quarta-feira, 26 de junho de 2013

BARROSO E OS FRANCESES


 

UNIÃO QUÊ?

O recente episódio que opôs Durão Barroso aos franceses, ou vice-versa, e o tipo de linguagem utilizada apenas servem para demonstrar que a dita União Europeia tal como utopicamente continua a ser considerada pelos nossos (e outros) europeístas não existe mais, tendo desde há anos degenerado numa nova forma de opressão sobre os mais fracos, que inadvertidamente entraram nessa aventura e hoje não sabem como sair dela, mesmo que sinceramente o desejem.

Toda a gente já percebeu que na dita União Europeia as regras deixaram de ser iguais para todos. As regras que hoje a regem devem favorecer, em primeira linha, a Alemanha e aquele pequeno núcleo de países tradicionalmente a ela ligados. Por razões puramente políticas, seguramente de natureza táctica, a Alemanha tende a juntar a este grupo a França, apesar de nenhuma razão puramente objectiva o justificar. De facto, a França defronta-se com problemas muito semelhantes aos da Espanha e da Itália, embora não decorrentes das mesmas causas, mas como a União Europeia sem a França deixaria de existir, a Alemanha sente necessidade de associar a França àquele núcleo, pelo menos enquanto ela própria não decidir algo de mais radical quanto ao seu relacionamento futuro com a “Europa”.

Depois há um segundo núcleo de Estados, no qual se integra a Espanha e a Itália, que tem um tratamento desigual no sentido de as medidas adoptadas relativamente a eles não serem decididas com o objectivo de resolver os seus problemas, como aconteceria se porventura fosse a Alemanha a debater-se com dificuldades, embora possam ser considerados num contexto que não ponha em causa o favorecimento dos mais fortes. Por outras palavras, os problemas da Itália e da Espanha podem ser atendidos contanto que não prejudiquem os interesses da Alemanha.

Finalmente, há um terceiro núcleo, no qual se inclui Portugal, a Grécia e outros, que não conta rigorosamente nada, cabendo aos respectivos Estados obedecer às políticas que lhes são impostas não apenas para prevenir o chamado “risco moral”, mas também como cobaias de uma experiência que secretamente se sonha generalizar, quaisquer que sejam as consequências que tal imposição acarreta.

Ora bem, no seio da Comissão, desde que esta mudança se começou a operar e a consolidar, deixaram também de contar as hierarquias que nela teoricamente existem, bem como as competências que os tratados lhe conferem. A gestão da dita União Europeia passou a ser de natureza puramente intergovernamental, sendo os membros da Comissão olhados como um simples prolongamento dos Estados de que são oriundos.

Se provêm do primeiro círculo de Estados têm poderes e são respeitados; se pertencem ao segundo, as suas opiniões podem eventualmente transformar-se em directivas se não atingirem os interesses da Alemanha ou as “linhas vermelhas” por ela estabelecidas nomeadamente em política monetária; se fazem parte do terceiro grupo não têm qualquer tipo de poder nem sequer exercem qualquer influência positiva ou moderadora sobre a acção das instituições europeias nos países que os indicaram, tendo como única forma de se fazerem ouvir o alinhamento acrítico com as posições da Alemanha.

É neste contexto de profunda degradação das instituições comunitárias que devem ser interpretadas as desavenças públicas entre Barroso e os Franceses, convindo acrescentar-se ao dito contexto o “jogo político” de Barroso com vista ao seu próximo futuro político.

Ou seja, a França nunca teria respondido a Barroso com a arrogância e a virulência com que o fez se ele fosse oriundo de um país do primeiro círculo ou mesmo do segundo, nem Barroso teria invectivado os franceses nos termos em que o fez se não estivesse consciente da degradação das instituições europeias e não estivesse exactamente por essa razão já a tratar noutro lado do seu futuro político.

A “Europa” que hoje temos é isto mesmo que todos vemos. Não adianta estar agora a encontrar bodes expiatórios que possam ser responsabilizados pela situação a que se chegou. Responsáveis são todos. Todos os que na Europa transformaram a União Europeia numa entidade que esqueceu as pessoas para atender aos mercados, numa entidade que luta contra os direitos conquistados pelas massas trabalhadoras para aumentar descaradamente o lucro do capital e que acima de tudo defende o grande capital com prevalência do capital financeiro para cuja salvaguarda e consolidação se orientam, no presente momento, todas as políticas e se exigem todos os sacrifícios.

terça-feira, 25 de junho de 2013

TRAIÇÃO OU AFIRMAÇÃO DE CIDADANIA?


 

EM DEFESA DOS QUE LUTAM PELA DEMOCRACIA

A segurança nacional levada ao extremo põe em causa a segurança dos outros Estados e acaba por violar frequentemente os direitos dos próprios nacionais. Se todos os Estados prosseguissem obsessivamente a segurança nacional, de modo a que cada um se sentisse cem por cento seguro, os conflitos multiplicar-se-iam e o mundo viveria em permanente estado de guerra.

Felizmente, tal não acontece embora não necessariamente pelas melhores razões. A obsessão pela segurança muito comum à generalidade dos Estados só não assume as proporções que tornariam insuportável a vida à superfície da terra por razões financeiras. De facto, nem todos os Estados têm meios para garantir tão completamente quando possível a sua segurança, mas quando têm, como acontece com as grandes potências, a obsessão pela segurança nacional constitui um perigo permanente para paz internacional. Mas não só: essa obsessão acaba também por violar frequentemente, e nos tempos que correm cada vez mais intensamente, os próprios direitos dos cidadãos nacionais.

Hoje, assiste-se à violação frequente dos direitos em nome da segurança nacional. Desde os mais elementares até aos mais altamente colocados qualquer que seja a escala de valores por que são avaliados, como a integridade física e a própria vida. Sabe-se como essa violação começa e as razões que aparentemente a justificam, mas nunca se sabe até onde vai chegar nem as proporções que vai atingir

Denunciar esta obsessão e exibir publicamente a duplicidade de critérios daqueles que se arvoram em grandes defensores dos direitos humanos mas que na prática são os que mais frequentemente os violam, a ponto de o assassínio se ter transformado numa arma corrente de “defesa da segurança interna”, constitui um acto de coragem que deve ser saudado onde quer que ocorra e qualquer que seja o seu contexto.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

BRASIL E TURQUIA VERSUS EUROPA


 

O QUE AÍ AINDA VEM

 O que parece óbvio: um país de velhos, sem esperança e sem futuro, que além do mais empobrece a cada dia que passa, não é um país capaz de gerar movimentos sociais de revolta. Aceita passivamente o que lhe impõem como se de uma fatalidade se tratasse.

Aqui e noutros lugares iguais a este nada de significativo acontecerá. Os governos destes países têm carta branca para avançarem até ao ponto limite que eles próprios estabeleceram. O nosso e o de outros iguais a nós ainda não estão atingidos. Provavelmente, só daqui a dois anos exactamente para que o ajustamento se complete no ponto mais baixo do ciclo.

Com os “cortes” feitos e assegurada a subtracção dos rendimentos directos e indirectos dos trabalhadores e dos reformados, esbatidos e quase aniquilados os direitos sociais e económicos de uns e de outros, começará então a outra fase: a da consolidação da transferência maciça dos rendimentos para o grande capital.

E então sim o Memorando da Troika estará cumprido. Daí para a frente basta impedir que ele regrida, que volte para trás. Mas isso dificilmente acontecerá. Está montado um rigoroso policiamento que impedirá qualquer tentativa de regressão. É o outro pacto…igualmente aprovado e assinado pelos três.

domingo, 16 de junho de 2013

AS ELEIÇÕES ALEMÃS


 

OU A APOLOGIA DA BATOTA

Tem-se aqui falado vezes sem conta sobre a “democracia representativa”. Sobre os seus defeitos, sobre as suas limitações, enfim, sobre a sua falência.

O mandato incondicionado do deputado, a desconformidade cada vez mais frequente entre a proposta eleitoral e a execução do mandato, faz o eleitor descrer deste tipo de democracia que realmente não controla e relativamente à qual se sente indefeso quando o seu “representante” age exactamente ao contrário das promessas que jurou cumprir.

Nos tempos que correm o descaramento já é de tal ordem que se aceita como vantagem eleitoral a capacidade que cada um dos candidatos revela de fazer passar uma mensagem eleitoral contrária à política que subsequentemente vai pôr em prática. A capacidade de enganar está quase unanimemente transformada numa mais-valia eleitoral.

 Vem tudo isto a propósito das eleições federais alemãs do próximo dia 22 de Setembro. É frequente ouvir entre os comentadores dos partidos do “arco da governação” – ou seja, daqueles que vem desacreditando a democracia – e entre os políticos desse mesmo “arco” abordar as eleições alemãs numa perspectiva que só pode ser considerada como a fraude da década. Dizem eles, até às eleições Merkel não pode fazer isto nem aquilo, digamos, aceitar parcialmente os eurobondes, permitir um papel mais interventivo do BCE, autorizar a flexibilização das metas dos países em crise, etc., mas depois das eleições tudo será diferente.

Ou seja, tanto aqueles que por puro oportunismo político criticam o actual Governo, como o próprio Governo, acham perfeitamente normal que Merkel engane os seus eleitores, quer fazendo uma coisa diferente da que prometeu, quer omitindo uma proposta política que se tivesse sido apresentada teria merecido a rejeição desses mesmos eleitores. Uma “democracia” como esta que assenta na mentira, na falsidade e no desrespeito pelos eleitores é uma democracia sem futuro.

E quem supuser que isto tem a ver com o Príncipe é porque não percebe nada, absolutamente nada, de Maquiavel!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

ESGOTARAM-SE AS PALAVRAS


 
O QUE FAZ FALTA!

 

Há dias, na Aula Magna, o Reitor da Universidade de Lisboa, António da Nóvoa, referindo-se à situação portuguesa, à crise em que os portugueses estão mergulhados há vários anos, disse com toda a clareza: “Esgotaram-se as palavras. Está tudo dito!”.

É exactamente isso o que a maioria dos portugueses sente. Não há mais nada a dizer sobre o que se passa em Portugal. É preciso mudar radicalmente o que se passa em Portugal.

Já ninguém tem mais paciência para escutar as justificações do Governo, as suas mentiras, o seu comportamento doloso, sua completa indiferença sobre o sentir da esmagadora maioria do povo português e sobre o seu sofrimento.

Já ninguém tem mais paciência para escutar Cavaco Silva, o seu desavergonhado apoio ao Governo, a sua cobardia política, a sua ausência de apego aos valores democráticos, os seus mesquinhos jogos de bastidores no apoio a instituições internacionais malfeitoras contra instituições internacionais malfeitoras, tentando fazer crer aos portugueses que a resolução dos seu problemas depende dos outros em vez de dependerem da sua própria acção, a começar pela dele.

Já ninguém tem mais paciência para ouvir as falsas e hipócritas autocríticas do FMI ou as pretensas boas intenções de uma Comissão Europeia, completamente lacaia dos grandes interesses económicos e inteiramente subjugada à vontade dos “patrões” da Europa, uns e outros apenas empenhados em servir o mais diligentemente possível os interesses do grande capital, nomeadamente o financeiro, com completo desprezo pelos direitos e a vontade dos povos que tentam escravizar com as suas políticas.

Já não há mais paciência para ouvir a “Troika” do PS sobre os prazos que o Governo encurta para despedir, espoliar milhões de portugueses que deram a Portugal o melhor do seu esforço na nobre missão de defender o Estado contra os malfeitores que de vários lados o atacam e descaradamente o roubam a começar, sempre, pelos governos que desde há anos a esta parte têm tido como objectivo primeiro do seu programa transferir ilicitamente para os grandes interesses privados o esforço coletivo de várias gerações. Já não há paciência para ouvir essa Troika do PS falar do acessório para propositadamente escamotear o essencial.

Já não há paciência para continuar assim por mais tempo. Temos que restaurar e recriar a democracia, sendo agora absolutamente necessário, como há décadas, fazer algo de muito novo e surpreendente para acabar com este estado de coisas.

 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A AULA MAGNA, A INCOMODIDADE DO PS E A REACÇÃO DA DIREITA


O QUE PRETENDE SOARES

A direita pela voz dos seu principais comentadores “independentes”, dos sectores mais reaccionários do CDS e dos militantes do PSD próximos do Governo não se tem poupado a esforços para atacar Mário Soares pelo seu papel na realização da conferência “Libertar Portugal da Austeridade” e de elogiar Seguro pelas distâncias que soube manter relativamente a um evento de duvidosa credibilidade.

Soares é atacado por ter tentado e de algum modo conseguido reunir a Esquerda (PS, PCP, BE, centrais sindicais e personalidades independentes) contra a política de austeridade, mas é acima de tudo atacado por ter defendido a tese de que o Governo em funções, suportado por uma maioria parlamentar regularmente eleita, não é legítimo, devendo, por isso, ser derrubado, sem simultaneamente deixar de responsabilizar o Presidente da República por tudo o que possa acontecer por omissão de exercício dos poderes constitucionais que lhe permitem, por uma dupla via, pôr termo a este Governo.

Seguro, pelo contrário, é muito elogiado por não ter estado presente, bem como os dois outros membros da Troika do PS, por ter sabido desgraduar a representação do partido, fazendo-o representar por uma personalidade política pouco conhecida do grande público a quem terá incumbido de proferir um discurso baço e descomprometido.

Soares é um político muitíssimo experimentado a quem a idade, em princípio vulnerável aos afectos, e a saúde, debilitante da vontade, não retiraram um pingo de frieza na acção política, actuando hoje como sempre actuou nos “anos dourados” da sua intervenção partidária. Soares percebeu, para lá de todas as críticas que possa fazer a Cavaco, que o grande “responsável” pela manutenção em funções do Governo de Passos Coelho…é o Partido Socialista.

Se o Partido Socialista se não afirmar como uma verdadeira alternativa ao Governo em funções, se não apresentar uma proposta credível aos olhos dos portugueses, se pelas ideias que vai expondo não gerar no seio da sociedade portuguesa a convicção de que algo substancialmente diferente se vai passar a seguir, o PS não será agora nem mais tarde um partido em que os portugueses confiem para suceder ao PSD/CDS. E Soares sabe que numa situação destas dificilmente se poderá esperar que um Presidente da República como Cavaco, timorato no exercício das funções e muito ligado à direita, demita o Governo se não tiver a certeza de o resultado das eleições lhe trazer uma situação significativamente diferente da que agora existe.

Ora, parece ser isto o que Mário Soares pensa do seu partido e da sua liderança, paternal e simpaticamente, qualificada de frouxa e hesitante. E por também não acreditar que, sem pontes à esquerda, o PS esteja em condições de liderar uma verdadeira rejeição da austeridade, propõe-se ele próprio fazer aquilo que antecipadamente sabe não poder ser feito pela direcção do seu partido.

Mas Soares sabe mais. Sabe que o namoro que a Troika do PS – Seguro, Assis e Costa - tem feito à direita, nomeadamente ao CDS, seria, em tempo de crise, fatal para o futuro do partido se se viesse a concretizar.

Para evitar semelhante desfecho, Soares sob a capa de falsos elogios tem tentado desacreditar Portas, quer pela via da corrupção, quer pela via da ausência de coragem política, quer ainda evidenciando a duplicidade do político que toma iniciativas condizentes com as medidas mais nocivas do Governo ou em cuja execução colabora com entusiasmo e simultaneamente tenta fazer crer que delas discorda para desse modo manter a sua base de apoio eleitoral.

Quererá isto dizer que Soares preconiza uma aliança à esquerda? O que parece claro é que Soares quer rejeitar a política de austeridade, não sendo evidente o percurso que pretende seguir para lá chegar e quer a todo o custo evitar que antecipadamente se crie no eleitorado a convicção de que o PS pretende governar coligado com a direita.

No bom estilo de Soares, o que vem depois logo se verá. Por agora o que é preciso é derrubar o Governo, rejeitar a política de austeridade e criar uma dinâmica que leve o povo a acreditar que isto é possível. Por outras palavras, o que é preciso é tentar insuflar no PS uma alma que ele manifestamente não tem.

O PS, a Troika do PS, ao contrário de Soares, o que verdadeiramente quer é começar por fazer umas “cócegas” à austeridade, mantendo-a no essencial presente, bem como os instrumentos e as políticas que a suportam, aguardando que uma mudança na Europa venha a abrir um caminho que por agora está fechado. E sabem, o PS e a sua Troika, que a este “programa mínimo” o CDS se não oporá, mantendo-o portanto em reserva para uma eventual aliança, sem sequer sopesar as consequências da rejeição desta hipótese pelos elementos mais reaccionários do CDS menos dados a jogos tácticos, como Nuno Melo e outros… 

Em resumo: Soares pretende criar uma dinâmica que leve ao derrube do Governo. Sabe que essa dinâmica tem de assentar no PS, mas sabe também que essa dinâmica só poderá existir se tiver na Esquerda a sua base propulsora. Tem ainda por certo que a convergência necessária para a criação dessa dinâmica é a luta contra a austeridade. Como será a seguir, isso se verá depois…