A CHANTAGEM DOS
BANQUEIROS
O Governo festejou com tal entusiasmo o “regresso aos
mercados”, ou seja, aos empréstimos, que quem estivesse menos atento até era
capaz de supor que o país alcançou uma vitória capaz de alterar do dia para a
noite a vida dos portugueses. E, todavia, não é nada disso o que se passa. Nada
de muito diferente vai acontecer - e o
que acontecer até será para pior - se a
actual política não for radicalmente alterada.
Este “regresso aos mercados” de um país mergulhado numa
espiral recessiva, com quase um milhão de desempregados, com milhares de
falências anunciadas para juntar aos milhares que já tiveram lugar e com taxas
de decrescimento económico cada vez mais assustadoras, tanto no ano que passou
como no que agora começa, também serve para demonstrar quão irracionais são
esses ditos “mercados”. É certo que eles têm o lamiré deixado pelo BCE de que
aceita, mediante o cumprimento de certas condições, garantir, em última instância,
os títulos da dívida pública dos Estados da zona euro. E é também óbvio que a
quantia hoje arrecadada constitui uma gotícula quando comparada com a
capacidade de “absorção” do BCE, mas nem por isso deixa de ser óbvio que um
país que está a decrescer economicamente e que praticamente não cresceu nos últimos
doze anos jamais terá capacidade para pagar uma dívida que atingirá durante os
próximos dez anos números incomportáveis.
E esse é que é o grave problema de Portugal. Ir aos “mercados”
mas continuar a agravar as condições de vida dos portugueses pode ser muito
sedutor para os bancos mas não será certamente a solução que o país espera.
Dizem os apoiantes do Governo que este é o primeiro passo
para uma inversão da situação. Nada na política do Governo aponta nesse
sentido. Pelo contrário, tudo vai no sentido de um maior agravamento das
condições de vida dos portugueses resultante de milhares de despendimentos
anunciados na função pública, de novos cortes nos salários e nas pensões, de
drásticas reduções no serviço nacional de saúde e no ensino, bem como nas
prestações sociais. Ora nada disto constitui uma vitória dos portugueses, como
eles agora dizem. É uma derrota, uma grande derrota, que exige uma desforra à
altura.
Esta política é a política dos banqueiros e dos credores. Não
é seguramente a política que interessa ao comum das pessoas. Prova disso é o
entusiasmo que o FMI não é capaz de disfarçar ao analisar o que se passa em
Portugal e nos demais países em crise quando, apesar do desemprego, da recessão e das suas graves repercussões sobre a generalidade das pessoas comuns, deixa
escapar o seu contentamento dizendo que o optimismo paira no ar como o
demonstram os mercados financeiros. Sim, é isso mesmo: foram os “mercados” que
geraram a crise e foram esses mesmos mercados financeiros que mais lucraram com
ela, ficando em consequência dela numa situação nunca antes acontecida na
história do capitalismo - mais ricos, mais poderosos, mais dominadores do que
antes. Antes, as crises do capitalismo arrastavam para a falência as empresas
que as causavam ou obrigavam-nas um a um longo período de recuperação. Hoje,
dada a hegemonia do capital financeiro e o seu completo domínio sobre o
aparelho de Estado, acabam por ser os contribuintes a restaurar e a fortalecer
ainda mais as empresas financeiras mediante transferências brutais de
rendimentos do trabalho para o capital financeiro.
Depois da satisfação que o FMI não conseguiu esconder, nada
melhor para avaliar o contentamento deste “regresso aos mercados” do que as
declarações sincronizadas dos banqueiros portugueses. Desde Mira Amaral, cujo
banco que dirige foi recentemente prendado pelo Estado com um negócio de favor,
passando pelo BANIF e pelo BCP, até ao Espírito Santo de Salgado todos eles vieram
pôr “o povo em guarda” contra qualquer hipótese de crise política. Ou seja,
vieram chantagear os portugueses deixando pairar a ideia de que uma crise
política acarretaria consequências terríveis para o seu futuro.
Esta crise e este tempo que vivemos são muito diferentes de
todos os demais. É uma crise que não se resolverá com pequenas medidas nem com
retoques de circunstância. Este constante aprofundamento do fosso entre uma
ínfima minoria que arrecada a maior parte do produto e a esmagadora maioria que
vê, a todos os níveis, continuamente degradada a sua situação só se resolve com
mudanças profundas que atinjam o centro do poder económico. Impossível? Também
era impossível acabar com o absolutismo real na Europa e acabou-se. Também era
impossível acabar com o nazismo na Alemanha ou, mais impossível ainda, derrotar
Hitler e derrotou-se. E os exemplos poderiam multiplicar-se.
Esta crescente desigualdade que o moderno capitalismo
financeiro e o neoliberalismo vêm consolidando desde há mais de trinta anos
encerra em si e nas suas múltiplas consequências todas as condições para gerar
profundas convulsões sociais nos países desenvolvidos. A situação económica da
imensa maioria está continuamente a agravar-se na América, tem-se agravado
imenso nos países periféricos da Europa e acabará também por atingir os mais
ricos, como já está a acontecer no Reino Unido. A “machadada” que, de uma forma
ou de outra, todos eles se preparam para dar no Estado Social – que é o
essencial do pacto que tem assegurado a paz interna e evitado a confrontação
entre os países – vai necessariamente gerar consequências que "eles" supõem
estar em condições de evitar. Mas não estarão. É certo que tudo isto leva tempo a
interiorizar, mas depois de a mecha pegar fogo ninguém mais o vai conseguir
extinguir.
2 comentários:
Como sempre, uma excelente análise.
O capital já não é o que era: o capital financeiro, tantas vezes no passado utilizado pelos Estados para refrear as crises económicas desencadeadas pelo capital industrial, deixou de cumprir essa função. Ao invés, hoje é o capital financeiro que domina os Estados e as suas políticas. O resultado está à vista.
Esta questão da separação entre o capital financeiro e o capital industrial - muito polémica para alguns, porque para eles tal divisão pressupõe a consideração da existência de um capital mau (especulativo) e de um capital bom (produtivo), quando a frente de luta, deveria ser aberta a todas as manifestações de capitalismo - e o facto de os estados terem perdido a mão no capital financeiro, é o cerne, a meu ver, da crise que atravessamos.
O capital financeiro escapou ao jugo dos Estados e são hoje os Estados que estão sob o seu jugo.
É que a jurisdição dos Estados está limitada às suas fronteiras territoriais, mas a jurisdição do capital financeiro transcende a as fronteiras dos Estados e alarga-se ao planeta inteiro. Globaliza-se. E quanto a isto, os Estados isoladamente, nada podem fazer. Vence o capitalista financeiro, sem rosto (embora alguns sejam famosos).
No insuspeito ´The Guardian´´:"An unholy matrimony between finance and politics has undermined democracy"
lg
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