A PROPÓSITO DOS DESPACHOS DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA
Depois de ter lido o artigo de Freitas do Amaral na Visão desta semana sobre os despachos do Procurador Geral da República, indirectamente relacionados com o processo “Face Oculta”, dei voltas à cabeça para saber onde é que eu teria errado. É que não gosto de ter a companhia de Freitas do Amaral. Ele não é politicamente confiável, é pessoalmente volátil, e, mesmo juridicamente, está longe de satisfazer as minhas exigências na matéria. É certamente um estudioso esforçado, trabalhador, e isso são méritos que nem todos temos, mas falta-lhe claramente aquela inspiração, aquele golpe de asa, aquela “iskra” que ilumina o caminho de quem o lê ou de quem o ouve.
Por isso, voltei a ponderar se tudo o que aqui disse sobre os despachos do PGR se justificava. Desde a primeira hora que suspeitei, pelos comunicados que foram sendo publicados, que havia incoerência nos despachos e expus as minhas suspeitas. Depois, passei a exigir a sua publicidade, pelas razões que tenho vindo a expor e que nenhum dos argumentos aduzidos em contrário verdadeiramente contraria. Finalmente, pedi a intervenção do Parlamento, porque, como referi, a ele lhe cabe, em última instância, defender a separação de poderes.
Claro que Freitas do Amaral não diz bem o mesmo, mas isso é um problema dele, embora perfilhe uma conclusão aparentemente igual. Ele fala em acto político do PGR. Ora, como o PGR não tem competência para a prática de actos políticos no desempenho da investigação criminal (se é que a tem em qualquer outro domínio…), a questão que os despachos aparentemente levantam (pelo menos, enquanto não forem publicitados) só pode ser a da violação do princípio da separação de poderes.
Dito isto, acho que não vou mudar de opinião, apesar da companhia… Aliás, tenho outras, desde logo a do meu amigo VM, identificado, para evitar confusões, sem identificação, nos comentários deste blogue e que igualmente tem acompanhado esta matéria com comentários certeiros e pertinentes.
A propósito da intervenção do Parlamento, custa-me dizer, pelos vários amigos que lá tenho, que eu também pertenço ao número daqueles que não compreende a forma como os depoentes se dirigem, nas comissões para que são convocados, aos deputados, nem as reservas que muitas vezes exprimem para não se pronunciarem. Desde a arrogância de Belmiro de Azevedo, que marcou ele próprio a hora a que queria ser ouvido, até às palhaçadas do Crespo, passando pela petulância do Saraiva, já vimos de tudo um pouco. E o que vimos é inaceitável. Se a lei não permite aos deputados actuar de outra maneira, façam outra. Mas antes de a fazerem, por favor, estudem bem a matéria. Exemplos de “direito comparado” não faltam, a começar pelos Estados Unidos, Brasil, França…Mas não permitam que faltem ao respeito ao Parlamento como órgão máximo da soberania representativa!
Aditamento
Sem pretensões, mas por razões meramente pedagógicas. Freitas do Amaral começa o seu artigo da pior forma (e creio que não será tanto por desconhecimento jurídico - improvável - mas por ressentimento político - algo que só "eles" sabem porquê). Diz FA: "Houve ou não crime de atentado ao Estado de Direito? O PGR diz que não houve, porque faz uma interpretação restritiva do conceito..." É obvio que a questão não se pode colocar assim. Não sei o que o PGR disse, o que sei é que o PGR não tem qualquer competência para dizer se houve ou não crime. A competência do PGR limita-se o ordenar ou não a investigação por entender que houve ou não "indícios de crime". Portanto, se o PGR não pode dizer se houve ou não crime, menos ainda o poderá FA.
Certamente que nada disto impede que teoricamente se discutam os elementos constitutivos do crime de "Atentado ao Estado de direito" ou a interpretação deste tipo legal de crime. Mas não se podem confundir os dois planos, porque se não ainda se aumenta mais a confusão.
3 comentários:
Certamente que se lembra daqueles colegas de escola que, apesar do raciocínio errado, olhavam a prova do colega do lado e acertavam o resultado das contas, na esperança de que o professor verificasse apenas o final.
Não se preocupe. Nem sempre podemos escolher as companhias.
JR
Pois é, meu Caro JR:
A gente sabe do que fala...
Abraço
CP
O que terão feito ao Freitas (ou que não lhe terão feito) para ele se já se ter passado? Ele que até chegou a dizer que em espírito pertencia ao governo? Disse, mas não foi nesta legislatura, foi na anterior. Daí a sua coerência: ele nunca apoiou este governo. Apenas, o anterior. E depois digam-me que ele não tem "iskra"!
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