quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O REGRESSO AOS MERCADOS


 

A CHANTAGEM DOS BANQUEIROS

 

O Governo festejou com tal entusiasmo o “regresso aos mercados”, ou seja, aos empréstimos, que quem estivesse menos atento até era capaz de supor que o país alcançou uma vitória capaz de alterar do dia para a noite a vida dos portugueses. E, todavia, não é nada disso o que se passa. Nada de muito diferente vai acontecer -  e o que acontecer até será para pior -  se a actual política não for radicalmente alterada.

Este “regresso aos mercados” de um país mergulhado numa espiral recessiva, com quase um milhão de desempregados, com milhares de falências anunciadas para juntar aos milhares que já tiveram lugar e com taxas de decrescimento económico cada vez mais assustadoras, tanto no ano que passou como no que agora começa, também serve para demonstrar quão irracionais são esses ditos “mercados”. É certo que eles têm o lamiré deixado pelo BCE de que aceita, mediante o cumprimento de certas condições, garantir, em última instância, os títulos da dívida pública dos Estados da zona euro. E é também óbvio que a quantia hoje arrecadada constitui uma gotícula quando comparada com a capacidade de “absorção” do BCE, mas nem por isso deixa de ser óbvio que um país que está a decrescer economicamente e que praticamente não cresceu nos últimos doze anos jamais terá capacidade para pagar uma dívida que atingirá durante os próximos dez anos números incomportáveis.

E esse é que é o grave problema de Portugal. Ir aos “mercados” mas continuar a agravar as condições de vida dos portugueses pode ser muito sedutor para os bancos mas não será certamente a solução que o país espera.

Dizem os apoiantes do Governo que este é o primeiro passo para uma inversão da situação. Nada na política do Governo aponta nesse sentido. Pelo contrário, tudo vai no sentido de um maior agravamento das condições de vida dos portugueses resultante de milhares de despendimentos anunciados na função pública, de novos cortes nos salários e nas pensões, de drásticas reduções no serviço nacional de saúde e no ensino, bem como nas prestações sociais. Ora nada disto constitui uma vitória dos portugueses, como eles agora dizem. É uma derrota, uma grande derrota, que exige uma desforra à altura. 

Esta política é a política dos banqueiros e dos credores. Não é seguramente a política que interessa ao comum das pessoas. Prova disso é o entusiasmo que o FMI não é capaz de disfarçar ao analisar o que se passa em Portugal e nos demais países em crise quando, apesar do desemprego, da recessão e das suas graves repercussões sobre a generalidade das pessoas comuns, deixa escapar o seu contentamento dizendo que o optimismo paira no ar como o demonstram os mercados financeiros. Sim, é isso mesmo: foram os “mercados” que geraram a crise e foram esses mesmos mercados financeiros que mais lucraram com ela, ficando em consequência dela numa situação nunca antes acontecida na história do capitalismo - mais ricos, mais poderosos, mais dominadores do que antes. Antes, as crises do capitalismo arrastavam para a falência as empresas que as causavam ou obrigavam-nas um a um longo período de recuperação. Hoje, dada a hegemonia do capital financeiro e o seu completo domínio sobre o aparelho de Estado, acabam por ser os contribuintes a restaurar e a fortalecer ainda mais as empresas financeiras mediante transferências brutais de rendimentos do trabalho para o capital financeiro. 

Depois da satisfação que o FMI não conseguiu esconder, nada melhor para avaliar o contentamento deste “regresso aos mercados” do que as declarações sincronizadas dos banqueiros portugueses. Desde Mira Amaral, cujo banco que dirige foi recentemente prendado pelo Estado com um negócio de favor, passando pelo BANIF e pelo BCP, até ao Espírito Santo de Salgado todos eles vieram pôr “o povo em guarda” contra qualquer hipótese de crise política. Ou seja, vieram chantagear os portugueses deixando pairar a ideia de que uma crise política acarretaria consequências terríveis para o seu futuro.

Esta crise e este tempo que vivemos são muito diferentes de todos os demais. É uma crise que não se resolverá com pequenas medidas nem com retoques de circunstância. Este constante aprofundamento do fosso entre uma ínfima minoria que arrecada a maior parte do produto e a esmagadora maioria que vê, a todos os níveis, continuamente degradada a sua situação só se resolve com mudanças profundas que atinjam o centro do poder económico. Impossível? Também era impossível acabar com o absolutismo real na Europa e acabou-se. Também era impossível acabar com o nazismo na Alemanha ou, mais impossível ainda, derrotar Hitler e derrotou-se. E os exemplos poderiam multiplicar-se.

Esta crescente desigualdade que o moderno capitalismo financeiro e o neoliberalismo vêm consolidando desde há mais de trinta anos encerra em si e nas suas múltiplas consequências todas as condições para gerar profundas convulsões sociais nos países desenvolvidos. A situação económica da imensa maioria está continuamente a agravar-se na América, tem-se agravado imenso nos países periféricos da Europa e acabará também por atingir os mais ricos, como já está a acontecer no Reino Unido. A “machadada” que, de uma forma ou de outra, todos eles se preparam para dar no Estado Social – que é o essencial do pacto que tem assegurado a paz interna e evitado a confrontação entre os países – vai necessariamente gerar consequências que "eles" supõem estar em condições de evitar. Mas não estarão. É certo que tudo isto leva tempo a interiorizar, mas depois de a mecha pegar fogo ninguém mais o vai conseguir extinguir.

2 comentários:

AMCD disse...

Como sempre, uma excelente análise.

O capital já não é o que era: o capital financeiro, tantas vezes no passado utilizado pelos Estados para refrear as crises económicas desencadeadas pelo capital industrial, deixou de cumprir essa função. Ao invés, hoje é o capital financeiro que domina os Estados e as suas políticas. O resultado está à vista.

Esta questão da separação entre o capital financeiro e o capital industrial - muito polémica para alguns, porque para eles tal divisão pressupõe a consideração da existência de um capital mau (especulativo) e de um capital bom (produtivo), quando a frente de luta, deveria ser aberta a todas as manifestações de capitalismo - e o facto de os estados terem perdido a mão no capital financeiro, é o cerne, a meu ver, da crise que atravessamos.

O capital financeiro escapou ao jugo dos Estados e são hoje os Estados que estão sob o seu jugo.

É que a jurisdição dos Estados está limitada às suas fronteiras territoriais, mas a jurisdição do capital financeiro transcende a as fronteiras dos Estados e alarga-se ao planeta inteiro. Globaliza-se. E quanto a isto, os Estados isoladamente, nada podem fazer. Vence o capitalista financeiro, sem rosto (embora alguns sejam famosos).

Anónimo disse...

No insuspeito ´The Guardian´´:"An unholy matrimony between finance and politics has undermined democracy"
lg