quinta-feira, 15 de julho de 2010

A TRISTE REALIDADE IMPÕE-SE



E O MAIS GRAVE É QUE ELES NÃO PERCEBEM

Enquanto Cavaco corrige Krugman, com adjectivos e advérbios e Passos Coelho copia Cavaco com a subserviência untuosa de quem já alienou o pouco que restava da sua independência, a triste realidade impõe-se. As previsões do Banco de Portugal, sobre as quais tanto se falou durante todo o dia, independentemente do seu rigor, apontam para uma tendência que muito provavelmente se verificará.
Em primeiro lugar, o ténue crescimento do actual semestre, mais do que a sazonalidade do período a que respeita, tem a sua causa nos estímulos à economia generosamente distribuídos em 2009. E a contracção ou recessão de 2011 tem a ver com o programa de austeridade aprovado pelo governo e pelo PSD. Até aqui nada de novo, portanto. Já se sabia que isto iria acontecer.
É claro que nós debatemo-nos com dois problemas: com a falta de crescimento e o excesso de endividamento. E dada a estrutura da nossa economia, consequência directa da adesão à agora União Europeia, o que tenderia a acontecer se a economia crescesse, nunca muito, mas no máximo à volta de dois pontos percentuais, seria um aumento percentual muito superior da dívida. E este é que é o problema para o qual até hoje ninguém do sistema apresentou uma solução aceitável.
Cavaco, que até tem estudos, como ele próprio disse quando respondeu a Krugman à entrada ou à saída de um daqueles pequenos eventos em que tem andado entretido a fazer campanha eleitoral, acha que temos de exportar e poupar. Além de querer copiar a Alemanha, que passou obviamente a ser o seu modelo oculto, Cavaco esquece-se ou desconhece que as relações económico-sociais complexas não podem ser copiadas com a facilidade com que se copia num exame a resposta a um problema.
Na verdade, a economia portuguesa não tem condições para fundamentar a sua base na actividade exportadora. A actividade exportadora desempenha apenas um papel, a par de outras. E é fácil perceber porquê.
Embora a exportação não dependa apenas de quem vende, mas também de quem compra, a verdade é que para exportar, entre os vários requisitos que a actividade pressupõe, é preciso ser competitivo. Que é exactamente o que falta ao empresariado português. O que sempre tem faltado e mais se agravou depois que deixou de ter os mercados protegidos das colónias, além da protecção do próprio mercado nacional.
Hoje, no contexto comunitário, a resposta do empresariado não poderia ser pior: teve, em grande medida, de refugiar-se sob a protecção do Estado, exercendo actividades por ele financiadas, ou dedicar-se à intermediação de bens importados. Ou seja, tudo actividades que em nada contribuem, antes agravam, para a solução dos problemas com que o país se debate.
Acontece ainda que no quadro da União Europeia, exactamente por ela ter as características que tem, não existe qualquer tipo de fomento de uma espécie de especialização sectorial baseada nas vantagens comparativas, situação esta que, a existir, poderia, a prazo, tender para um relativo equilíbrio entre o que cada um compra e o que cada um vende no seu interior. Como tal situação não existe, nem há nenhum cenário minimamente realista que aponte nesse sentido, no interior da UE tenderá sempre a haver grandes desequilíbrios.
Teoricamente, estes desequilíbrios poderiam ser atenuados ou até eliminados mediante uma consistente actividade exportadora para fora da União Europeia.
Só que para os países nestas condições, uma questão se impunha: para quê, então, pertencer à UE se não se tira qualquer vantagem da livre circulação de pessoas, de mercadorias ou de capitais?
Importa ainda dizer, antes de prosseguir, que esta permanente insistência na actividade exportadora, fazendo-se crer que existem potencialidades até aqui inexploradas, perfeitamente ao alcance do país, tem por objectivo atingir o salário de quem trabalha e a natureza da própria relação laboral. De facto, o que se pretende é potenciar os lucros e a exploração através de cortes salariais significativos e da degradação político-social da relação laboral. Voltar aos tempos da Revolução Industrial na velha Albion, assente na sobre-exploração do trabalho, que Marx tão magistralmente descreveu e combateu, é o objectivo do empresariado português, despudoradamente apoiado pelas mais altas instâncias do poder.
Não se pondo a hipótese, sequer teoricamente, de os desequilíbrios intra-comunitários poderem ser eliminados por via das actividades extra-comunitárias, a triste realidade com que os países “altamente desequilibrados” se deparam é a seguinte: a sua economia não cresce, porque os programas de ajustamento que lhes impuseram são recessivos; e, sendo recessivos, a “qualidade dos seus desequilíbrios” piora em todos os parâmetros; e piorando – porque os financiamentos vão sendo cada vez mais difíceis de obter, os juros vão sendo cada vez mais elevados, a dívida vai-se tornado cada vez maior e vai atingindo percentagens do PIB cada vez mais altas, o desemprego vai aumentando, etc. – aqueles desequilíbrios vão-se agravando, como aliás já se estão a gravar drasticamente.
Ou seja, neste contexto, o problema não tem solução, podendo então dizer-se que a adesão à zona euro e à própria Europa comunitária se revelaram, para um número apreciável de países, como o “embuste do século”! Tudo, porém, poderia ter sido diferente ou porventura ainda sê-lo se a Europa não fosse uma simples união mercantilista, onde os mais aptos procuram tirar dos mais fracos todas as vantagens ao seu alcance.

6 comentários:

V disse...

Quando escreves sobre economia e finanças às vezes tenho de ler 2 vezes. O problema não é teu, mas meu que não sei nada disto.

Desta vez entendi à primeira e lembrei-me do nosso Prof. Teixeira Ribeiro.

Abraço
V

Jorge Almeida disse...

Doutor Correia Pinto,

é a favor dos Estados Unidos da Europa?

Graza disse...

Amigas francesas perguntavam-me antes da nossa adesão à UE se não tínhamos medo, é que elas achavam que nós iríamos perder que não aguentaríamos etc.etc. Estiveram cá recentemente e com admiração e elogiosamente dizíam-me que Portugal estava muito mudado, que não parecia o mesmo país e que só quem vinha de fora e o conhecia antes notava essa diferença. Tive alguma dificuldade em deixar-nos ficar mal na foto, e não lhes confessei que havia uma realidade subterrânea que elas não viam e que provavelmente tinham razão no seu prognóstico inicial.

Anónimo disse...

Lembro-me de uma entrevista que Mário Soares deu ao Le Monde (Dominique Pouchin?) na fase da pré-adesão. Entre outras coisas previa (+- com estas palavras) ele um "tremblement" na economia mas, paciência, viveríamos com o que ficasse de pé, o resto só se mantinha com o proteccionismo do Estado Novo e, portanto, estava condenado. Na altura poucos contestaram estas ideias.

LG

Anónimo disse...

Li e acho que o autor está certo em praticamente tudo. Quem não concordar dirá que é uma leitura ideológica mas, o que é a economia oficial senão "ideologia cientificamente ornamentada"? Contudo, penso que 1) A "espécie de especialização sectorial baseada nas vantagens comparativas" estava na cabeça da generalidade dos entusiastas da adesão e até do cépticos, como eu. Simplesmente o Mundo deu uma grande volta como o autor sabe, como poucos, e a Europa da CEE estava no centro do turbilhão. A protecção aduaneira comum que nos protegeria foi, em grande parte, derrubada. 2) A "coesão" e bem estar social era uma arma importante da Europa ocidental para afugentar qualquer perigosa tentação, esse perigo esfumou-se. 3) Se não se tivesse aderido ao euro, sobretudo aderindo a Espanha, haveria outro tipo de problemas além dos mesmos e, agora, todos seriam justificados por essa não adesão.
Apesar de ter duvidado do eldorado, tem que se reconhecer que houve benefícios que sem a adesão tardaria décadas a concretizarem-se. E não foi só nas infraestruturas. E infraestruturas é também água, saneamento etc. etc. e sabemos o que era isso há 35 anos. Agora uma coisa é certa, só uma atitude de grande concertação e solidariedade intra-comunitária nos poderia evitar uma quebra no estilo dos últimos 15 anos e duvido que haja predisposição para tal.

António Marquês disse...

Um excelente dissecar das nossas debilidades e de como não as podemos suprir.
A leitura das suas análises, escorreitas e acessíveis aos menos versados nas matérias, são indispensáveis para perceber melhor o mundo em que vivemos. Mais uma vez, obrigado.