O DEBATE DESTA TARDE
Rajoy passou de novo a bola a
Puigdemont. Pediu uma aclaração como se faz nos tribunais quando se pretende
ganhar tempo e obrigar o juiz a explicar-se melhor. Se não erro a
"aclaração", em Portugal, já levou uma "machadada" na
última revisão do CPC, mas em Espanha continua a valer até na alta política.
Do debate desta tarde, que segui
em directo, realço o tom de Rajoy, muito distante do tom que se ouve nos
escritos de Aznar e Gonzalez, dos seus sequazes e bem como do tom verdadeiramente
bélico da imprensa de Madrid. Rajoy manteve-se dentro da linha que tem traçado,
fazendo depender a aplicação do art.º 155.º da Constituição (o tal que suspende
a autonomia e permite aplicar pela força o que não for voluntariamente acatado,
recorrendo às forças policiais e militares) das explicações pedidas a
Puigdemont. A intervenção do PP (do PP em que Rajoy manda) foi escrita e lida por um deputado que se manteve dentro do tom usado e da linha seguida pelo
Presidente.
O PSOE terá conseguido, a troco
do apoio que dará a Rajoy na aplicação do art.º 155.º, a promessa de uma
revisão constitucional. Parece-me um acordo desigual. O PSOE deu tudo o que tinha
para dar, ficou sem margem de manobra na Catalunha (a posição do PSC é mais
matizada e continua a privilegiar o diálogo) e apenas ganhou a promessa de
desencadeamento de um processo de revisão constitucional, o que é muito pouco,
se não houver alterações profundas na regulação da questão territorial e da
própria natureza do Estado. O PSOE desta cedência corre o risco de, mesmo com
Sanchez, ser tido como uma muleta de Rajoy ou, o que talvez até seja pior, uma
simples extensão do PSOE de Suzana Diaz.
O Podemos para espanto da Câmara
começou por elogiar Rajoy, dizendo expressamente que havia duas coisas na
intervenção do Presidente de que tinha gostado: do tom (é óbvio que Rajoy,
perante a grande plateia internacional que acompanha em directo a questão
catalã, teria de replicar a Puigdemont num tom semelhante ao deste, sem
exaltações nem ameaças) e da reprodução de uma frase de Manuel Azaña, proferida
em 1938 (durante a Guerra Civil) como Presidente da República. Depois, pediu a
Rajoy que fosse corajoso e que seguisse o exemplo de Adolfo Suàrez, mudando as
leis que impedem a convivência. Por fim, responsabilizou o PP pela crise da
Catalunha, por ter impugnado perante um tribunal politicamente dominado as
disposições do Estatuto da Catalunha que representavam um progresso no
relacionamento entre espanhóis e catalães. Insistiu na ideia de que só mudando
a lei se pode obter a paz.
Seguidamente falou Rivera dos
Ciudadanos. Uma intervenção medíocre e fascista. Um falangista não teria feito
diferente. Hoje, no plano institucional, a extrema direita está neste novo
partido. A intervenção foi de tal natureza que até Rajoy a criticou.
Finalmente, os discursos da
Esquerda Republicana, dialogante, mas firme na defesa das posições do governo
da Catalunha e de um outro partido catalão que chamou falangista a Rivera e
insistiu com Rajoy para que aceitasse a proposta de diálogo que lhe foi feita.
Por seu turno, o PNV também insistiu no diálogo, reprovou o uso da força e
insistiu com Rajoy para que promova a alteração das leis contestadas, porque
disse: “Se não há democracia sem leis, também há muitas leis que não são
democráticas”.
Como nota marginal, o
autoritarismo com que a Presidente do Parlamento, Ana Pastor, dirige o plenário,
autoritarismo institucionalmente
consagrado que vai ao ponto de a Presidente poder retirar do diário das sessões
frases ou palavras proferidas por um deputado, como aconteceu com a intervenção
de um deputado catalão. Enfim, qualquer semelhança com o funcionamento de um
parlamento democrático é pura coincidência. Os exemplos que poderiam apontar-se
são muitos e variados, mas não vem ao caso fazê-lo agora.
A ideia com que se fica é que de uma
parte e de outra a vontade de negociar é pouca. Ambas estão a jogar o mesmo
jogo, ou seja, cada uma espera que outro pratique um facto por que possa ser
responsabilizada aos olhos do “grande auditório”. De facto, já nem Rajoy nem
Puigdemont estão a actuar tendo especificamente em conta a parte que
representam. Ambos estão a actuar tendo fundamentalmente em conta a comunidade
internacional.
Se Rajoy insiste no princípio de
que somente negoceia no marco da lei e Puigdemont não abdica da declaração de independência
não poderá chegar-se a entendimento algum. Somente um começo de negociações sem
condições prévias poderia abrir a
porta ao diálogo.
Acho difícil que isso aconteça.
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