O CHOQUE DAS NOTÍCIAS
Sem entrar no âmago da questão, duas notas que não podem
deixar de ser feitas.
As televisões e, pelo menos, um jornal fornecem uma descrição
tão pormenorizada dos “crimes” cometidos por José Sócrates, que já nem sequer
se põe a questão de saber de que é que ele vai ser acusado nem qual a extensão
da pronúncia. A única dúvida que ainda subsiste é a da medida da pena.
Isto só é possível se alguém, muito por dentro da investigação,
tiver fornecido aos jornalistas estes elementos que imediatamente os debitam
para a opinião pública com menos cautela que a que teriam se tivessem de relatar
as desavenças de um tal Bruno de Carvalho com Nani ou com qualquer outra das pérolas
do Sporting.
Ora, muito por dentro da investigação só poderão estar algumas,
poucas, pessoas. É de admitir que a Procuradora Geral da República, dada a
hierarquia da instituição, tenha tido conhecimento do que se estava a passar e
do que se iria passar no dia de ontem. Mas como guardião do templo, se ela não
o guardar quem o guardará?
Também não é crível que a Ministra da Justiça tivesse sequer
conhecimento da investigação – pois não foi ela surpreendida pelos “Vistos
Dourados/Operação Labirinto” no seu Ministério em locais contíguos ao seu gabinete? Mas não
somente por isso. Também por ser uma
apaixonada pelo “Estado de Direito” e além do mais porque promoveu ou propôs a “candidatura”
da actual Procuradora Geral por se tratar de uma pessoa que “amava o Ministério
Público” – tudo, portanto, factos mais do que suficientes para afastar qualquer
suspeita.
Restam mais dois: o Procurador que tem a investigação a seu
cargo e alguém da sua equipa que esteja tão bem informado quanto ele dos
meandros do processo. Oh, mas do Ministério Público não sai nada. Aquilo é uma
tumba.
Por último, o Juiz Carlos Alexandre, que certamente terá um bom conhecimento do processo para poder interrogar com eficácia e
proveito os quatro arguidos, a menos que o seu conhecimento do que se ia passar
seja coevo do de José Sócrates que também só soube o que lhe ia acontecer
quando ontem à noite chegou à Portela. E deve ser isto certamente o que se
passa porque o Juiz Carlos Alexandre não interfere nas investigações do
Ministério Público, nem delas tem conhecimento antes de passar os mandados solicitados
pela investigação. Está acima de toda a suspeita...
Todavia, não se acreditando nas proezas do Espírito Santo (claro,
o da Santíssima Trindade) tem fatalmente de admitir-se que a informação só pode
ser dada por quem a tem. E como a investigação em Portugal não é uma “balda”,
não é de aceitar que os segredos de justiça estejam assim ao alcance de
qualquer manga-de-alpaca.
Ainda haveria a hipótese de alguém do Governo, perito na luta
política, ter passado a informação aos jornalistas. Alguém que só trate de
política, como Passos, Portas, Marco António (Maduro não, Maduro só dá ”barraca”).
Mas, como é óbvio, tratar-se-ia de uma suposição absurda, porque o Governo foi ontem
à noite tão surpreendido quanto nós pelo rodapé da SIC Notícias.
Esta é a primeira nota. A segunda é o SMS de António Costa
aos “Camaradas e militantes” socialistas.
Não tendo eu que lavar a alma com declarações do género: não
fui, não sou, nem nunca serei, o que posso dizer, e creio que muitas outras
pessoas dirão mesmo, é que se eu fosse militante socialista não teria gostado
nada daquele SMS.
Não se trata tanto de o futuro SG do PS se atravessar por
aquele que foi durante cerca de 7 anos Primeiro Ministro e Secretário Geral do
Partido. Trata-se de fazer uma declaração consentânea com a gravidade da
situação. Talvez os socialistas esperassem que António Costa assumisse sem
hipocrisia a gravidade da situação, nos dois lados que ela comporta. Talvez os
militantes socialistas esperassem que o muito próximo Secretário geral do PS,
depois da conversa da praxe “à Justiça o que é da Justiça”, dissesse qualquer
coisa como isto: “A prisão, mesmo que seja apenas para interrogatório, de um
ex-Primeiro Ministro é acto de tal gravidade política, com repercussões imprevisíveis
no país, no regime e no estrangeiro, que eu não posso senão acreditar que as autoridades
estão de posse de provas inequívocas relativas a crimes da maior gravidade,
pois como poderia eu compreender que crimes económicos com nefastas
consequências para todos nós, como as falências do BPN, do BPP, do BES
continuem impunes e sem punição à vista, continuando todos aqueles que por elas
são responsáveis a gozar tranquilamente os frutos das falência que provocaram?
Ou como podem os gestores da PT, depois da gestão ruinosa que fizeram, ter como
prémio milhões e milhões de euros?”. “Eu”, deveria ter dito Costa, “como
socialista não posso ver as coisas de outra maneira”.
Mas não disse. Fez em relação a Sócrates o mesmo que está a
fazer em relação a todos que acreditam nele: deixa-os supor que vai fazer
diferente e na hora da verdade vai fazer igual. Aliás, Passos se tivesse que
enviar um SMS sobre a prisão de Sócrates não teria escrito diferente do que
escreveu Costa.