A CAMPANHA MAIS INÓCUA DESDE 1976
A campanha continua morna e pouco mobilizadora, apesar de o
fim dos dez anos de Cavaco encerrar potencialidades que aqui há uns dois ou
três meses ninguém suporia poderem vir a ser desprezadas como estão a ser.
Há no entanto uma explicação para o que se está a passar. Uma
explicação, mas não uma justificação.
Começando pelo princípio: a eleição presidencial pode ser
ganha à esquerda com relativa facilidade se houver um candidato que seja capaz
de fazer o pleno dos seus votos ou quase. De uma boa maioria dos votos do PS,
dos votos do PCP e do Bloco, bem como o dos independentes de esquerda.
Na escolha desse candidato o PS desempenha um papel
fundamental. E se o PS o desempenhar com responsabilidade e sentido democrático
a vitória será sempre indiscutível. Acontece que raramente isso sucedeu na
história da nossa democracia. Quase se poderia dizer que as três mais
significativas vitórias contra os candidatos da direita foram alcançadas apesar
do PS. Referimo-nos à reeleição de Eanes, à derrota de Freitas do Amaral e à
vitória de Sampaio.
Na reeleição de Eanes, Soares e os seus fiéis apoiantes
retiraram o apoio a Eanes com o objectivo (não alcançado graças à outra parte
do PS) de impedir a sua vitória, mesmo sabendo que o preço a pagar por esse comportamento
poderia ser a eleição do candidato da direita, de passado reconhecidamente fascista.
Na derrota de Freitas, o PS dividiu-se em duas candidaturas
(uma de direita, Soares; outra, de esquerda, Zenha), tendo os independentes e católicos de
esquerda, na ausência de um candidato consensual, apoiado Lurdes Pintassilgo; o
PCP, que começou por apresentar o seu candidato, desistiu na primeira volta a
favor de Zenha, não tendo, todavia, esses votos sido suficientes para garantir
a Salgado Zenha a passagem à segunda volta. Soares acabou por ganhar, graças
aos eleitores que na primeira volta votaram Pintassilgo e ao voto dos
comunistas, cujo apoio foi decidido num Congresso Extraordinário,
seguido por uma disciplina de voto sem falhas, sem a existência da qual jamais
Soares teria sido Presidente da República.
Na vitória de Sampaio concorreram factores difíceis de
convergir noutras situações. Em primeiro lugar, Sampaio tendo feito o seu
percurso até 1978 à margem do PS e quase sempre, desde muito antes do 25 de
Abril, em oposição a Mário Soares, granjeou na restante esquerda uma simpatia e
um estatuto como nenhum outro socialista alguma vez teve. Por outro lado, Sampaio,
apesar de não gozar da simpatia da maior parte dos “históricos” do PS e de ter
rompido com Guterres, conseguiu, numa altura em que Guterres estava
politicamente muito ocupado na preparação da campanha para as legislativas (Estados
Gerais), antecipar a sua candidatura e impô-la ao PS como um facto consumado.
Apesar de Sampaio não ser o candidato que Guterres escolheria, se o tivesse
podido fazer, o PS (oficial) viu-se obrigado a apoiá-lo seguindo assim a
restante esquerda que nem sequer levou qualquer candidato às urnas, já que
tanto Jerónimo de Sousa (PCP) como Alberto Matos (UDP) desistiram a seu favor.
Em terceiro lugar, Sampaio concorria contra Cavaco de quem uma significativa
maioria de portugueses estava positivamente farta após dez anos de cavaquismo
com tudo o que isso até hoje representou de negativo para Portugal e para os
portugueses.
Depois, bem, depois foi o que se viu. Em 2006 Cavaco foi
eleito e em 2011, reeleito. Tanto numa como noutra eleição o PS foi incapaz de
apresentar uma candidatura consistente e susceptível de ser apoiada pela
esquerda. Na primeira eleição, Sócrates, completamente inebriado com a maioria
absoluta que tinha acabado de alcançar (2005), desprezou arrogantemente as
presidenciais e minimizou a sua importância, não curando de propor um candidato
susceptível de concentrar o apoio da esquerda. Soares, já sem fôlego para novo
mandato, querendo continuar a “ajustar contas” com Cavaco numa época e num
contexto em que já não estava em condições de o fazer, viu-se confrontado com o
aparecimento da candidatura de outro socialista, Manuel Alegre, avidamente apoiado
pelos que na área do PS e suas proximidades se estavam posicionando contra
Sócrates, tendo-se então assistido a uma verdadeira luta fratricida, com corte
de relações pessoais e acusações de toda a ordem entre ambos os candidatos. O
clima criado pelos dois candidatos e a maioria absoluta de Sócrates
desmobilizaram completamente o eleitorado de esquerda, tendo Cavaco sido tranquilamente
eleito logo na primeira volta.
Cinco anos depois, apesar de já não haver dúvidas sobre o que
seria o segundo mandato de Cavaco (a intentona das escutas e os Estatutos dos
Açores eram um bom prelúdio), o PS de Sócrates voltou a menosprezar a
importância das presidenciais. É certo que a crispação existente entre Sócrates
e os dois partidos de esquerda (PCP e BE) não favorecia um entendimento para
fins presidenciais; por outro lado, o facto de ninguém na área da esquerda se
ter notabilizado suficientemente para poder facilitar aquele entendimento
também dificultava o aparecimento de uma candidatura vencedora. Apareceu novamente
Alegre, derrotado na eleição anterior, sem chispa de vencedor, sempre com um
entendimento épico da derrota, sem capacidade para mobilizar o eleitorado de
esquerda, que voltou a ser derrotado como antecipadamente se sabia. Cavaco foi
reeleito, deixando logo no dia da vitória um aviso muito claro do que iria ser a
sua presidência nos cinco anos subsequentes: mesquinha, vingativa e sectária.
Não enganou ninguém! Mas o mal estava
feito…
Exactamente por haver uma consciência muito viva do que
poderia representar para a esquerda a repetição de uma candidatura tipo Cavaco,
ostensiva ou disfarçada, é que se supunha que a experiência acabada de viver
iria facilitar o aparecimento de uma candidatura consensual com um perfil
reconhecidamente vencedor. Esse candidato existia no seio do Partido Socialista.
Existia mas não foi escolhido, nem ele demonstrou publicamente qualquer
interesse em desempenhar esse papel.
Na euforia da vitória “interna “de António Costa, supôs-se –
as sondagens ajudavam a este entendimento – que facilmente derrotaria a direita
nas legislativas, alcançando uma maioria absoluta. E é neste contexto que é
incentivada no seio do PS, informalmente, mas com apoios muito claros da actual
liderança e de todos os que lhe são muito próximos, a candidatura de Sampaio da
Nóvoa.
Acontece que sucedeu o que toda a gente sabe: António Costa
não alcançou a maioria absoluta, nem sequer a maioria relativa nas legislativas
e aquela candidatura, que havia sido lançada com base numa pressuposição que
falhou, passou quase de imediato a ser contestada no interior do Partido Socialista
pelos opositores de Costa, pelos adversários da solução governativa entretanto alcançada
e pelos ressabiados da ressaca das primárias.
E como sempre acontece no Partido Socialista, também desta vez,
os oponentes de liderança não tiveram qualquer problema em “empurrar” para a
disputa eleitoral uma personalidade da direita do partido, que não tinha, nem
tem, objectivamente, quaisquer condições para ganhar as eleições, mas cuja candidatura
teria o efeito – efeito que ninguém com um mínimo de experiência política
poderia deixar de antecipar – de desmoralizar e desmobilizar o eleitorado socialista
e da esquerda em geral, impedindo desta modo a polarização da eleição entre o
candidato da direita e o da esquerda, com vista a obrigar aquele a definir-se
politicamente.
Dada a divisão reinante no seio do PS, o candidato da direita
pôde fazer uma campanha apolítica como se previa, assistindo de palanque aos
ataques cruzados das “candidaturas socialistas”, e ainda teve a sorte ter sido objectivamente
favorecido pelo aparecimento de, pelo menos, dois “candidatos folclóricos”, cujo discurso e a divulgação que os media dele têm feito muito contribuíram para a consolidação da campanha
à volta de questões de escasso interesse político.
Perante este quadro só mesmo um altíssimo sentido político do
eleitorado poderá remediar o que os “profissionais” da política comprometeram.
3 comentários:
longe, mas muito longe do seu pensamento político, pois sou de centro, centro, sem hífen,é com gosto que leio os seus posts.
como fiquei a vomitar a troupe da jsd dos anos oitenta hoje em dia voto ps, o que é um pouco como um católico comungar numa assembleia evangélica. E nem falo em Cavaco, para minha grande surpresa um homem genuíno do Estado Novo que tentou reconstruir para os tempos de hoje a união nacional.
a minha grande dúvida é esta: Marcelo é mesmo centro-direita democrata-cristão ou é Cavaco encapotado?
Também não sei responder cabalmente a essa pergunta. Marcelo, embora nado e criado no Estado Novo, tem uma vivência política em democracia que Cavaco nunca teve e tem também uma inteligência política que Cavaco nunca demonstrou ter. Por muito que o seu ADN o puxe para o passado, Marcelo terá sempre a inteligência suficiente para não se deixar guiar inteiramente por ele. Por exemplo, aceita a diferença com uma naturalidade que Cavaco jamais foi capaz de demonstrar. Agora, uma coisa é certa, e à esquerda ninguém se iluda: quando em qualquer assunto em que estiver subjacente uma questão importante que divida a esquerda da direita, Marcelo não decidirá pelo centro, nem(obviamente) pela esquerda. Decidirá pela direita.
Marcelo diz que não é Cavaco
mas não prescinde do seu apoio
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