É PRECISO INVESTIGAR
Em Portugal nada acontece. Quando alguma coisa importante vem a lume, discute-se muito nesse dia e no seguinte, mas depois o assunto tende a ficar esquecido. E quem prevarica com alguma arte já conta com isso. Sabe que com meia-mentira aqui e com meia-verdade acolá acaba por se aguentar.
Por outro lado, a imprensa não tem o instinto dos grandes boxeurs. Em vez de se circunscrever ao ponto fraco e de não sair de lá até alcançar o KO, tende a dispersar-se numa miríade de ataques menores que permitem ao atacado responder e recuperar do ataque principal.
É um pouco assim que as coisas se têm passado na política e muito provavelmente assim continuarão a passar-se. E todavia os documentos trazidos a público pelo Sol na sexta-feira passada permitiam concentrar as “atenções” em dois ou três pontos fundamentais.
Em primeiro lugar, sobre os despachos do Procurador Geral da República. Ficou claro depois das revelações do Sol que, para além dos elementos decorrentes das escutas Vara/Sócrates, há outros elementos no processo “Face Oculta” que indiciam a hipótese de um crime de “Atentado contra o Estado de Direito”. Tanto os documentos apreendidos pelas investigações, como as conversas interceptadas entre arguidos daqueles processos ou entre arguidos e outras pessoas que não Sócrates, podem referir-se a factos que não são verdadeiros ou que não estão descritos com rigor, uma vez que tais documentos ou conversas envolvem, algumas vezes uma terceira pessoa, que não participa nas conversas nem na elaboração dos documentos. Mas a convergência de conversas no mesmo sentido exigiria, no mínimo, que houvesse uma investigação.
E sobre o que se passou não há dúvidas de nenhuma espécie: o PGR entendeu que tais factos não constituem indícios da prática do crime acima referido. E quanto a esta decisão também não resta qualquer dúvida de que o PGR errou. E trata-se de um erro grave, porque qualquer leigo percebe que os factos descritos indiciam a possibilidade daquele crime. O facto de se poder chegar à conclusão de que não houve crime não significa que a investigação se não faça. Porque somente fazendo-se se poderá saber se os indícios se confirmam ou não.
Logo, o PGR tem de se explicar muito melhor do que aquilo que já fez. E tem de se explicar perante a opinião pública e perante o Parlamento. Os deputados têm toda a legitimidade para quererem saber por que razão tais factos não foram investigados. A prossecução da acção penal não está na disponibilidade do Ministério Público. O MP tem a obrigação de a prosseguir sempre que nos termos da lei ela deva ser prosseguida.
Se a isto juntarmos as escutas das conversas entre Vara e Sócrates o assunto complica-se não tanto juridicamente, mas politicamente. E a razão é simples e baseia-se num raciocínio muito simples: se relativamente a factos que hoje são, em parte, do conhecimento público o PGR decidiu não investigar, quando o deveria ter feito, como poderemos nós saber se nas escutas daquelas conversas não há, pelo menos, factos tão relevantes quanto os anteriores? E esta é uma dúvida que nenhuma separação de poderes poderá dissipar. Porquê? Porque nós desconhecemos os factos sobre que recaiu o despacho do PGR…E, como já vimos, ele anteriormente enganou-se na qualificação jurídica de factos que mereceriam outra interpretação.
Diferente é a situação do presidente do STJ. Ao presidente do STJ não foi pedida uma qualificação jurídica dos factos, mas uma decisão sobre a validade jurídica das escutas. E embora se possa entender que o presidente do STJ não tinha que se pronunciar sobre a validade destas escutas, por não ser assunto da sua competência, ou entender que o assunto, sendo da sua competência, deveria ter tido uma resposta diametralmente oposta à que ele lhe deu, tem de se aceitar que ele possa ter uma posição diferente de qualquer das duas anteriormente referidas por se tratar de um assunto juridicamente muito controverso. De qualquer modo, é absolutamente necessário conhecer o despacho e a sua fundamentação.
Em segundo lugar, sobre o conhecimento ou desconhecimento dos negócios da PT por Sócrates. O Primeiro Ministro começou por dizer no Parlamento que não tinha conhecimento do negócio. Pelas escutas entretanto vindas a público logo se ficou a saber que Vara tinha achado aquela resposta deplorável. O PM nunca deveria ter proferido uma negativa tão rotunda nem tão ampla, como anteviu o avisado Vara.
Passado pouco tempo, logo que se tomou conhecimento da existência das escutas entre Vara e Sócrates começou a crescer o rumor de que elas versavam sobre aquele assunto. Mas era um simples rumor. Depois, à medida que se foram conhecendo mais pormenores do negócio, logo Sócrates se viu obrigado a matizar a sua posição, dando a entender que o Governo nada sabia e que ele como PM também não. A partir de sexta-feira passada ficou a saber-se, depois da transcrição de algumas escutas e de alguns documentos, que pessoas do inner circle político de Sócrates o davam não só como conhecedor do negócio, mas também como seu grande impulsionador.
Perante tais factos, Sócrates matizou ainda mais a sua posição e começou a dizer que oficialmente não sabia de nada, tendo a PT de certo modo corroborado essa posição. No entanto, percebeu-se depois que as datas invocadas por Sócrates e pela PT para comprovação do referido facto não coincidiam, o que levou o presidente da PT, confrontado com o assunto, a admitir que se tratou de um lapso da sua parte. Perante este sucessiva conformação de factos a um evento cujos reais contornos se desconhecem, também não resta a menor dúvida de que o assunto não pode passar sem investigação política. E na investigação política do caso ninguém pode deixar de perguntar a que título conhecia Sócrates o que afirmou desconhecer? Particularmente? Mas alguém fala com Sócrates a título particular sobre um negócio destes?
5 comentários:
Não querendo ser politicamente correcto, mas reparo que está a fazer um grande comentário, com um raciocínio lógico, mas cuja base pode ser de "pés de barro", pois está a basear-se no que tem aparecido na imprensa.
Ora, o que tem aparecido na imprensa pode ser incompleto (com ou sem querer da imprensa), ou até forjado (pela imprensa ou por 3ª pessoa).
Já percebi que atribui grande grau de fidedignidade ao que tem aparecido na imprensa, mas olhe que não é a 1ª vez que a imprensa oculta provas porque estava ao serviço dos interesses particulares do patrão e dos amigos do patrão, em vez de procurar esclarecer tudo.
Noutras crónicas, escreveu que Mário Crespo parece ser especialmente subserviente para com alguns poderes. Será que não haverá mais Mários Crespos espalhados pela restante imprensa?
Atenção que eu não estou a dizer que não tenha ocorrido da maneira que a imprensa tem descrito. Mas será que a imprensa gera aquele grau de confiança para que estejamos a formular juízos sobre o que se passou baseado no que vem na imprensa?
Tudo isto tem a ver com o segredo de justiça e com o negócio em que se converteu a imprensa. O segredo de justiça, bem observado, gera uma vazio mediático e de notícias, coisa que a imprensa não gosta, e tende a preencher esse vazio, nem que seja com mentiras.
Não é estar a ser ingénuo, pois é bem possível que tenha ocorrido da maneira que a imprensa tem descrito, mas o princípio de comentar factos que estão em segredo de justiça não fica bem a ninguém, muito menos a quem tem formação académica na área do Direito.
Em primeiro lugar, os factos em questão não estão em segredo de justiça, porque, pelos vistos, sobre eles não há justiça nenhuma!
Em segundo lugar, não se pode aceitar a perversão do segredo de justiça. O segredo de justiça serve antes de tudo para defender a investigação. Subsidiariamente, acaba por também proteger os averiguados.
No caso em questão nenhum destes dois valores está a ser violado. não está a ser violado o primeiro, porque a investigação só ganha com o conhecimento dos factos que vieram a lume. E o segundo não merece neste caso protecção autónoma, já que os indícios que existem não se baseiam em inferências, mas em declarações.
Em teceiro lugar, a defesa do Estado de Direito fala mais alto. E, por último, a liberdade de imprensa sobrepõe-se, em princípio, aos demais direitos.
Por outras palvras, estou mais preocupado com o conteúdo dos factos, do que com a forma por que deles se tem conhecimento
O maior "crime" de Sócrates não foi o que fez ou pretendia fazer, o tal atentado ao "Estado de Direito", que, pelo que se diz, pretendia controlar as principais fontes de "problemas" na Comunicação Social. O "crime" foi como fez. Como espectador desta "cena" dou de barato os aspectos jurídicos (não digo que não sejam importantes), mais ou menos labirínticos. Para mim simples cidadão, sem conhecimento e também sem grande interesse nesses meandros técnicos, não tenho grandes dúvidas sobre a vontade do 1º Ministro conseguir aquele objectivo. Mas, já agora, qual foi o Governo que não controlou a comunicação Social? Lembram-se da RTP de Proença de Carvalho? E o Expresso? A sua linha editorial é pluralista, para além do seu verniz liberal? E o C.da Manhã de Victor Direito, lembram-se?. E, já agora, foi pluralista a entrega das licenças de TV por C.Silva? Há pouco vi no portal sapo qualquer coisa sobre o "encontro pela liberdade" entre M.Crespo e M.M.Guedes!!!! É defensável o conteúdo e a forma do "jornal de sexta" desta senhora?
Sócrates fez desastradamente o que todos têm feito. Quem se mete com a boyada de que ele se rodeou (de que é exemplo refinado o comissário que colocou na PT), por isso e por muito mais, não merece melhor. Mas ... Sócrates terá sempre um lugarzinho no coração da direita. O que ele fez por ela merece gratidão para a vida.
De acordo com o comentário anterior.
A diferença entre Socrates e os outros reaccionários como ele é que Sócrates é boçal e deixa as impressões digitais em todo o lado. Deixou-as agora, tal como na licenciatura, nas casinhas, no Freeport, na Cova da Beira, na casa da mãe, etc.
Ainda por cima, sendo como é, tinha que ter os amigos que tem : o Raposo da Amadora -atenção a este homem!-, Vara, Edite Estrela, Laurentino Dias, Silva Pereira, este atrasado mental da PT, o pateta do Penedos e tantos outros.
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