A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DO EL PAÍS
Para se ficar com uma ideia bem precisa do modo como os pressupostos ideológicos do neoliberalismo penetraram em amplas camadas sociais e são veiculados pelos grandes órgãos de informação, inclusive pelos considerados de centro-esquerda, basta ler o artigo de hoje do El País, sobre o “Patrioteirismo económico à custa do accionista”.
O mais interessante é que estes mesmos órgãos de informação no chamado discurso abstracto sobre o capitalismo dos nossos dias dizem-se defensores da regulação capitalista, combatem a omnipotência do mercado, enfim, fazem um discurso na aparência anti-neoliberal. Todavia, quando o problema se põe a propósito de um caso concreto (que não envolva interesses nacionais do Estado a que esses dito órgão pertence), é certo e sabido que o que prevalece na análise são as teses neoliberais.
A isto se chama hegemonia ideológica. A hegemonia ideológica é o “cimento” que garante o consenso e permite que numa dada sociedade (e hoje a sociedade tende a ser global) os titulares dos interesses contrapostos ou até antagónicos, sejam eles políticos ou económicos, vivam normalmente em sociedade sem questionar o status quo ou, pelo menos, sem o pôr seriamente em causa.
O neoliberalismo assenta em pressupostos ideológicos muito simples que uma particular conjuntura histórica, muito facilitada por falhadas experiências de profundas e ambiciosas transformações sociais, ajudou a difundir. É ainda este falhanço que historicamente explica que o neoliberalismo esteja a conseguir pôr em causa, com êxito, tanto as conquistas sociais anteriores àquelas experiências como as que lhes são contemporâneas e se desenvolveram num processo emulativo de procura de caminhos alternativos.
O neoliberalismo assenta na ideia de que o interesse privado é superior ao interesse público; que do livre jogo das forças do mercado, com vista à satisfação de interesses particulares, resulta satisfeito o interesse de todos; que, assegurada a igualdade do cidadão perante a lei, o princípio da liberdade contratual actuado livremente e sem constrangimentos legais (salvo, obviamente os que decorrem do respeito pelas “regras do jogo”, como a capacidade das partes, a licitude do objecto, a prestação livre do consentimento, etc. etc.) é o que melhor defende o interesse de todos, porque ninguém actua contra os seus próprios interesses; finalmente, o Estado é um mal necessário, que deve limitar a sua intervenção à defesa das “regras do jogo” (e nestas está, obviamente, a defesa da propriedade) e à garantia das chamadas liberdades negativas.
É evidente que tudo isto não passa de uma falácia e de um gigantesco embuste, porque, embora as ciências sociais não sejam experimentáveis, as experiências históricas conhecidas já demonstraram as terríveis consequências que decorrem da aplicação deste modelo e as profundas desigualdades sociais e entre países que ele necessariamente gera.
4 comentários:
Passei por este blog e, como noutros sítios com outros opinadores, quem não responde entusiasticamente à convocatória patrioteira socretina faz parte do do enorme rebanho, consciente ou inconscientemente, apologista das ideias neo-liberais. Não é o meu caso e não o será de muita gente. Não respondo à "convocatória" porque se me afigura, no essencial, uma manobra populista, faz parte da coreografia. Quem não tenha nascido ontem já tem experiência nestas representações para as poder "desmontar".
Vou ter que responder, apesar da "convocatória patrioteira".
Com toda a franqueza, a questão é bem mais complexa e não tem nada a ver com Sócrates. Com o estar a favor ou contra. Essa é uma visão muito microscópica com a qual me não deixo enredar.
A questão que eu levanto tem a ver com a natureza da União Europeia. A UE ou é uma federação ou não será. E não vindo a sê-lo, como muito provavelmente acontecerá, será um dos grandes "embustes do nosso tempo".
O problema é este meu Caro Anónimo
CP
Do anónimo anterior
Dr. JMC Pinto, não me referia à sua "convocatória". Quanto ao comentário com que teve amabilidade de responder, digo-lhe que concordo inteira e absolutamente. Eu gosto é das coisas frontais e claras, embora admita que esta minha visão seja inviável na política. Por exemplo, é clara a posição do PCP e BE sobre estas questões, ainda hoje o foi pela voz de Agostinho Lopes.
Caro amigo,
Vou fazer link deste post e do que se refere à revisão constitucional.
Obrigado.
Abraço.
Enviar um comentário