se à divulgação na internet de uma fotografia de Obama em trajes típicos da Somália, tirada durante a viagem que o Senador de Illinois fez ao Quénia, em 2006. Obviamente que finalidade última da foto era a de subliminarmente fazer passar a mensagem da ligação de Obama ao Islão, tanto em consequências das suas origens familiares (pai queniano) como em consequência de ter passado grande parte da sua infância no maior pais muçulmano do mundo – a Indonésia.
A manobra tinha ainda em vista desmoralizar o Senador para o debate de ontem à noite, em Cleveland (Ohio). Só que, mais uma vez, a manobra não resultou. Não resultou, em primeiro lugar, porque segundo uma sondagem USA Today/ Gallup, sete em cada dez americanos apostam na vitória de Obama; e, em segundo lugar, porque Obama voltou a ganhar o debate. Além de, segundo a última sondagem de The New York Times/CBS News, a maioria dos democratas entender que Obama é o candidato mais bem colocado para derrotar John McCain.
A única mensagem de Hillary Clinton que parece ter passado com algum êxito é a que insiste no facto de Obama não estar bem preparado para dirigir a América: republicanos e democratas entendem que McCain é mais bem preparado (73%), Hillary (57%) e Obama (39%). Obama tem vindo a responder a esta campanha dizendo que a América precisa de audácia, de sangue novo, de novas ideias e não mais do mesmo.
Nos dois grandes estados que na próxima terça-feira vão a votos (Texas, 228 delegados e Ohio, 141 delegados), a luta está muito renhida, com uma ligeira vantagem para Clinton no Ohio. Positivo para a campanha de Obama foi o importante apoio que ontem lhe foi prestado pelo influente senador demográfico de Canneticut, Cristopher Dodd.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A DIVISÃO DA ESPANHA

O DEBATE ZAPATERO – RAJOY

Acabou há pouco tempo o debate entre o Presidente do Conselho espanhol, José Luis Zapatero, e o Presidente do PP, Mariano Rajoy, transmitido por várias cadeias de televisão espanholas, no quadro da campanha eleitoral para as próximas eleições legislativas de Março.
Para um estrangeiro que assista ao debate fica a ideia de que os problemas que afectam a Espanha e que interessam aos espanhóis são muito diferentes dos que costumam ser discutidos na generalidade das eleições europeias. Ou melhor, são interpretados pelos dois oponentes de forma diametralmente oposta. Os êxitos reais, efectivos, que Zapatero possa legitimamente exibir como resultado do seu mandato - criação de 3 milhões de empregos, a maior taxa de crescimento económico de toda a União Europeia, saneamento das contas públicas com largos superavides em cada ano, alargamento dos direitos sociais, nos domínios da saúde, do ensino, da segurança social e da habitação, bem como dos direitos em geral, nomeadamente no desenvolvimento de uma política de igualdade entre géneros, da cidadania e do estado de direito e, acima de tudo, o cumprimento sem falhas e sem mentiras do programa com que foi eleito – parecem nada interessar ao seu opositor, que, queira-se ou não, representa uma parte significativa da Espanha, e para o qual apenas contam verdadeiramente dois temas: a unidade de Espanha (e as questões com ela conexas, desde logo o terrorismo) e a imigração. A fixação de Rajoy nestes dois temas, inclusive com desprezo pela apresentação do seu próprio programa eleitoral, e o ataque impiedoso e pessoal feito à pessoa de Zapatero e à sua política demonstra que o tema é de importância fundamental para uma parte considerável da sociedade espanhola.
Mas demonstra também que a Espanha está mais dividida que nunca: dividida entre uma Espanha fortemente centralizadora, imperial, para a qual a democracia não passa de um instrumento útil de legitimação e de consenso necessário à aplicação de uma política destinada a reduzir por qualquer via as suas diferenças históricas e uma Espanha dialogante, multicultural, multinacional, em suma, democrática, que procura através do aprofundamento da democracia manter a sua unidade.
Veremos em Março para que lado se inclinam os espanhóis.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O CRIME NO PORTO

NÁPOLES OU PORTO?

Não temos no Porto um problema irresolúvel de detritos sólidos, domésticos e de outras origens potencialmente perigosas, mas temos no Porto um grave problema de justiça cujos contornos são igualmente potencialmente perigosos. O crime no Porto passa pela noite (tráfico de mulheres, lenocínio, droga, extorsão, comércio da segurança privada, etc.) e pelo dia (futebol com todo o seu cortejo de ilegalidades: tráfico de influência, lavagem de dinheiro, corrupção, violação de segredo, ofensas corporais graves, atentados à liberdade de imprensa, ameaças, etc., etc.).
A primeira coisa que um Estado digno desse nome deveria fazer era actuar e fazer justiça, investigando as ligações entre o “dia” e a “noite”. O que fez o Estado de há 25 anos até hoje? Praticamente nada. Primeiro, porque o fenómeno se circunscrevia ao campo desportivo: agressão a jornalistas (em directo na TV ou em “off” através de jagunços especialmente contratados), suborno de árbitros (que depois do primeiro suborno ficavam completamente reféns dos subornadores), tudo isto acompanhado de uma sábia política de penetração na comunicação social (primeiro a do Porto, inicialmente à força, depois por outros métodos; em seguida a de Lisboa, embora com uma dimensão mais reduzida) e nas áreas sensíveis do aparelho de Estado (magistratura, ministério público, polícias e muita complacência por parte de alguns parlamentares).
Depois o “polvo” foi crescendo, crescendo a ponto de se sentir suficientemente forte para montar os seus negócios paralelos, lícitos e ilícitos, a coberto de uma total impunidade. Até que, supondo-se - porventura correctamente - intocável, começou a matar. A partir daí o Estado, posto violentamente em xeque perante uma opinião pública que não tem qualquer espécie de dúvidas sobre o que se passa no Porto há muito tempo, foi obrigado a actuar. O Ministério Público criou uma equipa especial, com gente de fora de Porto (no velho e saudável estilo do juiz-de-fora), liderada por uma procuradora geral adjunta especializada na luta contra a banditagem desportiva e outras e a polícia judiciária, rodeada de televisões e jornalistas e com visita, à noite, do Ministro às suas instalações, montou uma operação “com hora marcada”, na qual prendeu alguns personagens que, inclusive, já se tinham vangloriado das suas façanhas através de meios audiovisuais profusamente difundidos.
Os mais cépticos não acreditaram que as medidas tomadas produzissem algum efeito. Nada resultaria da equipa do Ministério Público, porque, além de se defrontar com a hostilidade do MP do Porto, tinha de trabalhar com base em inquéritos e investigações defeituosamente instaurados. Nada igualmente seria de esperar da Polícia Judiciária, porque sempre que a Polícia Judiciária, no Porto, tentou trabalhar de forma profissionalmente competente foi boicotada, internamente ou superiormente. Internamente, através da filtragem dos pontos sensíveis da investigação para os próprios investigados; superiormente, através da substituição dos polícias que estavam a caminhar no sentido certo.
Não constituiu, por isso, qualquer surpresa a recente nomeação do responsável pela polícia judiciária no Porto. Está conforme com o que tem sido a prática de todos os Executivos desde há 25 anos. Aliás, para quem estivesse atento e saiba ler os sinais (mesmo sem ter de recorrer aos augúrios), perceberia que algo de importante estaria para acontecer relativamente ao crime no Porto (tanto ao da noite como ao do dia).

ESCÂNDALO FISCAL NA ALEMANHA



A COMPRA DO DVD ROUBADO

O BND (Bundesnachrichtendienst), serviço secreto alemão, pediu autorização ao governo federal para comprar por 4,2 milhões de euros um DVD contendo dados bancários de empresas alemãs, clientes do banco LGT (Liechtenstein Global Trust), propriedade da família real do Liechtenstein, sabendo-se que tais dados tinham sido obtidos ilegalmente pelo seu detentor. Recebeu luz verde e o negócio realizou-se. As dúvidas sobre a sua legalidade, foram dissipadas em quatro palavras pelo Ministro das Finanças social-democrata, Peer Steinbrück, que, esperando receber centenas de milhões de euros com a operação, disse: “É dinheiro bem empregue”.
Esta história exemplar merece ser contada com mais pormenor. Como os mais avisados certamente saberão, a República Federal de Alemanha ressurgiu da II Guerra Mundial como grande potência económica graças a um pacto entre a classe empresarial e os trabalhadores, baseado, como diz Ignacio Sotelo, professor da Universidade Livre de Berlim,”na honradez empresarial protestante, segundo a qual o muito dinheiro ganho pelas empresas também tinha de ser repartido pelos trabalhadores”. Ultimamente, depois da queda do Muro, mas mais acentuadamente a partir do século XXI, tudo se alterou. Os trabalhadores perderam peso no sistema produtivo e a classe empresarial foi-se gradualmente libertando dos valores com respeito pelos quais pautou durante décadas a sua conduta (ler "Os Buddenbrook", de Thomas Mann), a ponto de hoje viver paredes meias com práticas que raiam a ilicitude ou que são em alguns casos mesmo criminosas. O fenómeno não é especificamente alemão, mas na Alemanha sente-se mais do que em qualquer outro lugar por o país ser tido durante muito tempo como um modelo.
Pois bem, o que o dito DVD prova é que centenas de empresários alemães vêm desde há anos fraudando o fisco em mais de 4000 mil milhões de euros, segundo o Ministério Público de Bochum, encarregado das investigações, através do desvio de milhares de milhões de euros para aquele banco do Liechtenstein, que, como todos os bancos de “paraísos fiscais”, é especialista em pôr a salvo dinheiro sujo, qualquer que seja a sua proveniência: a fuga ao fisco ou outra.
A primeira vítima desta investigação, que só agora está a começar e que ameaça alastrar ao próprio sistema financeiro, é uma das mais poderosas figuras do empresariado alemão, Klaus Zumwinkel, o homem que converteu os correios alemães, Deutsche Post, na primeira empresa de logística do mundo. Já deixou o cargo, depois de ter admitido a evasão de um milhão de euros do seu património familiar para o Liechtenstein.
Num país onde desde há anos se vinha dizendo aos trabalhadores que era preciso conter os salários e reduzir os serviços sociais para reactivar a economia, mas no qual simultaneamente se assistia a lucros cada vez maiores de largos sectores empresariais e onde os proventos dos gestores cresciam exponencialmente, o escândalo fiscal do DVD caiu como uma bomba! Também por isso, governo alemão actuou com firmeza, a ponto de Angela Merkel ter dito ao Primeiro Ministro do Liechtenstein, Otmar Hasler, “Desejamos manter boas relações convosco, mas é imprescindível que o Liechtenstein se comprometa com a EU a avançar contra a fraude e aceite as recomendações da OCDE contra a opacidade fiscal”. Isto publicamente, porque em privado a conversa que se fez chegar ao principado foi muito mais dura: “Se o Liechtenstein não aceitar cooperar, teremos de falar com a UE e impor-lhe sanções com vista ao seu isolamento”.
Reacções contra houve do Príncipe do Liechtenstein, que obviamente também vive deste dinheiro sujo, e de certos sectores liberais alemães.
Para concluir apenas mais duas palavras.
A primeira: não basta na Europa (e falando apenas da Europa) tomar medidas contra o Liechtenstein. É preciso tomá-las igualmente na UE contra a Áustria e o Luxemburgo; e, fora da EU, contra a Suíça, Andorra, Mónaco e Gibraltar, entre outros.
A segunda: é tão difícil fazer previsões sobre o que se passará no futuro, como fazer conjecturas sobre o que se teria passado noutro país se o seu governo soubesse, com provas, que havia uma fuga generalizada ao fisco do grande empresariado (financeiro, industrial, comercial, dos serviços, etc.). É difícil, mas no caso em apreço, a probabilidade errar, para quem arriscasse a conjectura, seria mínima!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

A LINGUAGEM DE SARKOSY


CASSE-TOI, PAUVRE CON!”

Foi assim que o Chefe de Estado francês, no salão de agricultura, respondeu a um homem que lhe disse: “Não me toques”.
A visita de Sarkozy, sábado de manhã, ao salão de agricultura, ficou marcada por uma troca de invectivas entre um visitante e o Presidente, registadas no vídeo difundido à tarde pelo jornal regional Le Parisien.
Rodeado por muita gente, sorridente, o Presidente tomava o seu banho de multidão cumprimentando as pessoas, quando, ao aproximar-se um homem de certa idade, este lhe disse: “Ah não, não me toques”.
“Pira-te daqui”, disse Sarkozy.
Tu sujas-me”, respondeu-lhe o homem.
Pira-te daqui, pobre idiota”, replicou o Presidente.
A situação não é nova, tantos são os episódios deste tipo em que têm estado envolvido o Presidente francês. Ainda recentemente, na Bretanha, um pescador do alto de um terraço gritava impropérios dirigidos a Sarkozy durante uma visita que este fazia ao porto de Guilvinec. “Desce, para te explicares”, replicou-lhe o Presidente no seu tom desafiador. “Se desço, ponho-te a cara num bolo”, respondeu-lhe Juju, assim se chamava o jovem pescador.
Cerca de um mês depois, Juju foi convidado a fazer parte de uma delegação de pescadores bretões, recebidos pelo Presidente no Eliseu.

LUTA ATÉ AO FIM

GUERRILHA ENTRE OS CANDIDATOS DEMOCRÁTICOS

Numa conferência de imprensa dada hoje á tarde em Cincinnati (Ohio), Hillary Clinton acusou a campanha de Obama de distorcer as suas posições sobre a NAFTA (Tratado norte-americano de comércio livre) e sobre o programa de saúde, através da difusão de mailings destinados a confundir os eleitores. Num estado onde joga o seu futuro político, Hillary Clinton não hesitou em considerar vergonhosa a táctica utilizada pelo seu rival, “digna de um Karl Rover”, ex-conselheiro político chefe de Bush, conhecido pelos seus dotes de traficante político. Obama, que se encontrava na capital do estado (Columbus), também em campanha, não tardou a reagir: “Nós temos sido objecto de constantes ataques da campanha de Clinton. Só não éramos quando estávamos a 20 pontos. Foi assim no Iowa. Foi assim na Carolina do Sul. Foi assim no Wisconsin. E é assim aqui”. Obama reiterou o teor dos polémicos mails, afirmando corresponderem à verdade dos factos
Um dos mails diz que o programa de saúde de Clinton obriga os americanos a comprar o plano de saúde mesmo quando não têm dinheiro para isso. O outro diz que a candidata não estava com o Ohio quando os trabalhadores deste estado perderam o seu emprego, em consequência do tratado de comércio livre assinado pelo seu marido (17/12/1992). Nessa altura, diz o texto, ela era “uma campeã do comércio livre”.
Este episódio da campanha, qualquer que seja a importância que ele venha a ter, é para aqui chamado por duas razões. A primeira, porque ele confronta os políticos com as suas próprias responsabilidades. Ou seja, com a credibilidade das suas promessas, com a coerência das suas posições, em suma, com aquilo a que poderíamos chamar a crise do “mandato representativo incondicionado”. A segunda, porque ele demonstra até que ponto os candidatos democráticos estão interessados em se demarcarem do modelo neo-liberal em voga.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS ESPANHOLAS

NÃO É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!

Como aperitivo ao primeiro grande debate da próxima segunda-feira, defrontaram-se ontem, no arranque da campanha das eleições legislativas espanholas, o vice-presidente Pedro Solbes e a mais recente “estrela” de Rajoy, especialmente recrutada para a campanha eleitoral, o empresário Manuel Pizarro, ex-presidente da Endesa, apresentado aos espanhóis como um sábio das finanças, capaz de relançar a economia espanhola para patamares nunca antes atingidos.
Manuel Pizarro já tinha manifestado a sua grande aptidão para a política na pré-campanha, quando, instado a explicitar alguns passos da hipotética proposta de lei sobre imigração que o PP se propõe aprovar se for governo, pura e simplesmente disse que, ter um comportamento conforme aos costumes espanhóis, “é, por exemplo, não roubar!”. Pois bem, este homem que Rajoy sacou da manga, como quem contrata uma estrela que lhe vai dar a vitória no campeonato, foi ontem copiosamente derrotada na Antena 3, no debate que o opôs a Pedro Solbes.
Completamente perdido ante um sólido Pedro Solbes, Pizarro viu-se obrigado a recorrer ao ideário mais reaccionário do PP, àquele a que até o próprio Rajoy se não sente à vontade para usar na maior parte dos seus comícios, como, por exemplo insinuar, que é o próprio Governo que financia a ETA e outras barbaridades do género. É um homem do antigamente, do franquismo, que apresenta como único traço de “modernidade” ter exigido à Endesa uma indemnização de 2000 milhões de pesetas para se retirar!

O DEBATE DE AUSTIN

O DEBATE DE AUSTIN

O debate de quinta-feira à noite, 1 da manhã em Portugal, em Austin (Texas), entre os dois candidatos do partido democrático constituía para Hillary Clinton uma grande oportunidade para reverter a situação desfavorável com que se defronta desde a super terça-feira (de carnaval). Não o conseguiu. Quando muito pôde, sempre que não resolveu seguir por outra via, sublinhar as diferenças que a separam do senador de Illinois, principalmente em política externa e em cuidados de saúde. No que respeita a Cuba, recusar-se-á a encontrar-se com os dirigentes cubanos, enquanto estes não se comprometerem numa mudança democrática, enquanto Obama (citando John Kennedy) aceita conversar porque “não se fala somente com os amigos”. No domínio da política de saúde, Hillary repisou o que já havia dito no debate de Los Angeles – que o plano do seu opositor deixa cerca de 15 milhões de americanos sem protecção. Obama, pelo contrário, insiste que todos os americanos estão contemplados.
Mas onde Hillary parece francamente mais à vontade é nos ataques ao carácter e à personalidade de Obama. A tónica da sua campanha tem andado à volta de duas ideias muito simples. Primeira: que Obama não tem experiência nem curriculum. Segunda: que um país como os EUA não se governa apenas com palavras, por mais eloquente que seja a retórica do candidato. Foi, de resto, a propósito destes recorrentes temas que o debate se crispou um pouco. Para sublinhar a inexperiência de Obama, conta um episódio da campanha eleitoral: um apoiante de Obama, perguntado sobre o que tinha feito o seu candidato, nada foi capaz de responder (há um vídeo sobre este episódio). Para simultaneamente desvalorizar a eloquência de Obama e reforçar a tese de que a sua candidatura apenas vive de palavras, repete o que já circulava no you tube: há palavras que não são do candidato, que são um plágio de um político de Massachusetts.
Obama responde do modo esperado: a experiência da senadora de Nova York de nada lhe serviu quando no Senado se discutiu a guerra do Iraque. Ele foi um dos poucos senadores que votou contra. Ela votou a favor. E insiste também no sentido profundo do seu discurso:"Se não se pode inspirar os americanos, se não se pode levá-los a superar as divisões de raça, de género, de religião (…) então continuaremos a assistir impotentes em Washington a todas estas divisões e impasses que tanto fazem sofrer as famílias americanas. Eu sou candidato à presidência para começar a fazer qualquer coisa contra este sofrimento". Depois, a propósito do alegado plágio, acha ridículo que se considere plágio a utilização de duas linhas e meia do seu co-director de campanha, ou seja, da pessoa que com ele prepara os discursos. “Infelizmente, concluiu, as pessoas dizem coisas estúpidas como esta”.
Estes ataques de H. Clinton não têm tido grande eco no campo democrático e parecem até ter-se virado contra a sua autora. Mas nem por isso deixam de ser perigosos quando utilizados pelos republicanos, como aliás já começou a acontecer. A regra tácita das primárias é não recorrer a métodos que possam favorecer o adversário final. Hillary, desesperada e frustrada pelos resultados alcançados, quebrou esta regra. A ver vamos as suas consequências…

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS AMERICANAS

HILLARY AFUNDA-SE E OBAMA SOMA E SEGUE

Sintoma de que tudo já mudou, na corrida pela nomeação do candidato democrático às próximas eleições presidenciais americanas, foi o facto de na última terça-feira os canais de televisão terem interrompido o discurso da noite eleitoral de Hillary Clinton, para se ligarem a Houston (Texas), onde Barack Obama começava a falar. Nada pior para um candidato do que o juízo de irrelevância que os media, os poderosos media americanos, possam fazer ou sugerir da sua candidatura. Juízo em que aliás foram secundados pelo já quase certo candidato republicano, John McCain, que, ao dirigir-se aos seus apoiantes, depois de uma jornada onde angariou mais três vitórias, se referiu exclusivamente a Obama como potencial rival, dizendo: “Estou certo que meus compatriotas não vão seguir uma simples voz de mudança, eloquente porém vazia, que nada mais promete do que dar umas férias à história”.
Hillary Clinton vive agora uma realidade que nem no seu mais sombrio pesadelo julgou algum dia ter de encarar. Depois de dez derrotas consecutivas, depois de ver Obama ultrapassá-la em número de delegados eleitos e de assistir à “fuga” cada dia mais notada de super delegados que tinha por seus apoiantes seguros, vê também Obama penetrar irresistivelmente naquele que até à última terça-feira tinha sido o seu eleitorado mais seguro: os operários, as mulheres com menos de 60 anos e os demais eleitores democráticos menos instruídos. De facto, Obama ao ganhar no Wisconsin, pela significativa margem de 58% contra 41%, reforçou consideravelmente a sua candidatura, não tanto pelo número de delegados ganhos, mas principalmente pelas características do Estado em que venceu. O Wisconsin é, juntamente com outros onde Obama já venceu, aquilo a que os americanos chamam um “swing state”. Um “estado flutuante” é um estado que não assegura fidelidades eleitorais, de eleição para eleição, e que além disso costuma ser um indício do sentido em que o eleitorado se move. O Ohio que, juntamente com o Texas, vai a votos no próximo dia 4 de Março, é outro desses estados. Nada mais desmoralizador para um candidato já em queda do que perder num “swing state”.
Indício igualmente seguro da previsível vitória de Obama é também a sua capacidade de penetração no eleitorado independente, do qual, em Wisconsin, arrecadou mais de 60% do voto. É, de facto, com o voto do chamado eleitorado independente que se ganham as eleições presidenciais em estados tão decisivos como a Florida, o Missouri e Wisconsin, circunstância que não vai deixar de ser ponderada pela Convenção, se, até lá, como parece cada vez mais evidente, nenhum dos candidatos conseguir os 2025 delegados de que precisa para ser nomeado. Todavia, para ser nomeado, Obama terá de ganhar pelo menos um dos três grandes estados que ainda vão a votos – Texas (193 delegados), Ohio (141) e Pensilvânia (158) – e não perder por muitos nos outros dois. De momento, as sondagens não lhe são favoráveis no Texas nem no Ohio, embora no Texas esteja cada vez mais próximo de Clinton. O debate de hoje à noite poderá ser decisivo.
JMCP