sábado, 11 de abril de 2020

11 DE ABRIL DE 1970





HÁ CINQUENTA ANOS 

Inquietações Pedagógicas: Coimbra 1969 Uma revolta abafada pela ...


Na sequência da crise académica de 1969, Veiga Simão substituiu José Hermano Saraiva como Ministro da Educação Nacional, em Janeiro do ano seguinte. Cerca de um mês depois, o Reitor da Universidade de Coimbra, Andrade Gouveia, foi substituído por José Gouveia Monteiro.

Não obstante a repressão exercida sobre certos estudantes das ex-colónias (Garcia Neto e Fernando Sabrosa, presos pela PIDE) e de haver estudantes punitivamente incorporados nas forças armadas, pode dizer-se que a nomeação de Gouveia Monteiro, sendo embora uma escolha do Ministro, representou uma vitória do movimento estudantil por não haver memória nas décadas anteriores de vigência do regime salazarista da nomeação de um reitor capaz de ouvir as reivindicações estudantis e até de se identificar com algumas delas.

Foi neste contexto, nesta nova composição do ministério e das autoridades académicas, que germinou a ideia entre estas, alguns professores e os estudantes mais destacados do movimento associativo o ano anterior, de uma delegação da Universidade de Coimbra pedir uma audiência ao Presidente da República, Almirante Américo Tomás, para explicação dos incidentes ocorridos em 17 de Abril de 69 nos quais este esteve envolvido, tanto como interlocutor forçado quer como destinatário privilegiado dos protestos que então tiveram lugar.

Veiga Simão, como Ministro, tomou a seu cargo trabalhar nos bastidores para que dessa audiência saísse satisfatoriamente reparada a figura do Presidente da República que retribuiria o gesto satisfazendo o pedido de benevolência que lhe deveria ser formulado no decorrer da dita audiência.

Essa audiência teve lugar no dia 11 de Abril de 1970, no Palácio de Belém, em Lisboa.


A delegação da Universidade de Coimbra, recebida por Américo Tomaz, era constituída pelo Reitor, por 9 professores entre os quais Teixeira Ribeiro e Paulo Quintela e oito estudantes, mais directamente envolvidos nos acontecimentos do ano anterior. 


Com o Presidente da República estavam o Ministro da Justiça, Mário Júlio de Almeida Costa e o Ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão
Nessa audiência, começou por usar da palavra Alberto Martins, Presidente da AAC em 1969 – o mesmo estudante que em 17 de Abril de 69 havia pedido a palavra a Américo na inauguração do Edifício das Matemáticas – que leu o seguinte texto:

Os oito estudantes aqui presentes dirigem a V. Ex.ª as mais respeitosas saudações e ratificam com esta presença expressamente tudo o que os seus professores houverem por bem declarar sobre o seu caso”.


Seguidamente usou da palavra o Reitor Gouveia Monteiro que entregou ao Presidente da República um documento assinado por 151 professores e assistentes sobre os incidentes de 17 de Abril, no qual se apelava à compressão e benevolência do Chefe de Estado..


Depois interveio o Prof. Teixeira Ribeiro que leu o seguinte texto:

Os professores e assistentes da Universidade de Coimbra, abaixo assinados, afirmam a V. Ex.ª o seu alto respeito e lamentam que V. Ex.ª tenha reflexamente sofrido incómodos morais aquando da sessão inaugural do Edifício da Secção de Matemáticas da Faculdade de Ciências.

Permita se venha, no entanto, pedir compreensão e benevolência para os graves factos ocorridos. Eles só podem explicar-se pelo clima emocional criado entre os estudantes por circunstâncias que V. Ex.ª bem conhece


A resposta de Américo Tomás, contrariamente ao que em regra acontecia, foi lida. São suas as seguintes palavras então proferidas:


Vêm V. Exas pedir compreensão e benevolência para os graves factos ocorridos em 17 de Abril do ano passado, por ocasião da inauguração do Edifício da Secção de Matemáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, e fazem-no com visível sinceridade, na primeira oportunidade de que dispuseram para concretização dessa diligência.

Sempre a verdade me norteou e repudiei a mentira, pelo que não deverá estranhar-se a franqueza com que vos digo não poder corresponder, totalmente, ao vosso pedido. Não é, evidentemente, a benevolência que eu nego, pois esta audiência não a concederia se não me sentisse disposto a ela. A minha dificuldade reside somente na impossibilidade de compreensão, para o que me não é possível compreender. Eu explico.

Fui convidado para presidir à inauguração de um majestoso e apropriado edifício, expressamente construído para o ensino da Matemática na Universidade de Coimbra. Prontamente acedi ao convite, a que não foi insensível o antigo estudante de Matemática, que fui.

Pensei ir assistir a um acontecimento que só deveria constituir motivo de júbilo para toda a Universidade. Nessa plena convicção e no desconhecimento completo de tudo o resto, me dirigi a pé da reitoria da Universidade para o novo edifício. Só à chegada e a seguir a ela, me apercebi de que qualquer coisa de insólito poderia ocorrer: os cartazes exibidos e o esboço de sussurro verificado durante a cerimónia religiosa realizada no átrio da entrada foram sinais bem visíveis e audíveis a chamarem a minha atenção.

É do conhecimento de todos o que se passou na sessão solene que teve lugar no anfiteatro do novo edifício, onde consenti que entrassem todos os estudantes que nele coubessem, mas não os cartazes de que alguns eram portadores. Dentro do anfiteatro não se verificou qualquer sussurro, mas ele era bastante ruidoso fora dele, mormente durante o primeiro e o ultimo discurso da sessão.

O amor à verdade a que sou fiel, manda-me afirmar ter sentido não ser eu o alvo directo das turbulências que mancharam um dia que apenas deveria ter sido festivo. E o mesmo amor à verdade me manda dizer, também, que o estudante que a meio da sessão e após o discurso do professor de Matemática, se ergueu na parte central da sala e me pediu licença para falar, acatou prontamente e sem qualquer palavra mais, a decisão por mim tomada e que, na altura, e dados os antecedentes, não podia ser outra.

A característica essencialmente festiva da inauguração e a presença do Chefe do Estado, que com ela honrava a própria Universidade, deviam ter obstado, com indiscutível evidência, aos acontecimentos ocorridos e não há clima emocional que o possa explicar. Daí a incompreensão que manifesto.

Estas minhas palavras deverão ser tomadas como um desabafo, magoado e legítimo, de quem sempre teve a preocupação de ser correcto e estava habituado a ser recebido com as maiores manifestações de civismo e de simpatia em todos os locais de Portugal que, na sua incansável peregrinação, tem visitado.

Termino transmitindo ao senhor Ministro da Justiça, aqui presente, o que farei igualmente ao senhor Ministro da Defesa Nacional e do Exército, o desejo de que seja dada satisfação ao pedido de benevolência que acabou de me ser feito. O homem firme que me prezo de ser, nunca foi insensível a qualquer pedido semelhante: também o não é desta vez, crente de que o seu gesto será devidamente compreendido, em toda a sua extensão.”


 A sessão não terá terminado muito bem. O Reitor agradeceu a benevolência mas tentou também fazer compreender a Américo Tomás que não se justificava a incompreensão por ele manifestada, explicações que este não aceitou. O Prof. Teixeira Ribeiro terá tentado explicar por outro modo o que o Reitor pretendia dizer, mas Américo Tomás cortou-lhe a palavra e deu a audiência por terminada.

Deste pedido de clemência resultou, segundo a comunicação, cerca de quinze dias mais tarde, do Ministro da Educação Nacional feita perante os representantes do Senado Universitário e de estudantes de Coimbra, a amnistia pelo Chefe de Estado do crime de ofensas às suas funções, no processo-crime instaurado ao Presidente da AAC, o arquivamento de todos os processos disciplinares instaurados na sequência do 17 de Abril e o licenciamento de os todos os estudantes que, pela sua participação na luta académica, tinham sido chamados a prestar serviço militar.


Do lado de largos sectores da esquerda, bem como do movimento associativo de Lisboa, este pedido de clemência a Américo Tomás, apesar de genericamente apoiado por uma deliberação da Assembleia Magna que autorizou a ida a Lisboa de uma delegação académica para prestar explicações ao Presidente da República, foi interpretado como uma cedência inadmissível do movimento associativo de Coimbra, ou dos seus principais representantes, que manchava a luta antifascista, mas também a tradição do movimento estudantil antifascista que nunca durante a ditadura havia até então terminado uma luta apelando à clemência das autoridades e à benevolência do poder por mais duras e injustas que tivessem sido as sanções aplicadas, rompendo assim com uma tradição, anterior ao salazarismo, muito corrente na Universidade de Coimbra de as lutas académicas terminarem ora com o “perdão dos Lentes”, ora com o “perdão por estes solicitado”, consoante o “destinatário da ofensa”.


Do lado do regime, os sectores salazaristas censuraram asperamente a atitude laxista do Ministro da Educação e responsabilizaram-no pela agitação universitária subsequente que, segundo aqueles sectores, ficou favorecida e incentivada pela acção conjunta do Presidente do Conselho (Marcello Caetano) e do Ministro da Educação (Veiga Simão) que levaram o Chefe de Estado a perdoar comportamentos que deveriam ter sido severamente punidos. Mais grave ainda, deste mesmo ponto de vista, foi ter-se permitido o adiamento do serviço militar a agitadores estudantis que aproveitaram essa benesse do governo para continuarem a instabilizar em Coimbra a vida universitária com acções cada vez mais reprováveis bem como a propagação do seu exemplo a outras universidades nos anos seguintes.


E assim se junta mais um elemento à história do “17 de Abril de 1969”.

4 comentários:

Anónimo disse...

Um texto objetivo. Os factos são apresentados tal e qual aconteceram. Não há interpretações nem juízos de valor. Os que existem são narrados como factos históricos. É deixado ao leitor o seu juízo. Pena não constar do texto o discurso do Reitor.

JM Correia Pinto disse...

Sim, a preocupação foi essa. Apresentar os factos nus e crus. E de tudo o que sobre o 17 de Abril se tem escrito, depreende-se o seu contexto.
Havia estudantes com processos disciplinares, havia estudantes indiciados ou investigados pela pática de crimes, havia estudantes mobilizados para prestar serviço militar? Sim, mas o que é que isso tinha de novo relativamente às lutas anteriores de 61/62 e 64/65? Nada, absolutamente nada. A diferença está em que os dirigentes associativos daqueles anos foram severamente punidos disciplinarmente e foram julgados criminalmente. A diferença foi esta: não pediram clemência nem benevolência às autoridades, nem isso lhes passou pela cabeça. Limitaram-se a fazer a sua defesa que não lhes valeu de nada, já que as decisões estavam tomadas antes de instaurados os processos.

Anónimo disse...

O brando fascismo à portuguesa ou que tem cú tem medo.

Anónimo disse...

Sendo que um desses, pelo menos, se apropriou, com proveito, da "liderança" e à custa dela obteve altos cargos políticos. Se a memória me não trai é um tal de … Martins …

Acertei, JM Correia Pinto ?

João Pedro