quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A GRANDE ESCALADA MAL COMEÇOU



 
SE NADA FIZERMOS O PIOR ESTARÁ PARA VIR
 
 
Só mesmos os ingénuos e, digamo-lo abertamente, os ignorantes poderiam supor que o FMI representaria no seio da Troika o parceiro mais estimável daquela famigerada tríade. O FMI, pelo contrário, é o líder ideológico da escalada neoliberal em curso desde meados da década de oitenta do século passado e que somente estabilizará quando destruir não apenas o Estado social, bem como os direitos laborais, culturais e sociais que lhe estão associados, mas também o Estado de direito na concepção com que hoje é entendido nas democracias representativas de tipo ocidental.
Pelas razões que a seguir se desenvolverão, em épocas de crise – e é sempre em épocas de crise que o FMI desfere os seus pérfidos e letais ataques - o ataque ao Estado social é mais fácil de levar a cabo do que o ataque descarado ao Estado de direito, embora seja neste duplo sentido que já se caminha, mais ou menos abertamente, nos países menos desenvolvidos do grupo dos mais desenvolvidos, afectados pelas crise, como é o caso da Grécia, de Portugal e da Irlanda, que estão desempenhando relativamente àquele grande objectivo um papel de cobaias muito semelhante (no sentido de equivalente) ao que, no século passado, os países subdesenvolvidos da África e da Ásia e mais tarde da América Latina desempenharam no lançamento da sociedade neoliberal globalizada dos nossos dias. Também nestes o FMI actuou, sob a direcção do capital financeiro, com o apoio das grandes organizações internacionais, não apenas as de natureza económica, a partir de uma situação de crise – crise da dívida criada, tal como a actual, pelo capital financeiro.
O ataque ao Estado social, com o objectivo único de transferir para a empresa privada, isto é, para o lucro, as funções agora desempenhadas pelo Estado nos domínios da educação, da saúde e da segurança social, vem sendo feito com recurso a argumentos demagógicos que a situação de crise torna susceptíveis de colher o apoio, se não mesmo o aplauso, de camadas da população cujos interesses, aparentemente, não estão cobertos por aquela acção protectora ou que se julgam perdedoras por lhes ser exigida uma contribuição superior às vantagens e benefícios que dela retiram. Simultaneamente, e com o mesmo objectivo, ao desferimento deste ataque contra as funções do Estado assiste-se a uma escalada contra os direitos laborais, sociais, económicos e culturais das classes trabalhadoras, ou mais genericamente, dos trabalhadores por conta de outrem, com vista a desonerar o Estado do pagamento de despesas cujos recursos serão integralmente transferidos para o capital privado, principalmente para o capital financeiro.
Em poucas palavras é este, para começar, o projecto que o FMI tentará pôr em prática em Portugal para “refundar o Estado”.
Mas o ataque neoliberal não se fica por aqui. É preciso também destruir o Estado de direito nalgumas das manifestações mais eminentes dos princípios que dele decorrem. É neste sentido que devem ser interpretadas as intervenções dos “novos fascistas” (terminologia que doravante utilizaremos para caracterizar os corifeus deste ataque bem como os seus apaniguados e que um dia tentaremos fundamentar teoricamente para que o termo não pareça uma simples aberração retórica) contra a Constituição, relativamente a questões que nada tem a ver com o Estado social, nomeadamente a propósito da eventual ou hipotética declaração de inconstitucionalidade de normas orçamentais.
Quando se ataca a previsível fundamentação do Tribunal Constitucional e simultaneamente se afirma que o país não pode viver com esta Constituição, o que no fundo se quer dizer é que o princípio da igualdade, o princípio da protecção da confiança dos cidadãos e da segurança jurídica, o princípio da proibição do excesso e o princípio da proporcionalidade, entre outros, devem ser banidos da Constituição. O que os novos fascistas pretendem é que, sob a sua égide, haja um poder sem barreiras, prepotente e incontrolável.
Claro que isto não pode ser feito nem defendido com a boçalidade com que os novos fascistas têm atacado a Constituição neste plano. Primeiramente há-de alguém começar por dizer que o conceito de Estado de direito não é um conceito estático nem pode ficar cristalizado no tempo. Que foi um conceito elaborado pela doutrina numa época em que o Estado desempenhava funções muito distintas das que desempenha hoje (supondo que entretanto já foi mandado para o caixote do lixo o Estado social) e que, portanto, os princípios que o enformam embora continuem os mesmos têm de ser adaptados na sua interpretação e aplicação aos novos tempos. E mais isto e mais aquilo e depois lá estarão, como sempre, os juristas para fazer o resto ou não fossem eles historicamente os grandes sacerdotes do poder ideológico – o poder que dá consistência e confere estabilidade aos poderes económico e político.
É isto uma fatalidade? Seguramente não, apesar de esse ser o programa em vias de concretização do poder económico. A luta vai ser muita dura e muito vai depender da posição que o PS assumir. Se o PS/UGT do Proença e de tantos outros dirigentes socialistas mantiver o posicionamento político que têm tido desde que começou a crise tudo será mais difícil. Infelizmente, a experiência diz-nos que só marginalmente se poderá contar com o PS para este combate. Mas isso não significa que ele esteja à partida perdido.
A vitória dos novos fascistas vai depender muito de nós, da maior parte de nós...


6 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Lúcida análise. Partilhei no FaceBook

Anónimo disse...

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra! Quem não pensa como V. é obrigatoriamente "novo fascista", ou ignorante ou ingénuo ? PF coma sabão amarelo ao pequeno almoço, e verá como melhora o seu radicalismo !!!!

Anónimo disse...

De facto, no final de cada noite de procura de luz ao fundo do túnel, aparece-nos, em vez desta, mais uma machadada de breu desta máfia que, enquanto respirarmos, nos irá tentando fazer pagar pelo ar inspirado.
De novo a velha receita da função pública e do corte nas pensões públicas. Ainda não tiveram coragem, mas não deve faltar muito, para receitarem uma espécie de vacina para que reformados e funcionários públicos diminuam drasticamente a esperança de vida.
E aí estão os comentadores de serviço – todos eles do sector privado -, de forma mais ou menos dissimulada, aplaudindo a receita.
Falemos claro.
Vamos à segurança social que, segundo esses mesmos arautos, vai atingir rapidamente a insustentabilidade devido às gordas reformas dos pensionistas da função pública.
É certo que, na CGA, há pensões exageradas, principalmente de políticos e ex-altos dirigentes que deram um jeitinho de as conseguir. Concordo que há aqui coisas a ajustar. Concordo que 35 horas de trabalho é pouco e que não se justifica discriminação favorável face ao privado.
Mas… falemos do sector privado?
No caso da segurança social, será que neste sector a contribuição para a segurança social é proporcional ao que o trabalhador recebe e a entidade patronal paga?
Façamos contas:
- o carrinho de serviço com combustível pago, desconta para a segurança social?
- o carrinho de serviço para a esposa, filho, cão e gato, com despesas suportadas pela empresa do papá, desconta para alguma coisa?
- as compritas no supermercado, de bens para consumir em casa, com facturazinha em nome da empresa, onde entra como rendimento que individual que, de facto, é?
Isto para não falar nos célebres envelopes de final de ano que todos conhecemos e só alguns recebem.
- quantos carrinhos de serviços e cartões de crédito há numa EDP, GALP, ZON, MEO, todos os bancos, seguradoras, concessionárias de automóveis, construtoras, etc., etc., etc.,?
E as férias pagas? Quem não conhece as férias que, entre outros, os bancos pagam aos seus funcionários e cônjuges? Não é tudo isto uma forte componente salarial? De que forma se reflecte na contribuição do trabalhador e da empresa para a segurança social?
E as pré-reformas dos bancos? Quantos funcionários bancários e de seguradoras se reformaram antes dos 50 anos com salário por inteiro? Eu conheço alguns.
Gostaria de saber quantos dos comentadores de serviço não têm carrito de serviço, com combustível pago, entre outras regalias.
Quem paga tudo isto? Onde se reflectem estes custos? Obviamente na formação para cima dos preços que todos pagamos, e na formação, para baixo, das contribuições para a segurança social.
Não beneficiam esses mesmos trabalhadores, da saúde pública, da segurança pública, do ensino público e de tudo o que é público e que todos pagamos? E quando têm serviços próprios, nomeadamente de saúde (vide o caso dos bancários), onde se reflectem esses custos?
Não será correcto que cada um contribua em função da sua capacidade contributiva, para um serviço público de todos?
Os dados estão viciados e a palavra só é dada as quem beneficia do vício.
Mas são esses mesmos que agora, e sempre que lhes é possível, advogam a exterminação dos funcionários públicos que, se estão aflitos:
- por motivos de saúde, recorrem… os médicos funcionários públicos;
- por motivos de segurança, recorrem… aos polícias funcionários públicos;
- por motivos de justiça, recorrem … aos juízes funcionários públicos.
Como facilmente se percebe, a lista é enorme e não me vou alongar.

Chega de tentar tornar a função pública e os seus trabalhadores no bode expiatório de todos os males e no remédio para todas as curas e, nomeadamente, para esconder desmandes de políticos e exageradas regalias que proliferam no privado, as quais, de uma forma ou de outra, todos pagamos.

JR

JM Correia Pinto disse...

Vamos lá responder a mais um anónimo que não se considera ignorante nem novo fascista. Mas não basta afirmá-lo para que não se seja uma coisa nem outra, assim como não basta recomendar sabão amarelo (já agora vermelho!) para catalogar o adversário de radical, brandindo o adjectivo com a mesma intenção com que na Idade Média se colocavam chocalhos nos leprosos: ou seja para os afastar do convívio social, agora para os marginalizar na discussão de soluções para os problemas do nosso tempo. A técnica é a mesma e a táctica também: a prevalência do obscurantismo que impede as pessoas de ver as coisas como elas são.
De facto, o nosso comentador não percebe ou não quer perceber que um poder sem freios é hoje o mais que os fascistas podem aspirar em termos de poder político? Eles sabem que ainda não tem condições para dispensar eleições, mas sabem que as eleições, embora vitais em democracia, podem com relativa facilidade, nos tempos que correm, transformar-se numa farsa no duplo sentido do termo: uma farsa porque ganha quem tem pelo seu lado todos os meios de condicionamento da opinião pública (o chamado aparelho ideológico que não se cansa de mandar “comer sabão amarelo” a quem desalinha do pensamento oficial) e uma farsa porque entre o que se promete e o que depois se faz não há qualquer coincidência nem qualquer possibilidade prática de fazer esse controlo. Uma farsa ainda porque na maior parte dos países o Parlamento está sob tutela do executivo...
Enfim, os patetas e os ignorantes desconhecem isto, mas os novos fascistas não!

jvcosta disse...

Meu caro, não sei bem se partilharei contigo o uso deste apodo "novos fascistas". É verdade que estamos em presença de uma nova direita, qualitativamente diferente daquelas que temos visto nas últimas décadas, incluindo o CDS. E até todos os boys Goldman-Sachs têm ido é para o PSD, muito mais albergue espanhol do que o CDS, honra valha a este.

São os prosélitos fanáticos de uma religião que faz cerimónia-mor em Davos, enquanto manobra diariamente nas sacristias dos bancos e nas cúrias episcopais dos bancos e das burocracias financeiras internacionais e mandfa missionários estilo meninos de Deus nas troikas que nos invadem.

Não há dúvida de que tens razão em caracterizá-los teoricamente como (novos) fascistas. Têm uma ideologia totalitária, total subvalorização de um povo concreto em relação a um "ente social" abstrato portador de um destino histórico (neste caso, agora, uma camada superior de grandes do capital financeiro, seguida de uma camada de tecnocratas serventuários que eles próprios personificam). Já não encenam o domínio das massas mas fazem-no de forma subtil, manipulando a opinião pública.

Simplesmente, isto remete-nos para uma velha questão teórica: o salazarismo foi uma forma de fascismo? Julgo que sim, talvez na versão de Graciliano, "o nosso pequenino fascismo tupinmambá".

Mas como os historiadores modernos, mesmo os de esquerda, para não falar de Rui Ramos, Filipe Ribeiro Menezes e outros revisionistas, fazem guerra em "desconfundir" salazarismo e fascismo, com algum sucesso, acho que não devemos dar cera para tão ruim defunto.

Lembrei-me de que toda a gente que perfilha uma ideologia socialista é apodado de socialista. A identificação é ideológica e política. Pelo contrário, e os nossos clássicos têm alguma culpa, o termo capitalista refere-se à propriedade e à classe, sem conotação ideológica imediata. Já é tempo de acabar isto, até porque a figura típica do capitalista já se diluiu até certo ponto.

Portanto, capitalista tanto deve servir para designar o detentor de capital como o que defende o capitalismo como a ordem social que deseja. Claro que há muitos graus. Assim, para Gaspares, Moedas, Borges, Barroso, só para dar exemplo de lusofalantes, proponho "ultracapitalistas". Fica de fora Passos Coelho, noutra categoria, a dos "tontocapitalistas".

JM Correia Pinto disse...

Meu Caro João

O conceito de novos fascistas não radica no desenvolvimento do conceito originário (e ele existe com coerência teórica?) do fascismo italiano.
O fascismo italiano apesar de alguns elementos identificadores facilmente enunciáveis por qualquer historiador como, por exemplo, a existência de um chefe carismático, do corporativismo, do nacionalismo exacerbado, da rejeição da democracia parlamentar, do imperialismo, não se pode dizer que tenha tido o que se possa chamar uma filosofia própria. É uma ideologia na sua prática repleta de contradições sem que, contudo, aqueles elementos identificadores deixassem de estar presentes sempre.
É claro que o que existiu em Portugal não foi bem isto (e a Irene Pimentel caracteriza como ninguém a ditadura salazarista), nem mesmo em Espanha, nem noutros países da Europa. Já o nazismo, pelo contrário, não estando isento de contradições que se acentuaram à medida que a própria Alemanha nazi ia claudicando, era uma ideologia muito mais coerente assente numa concepção teórica (filosófica) que os seus dirigentes se esforçavam por levar à prática sem contemplações.
Entretanto o conceito de fascismo foi evoluindo a ponto de se ter tornado pejorativo a partir da derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial.
É com essa carga pejorativa de apropriação do poder e seu exercício incontrolado por uma camada social que foi ao longo destes últimos setenta anos servindo vários interesses, embora sempre com predomínio dos grandes interesses capitalistas, que o conceito pode hoje ter alguma utilidade nas condições concretas do nosso tempo e da crise que vivemos.
Certamente que toda essa gente que referiste é “ultra-capitalista”, embora este conceito deixe pressupor que o capitalismo possa ser algo diferente do que realmente é por livre decisão ou opção dos titulares dos meios de produção. Não pode: o capitalismo é isto que hoje temos como já foi isto até à I Guerra Mundial (actualmente com hegemonia do capital financeiro, então com hegemonia do capital industrial) e só não o foi exactamente quando o proletariado teve a força suficiente para o impedir. Por outras palavras: todo o capitalismo é, por definição, ultra.
Mas, independentemente destas considerações, o conceito de “ultra-capitalistas” não é, ou não é suficientemente, pejorativo nem mobilizador. Mais acertado seria chama-lhes neoliberais, mas isso também não implica a rejeição automática do projecto que defendem, enquanto o conceito de “novos-fascistas” faz apelo a múltiplas reminiscências entre as quais uma que cada vez se torna mais evidente: a existência de uma camarilha que, à revelia do tecido social existente e com total desprezo pelas suas consequências sociais, tem em vista a execução de um projecto contrário aos interesses da larga maioria, advogando para a sua concretização o exercício incontrolado do poder sem qualquer preocupação de legitimação.