A DEFESA E A CONQUISTA
DE POSIÇÕES GEOESTRATÉGICAS
A Ucrânia, mesmo antes da URSS, já era um ponto nevrálgico da
Europa. Se muitos não deixam de sublinhar que a velha Rússia nasceu na Ucrânia,
em Kiev, também não é menos verdade que durante fases importantes da sua história,
nomeadamente durante o domínio territorial dos latifundiários polacos e lituanos,
se aproximou da Europa de leste, que se opunha os russos e ao expansionismo do
Império czarista para Ocidente, acabando, todavia, por ser os cossacos, que se
rebelaram contra a servidão polaca, a restituir a Ucrânia ao seio da “mãe”
Rússia, com excepção da Galícia que, na partição da Polónia do séc. XVII, ficou
para o Império Austro-Húngaro até ao fim da Primeira Guerra Mundial. A
fracassada intervenção soviética na Polónia, logo depois da vitória da
Revolução, acabou por ditar uma nova partilha do que é hoje o território ucraniano:
a parte Ocidental foi incorporada na Polónia, tendo o centro e o leste
constituído a República Socialista Soviética Ucraniana, integrada, em 1922, na
URSS.
Foi na Ucrânia que os “brancos” travaram as principais
batalhas contra os “vermelhos” na sequência da eclosão da Revolução de Outubro
e foi também na Ucrânia (e no Cáucaso) que as potências da Europa ocidental mais tentaram
combater a revolução bolchevista.
Assegurada a vitória das forças revolucionárias, foi na Ucrânia
que a batalha económica pelo domínio da terra foi mais brutal e mais trágica e
voltou a ser na Ucrânia, um pouco mais de uma dezena de anos depois, que Hitler
depositou as maiores esperanças na derrota da URSS. O colaboracionismo
ucraniano, nomeadamente da Ucrânia ocidental, constituía para os alemães um
exemplo que esperavam ver seguido em todo Cáucaso e mesmo nas zonas mais remotas
da parte europeia da URSS, principalmente no sul do Volga.
A brutalidade nazi e a incapacidade de os alemães se
relacionarem com os povos do leste, a não ser como “untermenschen”, impediram que aquela política fosse posta em prática com um mínimo de credibilidade. O colaboracionismo, apesar de extenso em determinadas zonas ocidentais, não era minimamente credível.
Estaline, ciente do importante papel geoestratégico que a
Ucrânia desempenhava para a URSS, não teve dúvidas em exigir nas negociações
com os aliados, o deslocamento das suas fronteiras para ocidente, sendo a
Polónia compensada, também a ocidente e à custa das fronteiras da Alemanha, com
um território sensivelmente idêntico ao perdido a leste.
Mais tarde o optimismo voluntarista de Krutschev na
fidelidade da Ucrânia aos ideais do socialismo foi ao ponto de, num rearranjo
de fronteiras entre os Estados que compunham a URSS, lhe ter atribuído a
península da Crimeia!
A verdade é que mal a URSS “desabou” e a Ucrânia – que sempre
teve assento na ONU, juntamente com a Bielorrússia – declarou a sua
independência, logo as “operações de charme” do ocidente recomeçaram. A
primeira e mais aparatosa, de que pouca gente já hoje se recorda, ocorreu, em 1992, em Washington, tendo como pretexto a segurança das centrais
nucleares ucranianas. Meio mundo – ou mais – foi convidado para participar
nessa conferência cujo objectivo era demonstrar a grande boa vontade com que o
Ocidente se propunha ajudar a Ucrânia num domínio particularmente sensível.
Depois aconteceu o que se sabe: acentuaram-se na Ucrânia as
divisões entre o ocidente, mais próximo da Polónia e sempre sob o olhar atento
da Alemanha, e o leste muito mais chegado à Rússia. Os americanos chegaram
mesmo a ter um presidente da Ucrânia com nacionalidade americana – como, de resto,
aconteceu noutros ex-Estados da URSS – e a Ucrânia esteve a um passo de
integrar a NATO e chegou mesmo a “fazer o estágio” para tentar integrar a União
Europeia.
A firme oposição da Rússia de Putin, o termo do mandato de
George W. Bush, a eleição de Obama e a vitória de Viktor Ianukovicht
desencorajaram os ânimos “integradores” do Ocidente e amorteceram o
“colaboracionismo” ucraniano.
A União Europeia, todavia, não desistiu. Numa jogada
geoestratégica de grande envergadura negociou com a Ucrânia um Tratado de
associação que lhe permitiria dominar economicamente o mais importante
território da Europa de leste a troco das conhecidas “ajudas” de integração, que são, como se
sabe, o preço que a UE está disposta a pagar para aniquilar o aparelho
produtivo dos novos aderentes ou associados.
Acontece que a Rússia, parcialmente restaurada na sua força e
beneficiando do relativo abrandamento do expansionismo
americano a leste, ergueu a voz, ameaçou economicamente a Ucrânia e exigiu a retractação
do acordo já negociado com Bruxelas, pronto, ao que parece, para ser assinado
na cimeira de Vilnius.
Esta jogada da União Europeia tem a sua face mais visível nos
esforços voluntaristas da Polónia, da Lituânia e da Suécia, mas só um cego não
vê que este a grande movimento em direcção ao leste tem a matriz política da
Alemanha. Se saísse vitorioso, permitiria restaurar, em paz através da dominação
económica, o que a bestialidade nazi tentou, sem êxito, à força.
Em conclusão: noutros tempos, não muito recuados, a defesa ou
a conquista de posições geoestratégicas importantes na Europa poderia ser muito
vantajosa para milhões e milhões de pessoas que apenas vivem do seu trabalho. Hoje,
tudo isto não passa de um confronto entre oligarcas que enriqueceram à custa de
um dos roubos mais descarados da História e o capital plutocrático que não pára
de se expandir à custa do esmagamento dos salários, da precariedade do trabalho
e da limitação, primeiro, e, quando possível, extinção dos direitos sociais. Esta
“guerra”, portanto, não é nossa, embora, em última instância, seja preferível
tê-los separados e conflituantes do que unidos sob o domínio de um deles.