PSD PONTA DE LANÇA DO TÍPICO PATRONATO PORTUGUÊS
A composição da assistência do salão nobre da Bolsa do Porto, aqui há uns meses, para ouvir uma intervenção de Passos Coelho pouco depois da sua eleição, não deixava muitas dúvidas sobre a sintonia de posições entre quem falava e quem ouvia, deixando claro qual a orientação que doravante iria dominar o partido.
O PSD sempre foi um partido de direita, polvilhado nas suas origens por um ou outro opositor à ditadura, maioritariamente constituído por gente que lamentava tanto a Revolução, como a incapacidade de Caetano para mudar alguma coisa deixando tudo na mesma. Apesar da sua origem citadina, ele era desde a fundação um partido de província e rural.
A origem citadina do partido, principalmente em Lisboa e Porto, está presente no impulso que as jovens elites marcelistas, frustradas pela impossibilidade de alterarem os aspectos mais retrógrados da ditadura, deram à sua criação, fazendo dele o órgão de intervenção política que lhes augurava a possibilidade de fazerem em democracia aquilo que não conseguiram fazer em ditadura. Distantes do PS, pela sua origem e pelo percurso de vida, receosas da desconfiança que o CDS suscitava, como partido dos herdeiros da ditadura, as frustradas jovens elites marcelistas encontraram no PSD o terreno de eleição para uma acção política que o 25 de Abril lhes propiciava sem ficarem reféns, como até ai, do labéu de colaboracionistas da ditadura.
Simultaneamente, um conjunto muito apreciável de quadros de província, muitos deles sem qualquer ligação ao passado salazarista ou marcelista, embora conservadores na sua origem e propósitos políticos, deram corpo e alma ao PSD, fazendo dele um partido com forte implantação a norte do Tejo, nomeadamente no plano autárquico, defensor de interesses não necessariamente homogéneos, onde se mesclavam as ligações aos grandes interesses com a defesa de posições tipicamente pequeno-burguesas, da pequena burguesia de província, bem como de interesses manifestamente rurais e conservadores.
Esta composição do PSD está bem patente na dificuldade que durante grande parte da sua existência o partido tem tido em fazer a defesa de interesses que a todos satisfaça e, consequentemente, na atribulada vida interna que tem caracterizado a sua acção política, marcada por muitas dissidências, convergências de ocasião e múltiplas contestações.
Nos primeiros tempos da democracia, esta relativa flexibilidade de princípios que caracteriza um partido com esta fisionomia, fez com as suas lideranças fossem sendo ajustadas às diversas conjunturas então vividas. Daí a sua importância nas manobras contra-revolucionárias dos primórdios do 25 de Abril, quando a errada avaliação da situação política então feita o fez supor que a facção spinolista das Forças Armadas poderia sair vencedora do confronto com as correntes progressistas do MFA. Derrotada aquela facção, logo a sua liderança inicial se esfuma, como por magia, e uma nova liderança mais próxima das correntes vencedoras do MFA se impõe, inclusive com um discurso aparentemente mais chegado ao das correntes dominantes do que o do próprio PS, desde há muito interessado em eliminar a influência militar progressista na vida política portuguesa.
Eliminado o MFA da política nacional ou limitado consideravelmente o seu papel, logo o PSD, aproveitando a conjuntura anti-revolucionária, aparece agora com um discurso radical orientado no sentido de uma mudança estrutural do então ainda frágil acquis saído da Revolução de Abril. Derrotado no seu propósito de impor um governo, uma maioria e um presidente que pudessem silenciar as vozes divergentes, o PSD mergulha de novo nas inúmeras contradições que o atravessam, até que o aparecimento do seu mais lídimo representante, saído dessa pequena-burguesia de província, com forte traços de conservadorismo rural, lhe tivesse assegurado, numa conjuntura economicamente muito favorável, o poder com que desde há muito sonhava e que efectivamente manteve durante dez anos consecutivos.
O dinheiro vindo da Europa era então tanto, esse dinheiro cujo deficientíssimo aproveitamento está na origem das dificuldades por que hoje passa o país, que foi possível a esse mítico chefe satisfazer todo o tipo de interesses, os grandes e os pequenos. À semelhança do que acontecia em Espanha, com a cultura do pelotazo, também em Portugal se enriquecia então muito rapidamente e de qualquer modo.
De então para cá, o PSD foi oscilando entre um sentimento de orfandade, saudoso de uma época sem retorno, e a tentativa de encontrar uma denominação comum dos vários interesses divergentes que lhe permitissem voltar ao poder. Uma breve e episódica passagem pelo Governo, alcançada numa situação muito particular, motivada pelo abandono da liderança socialista, não foi contudo suficiente para unificar o que desde há muito estava desunido.
As várias e sucessivas tentativas que depois se seguiram, todas votadas ao insucesso pela incoerência das posições defendidas e por uma parte dos interesses tradicionalmente assumidos pelo partido serem agora defendidos pelo PS, levaram a nova liderança do PSD a pôr-se abertamente ao serviço dos interesses veiculados por um patronato que desde há muito ou desde sempre convive muito mal com tudo o que sejam regras e direitos. Para este patronato que tem no trabalho o seu principal inimigo, o ideal de empresa que o norteia é aquele que dispensa qualquer tipo de diálogo e de concertação, bem como aquele que trata o trabalho como algo descartável, que se procura quando faz falta e se dispensa à menor contrariedade, enfim, como algo que pode ser tratado como uma vulgar mercadoria.
Um patronato que não quer pagar impostos, mas que pretende retirar do Estado todas as vantagens que este lhe possa proporcionar. E a melhor forma de tirar do Estado essas vantagens é poder ter acesso ao dinheiro pago pelos impostos do trabalho, impedindo que ele se destine ao ensino, à saúde e à segurança social.
Simultaneamente, é um patronato que clama por um poder forte, sem partilha, de preferência unipessoal.
Este o verdadeiro significado da proposta de revisão constitucional do PSD. Uma proposta retrógrada, unilateral, ao serviço de um patronato atrasado, muito bem expresso na assistência que ouvia o novo líder na Bolsa do Porto!
Esta composição do PSD está bem patente na dificuldade que durante grande parte da sua existência o partido tem tido em fazer a defesa de interesses que a todos satisfaça e, consequentemente, na atribulada vida interna que tem caracterizado a sua acção política, marcada por muitas dissidências, convergências de ocasião e múltiplas contestações.
Nos primeiros tempos da democracia, esta relativa flexibilidade de princípios que caracteriza um partido com esta fisionomia, fez com as suas lideranças fossem sendo ajustadas às diversas conjunturas então vividas. Daí a sua importância nas manobras contra-revolucionárias dos primórdios do 25 de Abril, quando a errada avaliação da situação política então feita o fez supor que a facção spinolista das Forças Armadas poderia sair vencedora do confronto com as correntes progressistas do MFA. Derrotada aquela facção, logo a sua liderança inicial se esfuma, como por magia, e uma nova liderança mais próxima das correntes vencedoras do MFA se impõe, inclusive com um discurso aparentemente mais chegado ao das correntes dominantes do que o do próprio PS, desde há muito interessado em eliminar a influência militar progressista na vida política portuguesa.
Eliminado o MFA da política nacional ou limitado consideravelmente o seu papel, logo o PSD, aproveitando a conjuntura anti-revolucionária, aparece agora com um discurso radical orientado no sentido de uma mudança estrutural do então ainda frágil acquis saído da Revolução de Abril. Derrotado no seu propósito de impor um governo, uma maioria e um presidente que pudessem silenciar as vozes divergentes, o PSD mergulha de novo nas inúmeras contradições que o atravessam, até que o aparecimento do seu mais lídimo representante, saído dessa pequena-burguesia de província, com forte traços de conservadorismo rural, lhe tivesse assegurado, numa conjuntura economicamente muito favorável, o poder com que desde há muito sonhava e que efectivamente manteve durante dez anos consecutivos.
O dinheiro vindo da Europa era então tanto, esse dinheiro cujo deficientíssimo aproveitamento está na origem das dificuldades por que hoje passa o país, que foi possível a esse mítico chefe satisfazer todo o tipo de interesses, os grandes e os pequenos. À semelhança do que acontecia em Espanha, com a cultura do pelotazo, também em Portugal se enriquecia então muito rapidamente e de qualquer modo.
De então para cá, o PSD foi oscilando entre um sentimento de orfandade, saudoso de uma época sem retorno, e a tentativa de encontrar uma denominação comum dos vários interesses divergentes que lhe permitissem voltar ao poder. Uma breve e episódica passagem pelo Governo, alcançada numa situação muito particular, motivada pelo abandono da liderança socialista, não foi contudo suficiente para unificar o que desde há muito estava desunido.
As várias e sucessivas tentativas que depois se seguiram, todas votadas ao insucesso pela incoerência das posições defendidas e por uma parte dos interesses tradicionalmente assumidos pelo partido serem agora defendidos pelo PS, levaram a nova liderança do PSD a pôr-se abertamente ao serviço dos interesses veiculados por um patronato que desde há muito ou desde sempre convive muito mal com tudo o que sejam regras e direitos. Para este patronato que tem no trabalho o seu principal inimigo, o ideal de empresa que o norteia é aquele que dispensa qualquer tipo de diálogo e de concertação, bem como aquele que trata o trabalho como algo descartável, que se procura quando faz falta e se dispensa à menor contrariedade, enfim, como algo que pode ser tratado como uma vulgar mercadoria.
Um patronato que não quer pagar impostos, mas que pretende retirar do Estado todas as vantagens que este lhe possa proporcionar. E a melhor forma de tirar do Estado essas vantagens é poder ter acesso ao dinheiro pago pelos impostos do trabalho, impedindo que ele se destine ao ensino, à saúde e à segurança social.
Simultaneamente, é um patronato que clama por um poder forte, sem partilha, de preferência unipessoal.
Este o verdadeiro significado da proposta de revisão constitucional do PSD. Uma proposta retrógrada, unilateral, ao serviço de um patronato atrasado, muito bem expresso na assistência que ouvia o novo líder na Bolsa do Porto!
1 comentário:
1º) Mais uma brilhante análise.
Parabéns.
Continua a ver claro onde muitos vêm escuro.
2º) Ainda respeitante a este processo de alteração da Constituição, eis uma digna de "repita isso por favor ...":
http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?headline=46&visual=9&tm=9&t=Proposta-constitucional-do-PSD-contem-inconstitucionalidades-Jose-Magalhaes.rtp&article=361799
3º) Merkel e o deficit orçamental público português:
http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?headline=46&visual=9&tm=7&t=Merkel-tece-elogios-a-austeridade-portuguesa-e-espanhola.rtp&article=361742
4º) Rui Machete e a proposta constitucional do PSD:
http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?headline=46&visual=9&tm=9&t=Constituicao-Proposta-do-PSD-nao-passa-na-AR-Rui-Machete.rtp&article=361460
5º) E a mais hilariante de todas (tipo "chama aos outros antes que te chamem a ti ..."):
http://tv2.rtp.pt/noticias/index.php?headline=46&visual=9&tm=9&t=PSD-acusa-PS-de-ter-receio-da-mudanca.rtp&article=361581
Gostei daquela em que ele fala dos compadrios, etc ... Realmente, o PSD pode falar muito disso, pode ...
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