sexta-feira, 30 de julho de 2010

NOTÍCIAS DO MUNDO EM TEMPO DE FÉRIAS (2)



O ARIZONA


Na América, Barack Obama finalmente teve a coragem de avançar com a decisão de contestar judicialmente uma lei xenófoba aprovada no Arizona contra os imigrantes ilegais, mesmo sabendo que a maioria dos americanos, não apenas os daquele Estado, mas os de toda a América, a aprovavam ou encaravam a sua vigência com relativa benevolência.
Exactamente no mesmo dia em que a lei iria entra em vigor, a juíza Susan Bolton inviabilizou, por inconstitucionalidade, a vigência dos artigos mais contestados, nomeadamente aquele que obrigava a polícia a comprovar o estatuto migratório de uma pessoa retida pela prática de qualquer falta ou delito, como, por exemplo, a violação de uma lei de trânsito ou de um regulamento municipal, sempre que a dita pessoa, na avaliação da polícia, tenha aspecto ou lhe pareça suspeita de haver entrado ilegalmente no país, ficando a polícia com o direito de manter essa pessoa sob custódia pelo tempo suficiente para fazer a respectiva comprovação.
Esta lei permitia, no fundo, que uma pessoa, que se tivesse esquecido dos seus documentos em casa ou no hotel, fosse presa, desde que suspeita de haver entrado ilegalmente no país. E como um branco “caucasiano” com aspecto normal nunca é suspeito de coisa nenhuma, obviamente que a lei se aplicaria principalmente aos hispânicos mestiços, aos árabes, eventualmente a alguns orientais.
Tal lei, analisada do ponto de vista dos sistemas normativos europeus continentais, não tem nada de muito especial, já que a identificação de uma pessoa pode ser exigida sem qualquer pretexto, mas do ponto de vista do direito anglo-saxónico, onde as questões relacionadas com a identificação estão sujeitas a regras muito estritas ditadas pelas concepções liberais e individualistas que norteiam aqueles regimes jurídicos, a lei do Arizona constituía uma enormidade jurídico-política. Tanto mais que ela “prejudica os estrangeiros legalmente residentes nos EUA, inclusive os próprios cidadãos norte-americanos, na medida em que afecta a sua liberdade enquanto se comprova o seu estatuto”, argumentação que o tribunal utilizou para a considerar inconstitucional.
Certamente que uma longa batalha jurídica (e política) se vai seguir até que o Supremo Tribunal Federal decida em última instância. E até lá o sheriff Arpaio vai ter que conter os seus ímpetos mais chauvinistas…
Enfim, o que este triste episódio tem de mais importante não é tanto o facto de ele demonstrar quão difícil é ainda nos Estados Unidos a convivência racial, mesmo quando a conflitualidade se disfarça sob outros pretextos, mas antes por ser esta a primeira vez que Obama, desde o início do seu mandato, toma uma decisão conforme às suas convicções, sem atender a compromissos. Em todos os anteriores combates em que participou (sistema de saúde, regulação do sector financeiro, guerra do Afeganistão, etc.), Obama procurou sempre o compromisso, tendo, de cedência em cedência, alienado grande parte dos apoios com que contava à partida sem ter conseguido angariar nenhuma simpatia por parte dos que sempre o hostilizaram. E não há nada pior num país como a América do que as promessas incumpridas, nomeadamente quando havia à sua volta uma enorme expectativa.
A história americana destes últimos oitenta anos, ou seja, desde Roosevelt, demonstra que somente os Presidentes que foram capazes de impor o seu programa, qualquer que fosse a correlação de forças no Congresso, foram verdadeiramente apoiados e respeitados, independentemente das ferozes oposições que suscitaram.
O caso de Roosevelt é paradigmático. Pelo menos até que a sorte das armas lhe tenha criado a aura de grande vencedor, Roosevelt deparou-se sempre com uma oposição que o flagelou sem contemplações. Mas nem por isso deixou de adoptar as medidas mais fraccionantes para largos sectores da mentalidade americana. Algumas delas foram tão importantes que se mantiveram eficazes durante várias décadas e foram inclusive ampliadas pelas presidências subsequentes.
Pois bem: por muito estranho que pareça, Obama nunca teve Roosevelt por paradigma, mas Reagan! A ideia de que Reagan “uniu” a América pelo compromisso sempre o fascinou. Explicando melhor: Obama não ficou fascinado pela política de Reagan. Mas pelo modo como Reagan fazia política. Para sermos mais claros: o que fascinou Obama não foi o conteúdo da política de Reagan, mas a forma.
É claro que a tentativa de “copiar” Reagan pela esquerda estaria inevitavelmente votada ao fracasso. A esquerda americana nem actualmente nenhuma esquerda em qualquer país realmente importante dispõem dos meios que a direita tem ao seu alcance para fazer passar as suas mensagens. A hegemonia, no sentido gramsciano do termo, pertence à direita…
Reagan foi o menos compromissório de todos os presidentes americanos dos tempos modernos. O mérito de Reagan esteve em ter tido a capacidade de traduzir em ideias muito simples, apreensíveis por milhões de americanos incultos, as teses veiculadas pelas correntes politico-filosóficas mais reaccionárias que mais se aproximavam com certos aspectos da ideologia fundadora dos próprios Estados Unidos. Reagan fê-los acreditar que o Estado é em si uma coisa má, que gasta mal o dinheiro dos contribuintes, que as ajudas concedidas a quem precisa só servem para fomentar o ociosidade, se não mesmo a malandragem…e por aí fora. E o seu grande mérito foi, sem dúvida, o de ter feito acreditar nisto mesmo aqueles que mais beneficiados tinham sido até então com as políticas rooseveltianas do New Deal. Portanto, Reagan não uniu a América. Reagan enganou uma parte da América.
Provavelmente, já é tarde para Obama tirar as consequências devidas destes quase dois anos de mandato…
ADITAMENTO
Confirmando o que se diz no texto, sobre o que se passa na Europa, o El Pais de 7 de Agosto traz um interessante artigo sobre este tema - Arizona en Lavapiés, de Xavier Rius - denunciando aquilo que tem sido uma prática corrente em Espanha, judicialmente confirmada, inclusive pelo Tribunal Constitucional, embora desautorizada pela Comissão dos Direitos do Homem da ONU.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

NOTÍCIAS DO MUNDO EM TEMPO DE FÉRIAS (1)

A CATALUNHA E OS TOUROS

O Parlamento da Catalunha vingou-se do acórdão do Tribunal Constitucional: proibiu as touradas a partir de 2012. É uma decisão maioritária, como não poderia deixar de ser, mas não é muito expressiva: 68 votos a favor, 55 contra e 9 abstenções. Embora a democracia funcione, como regra, com base na maioria simples: ganha quem somar mais votos a favor, a verdade é que numa lei como esta em que se queria afrontar a “barbárie” espanhola e marcar a diferença da sociedade catalã relativamente a um dos grandes símbolos de Espanha, a fraca expressividade da proibição reúne todas as condições para ser contestada.

Em todo o caso, parte do objectivo está alcançado. A Espanha “profunda”, a da Guardia Civil, a do chapéu tricórnio, a do touro que resistiu aos regulamentos comunitários, a dos herdeiros de Franco, já reagiu com veemência a ponto de o presidente do PP, Rajoy, ter anunciado que levará o assunto ao Congresso nacional. Mas a “outra” Espanha, embora não tenha sido tão expressiva, também não reagiu bem.

De certo modo, a Espanha de direita e de esquerda não gostou. Tanto pior para Espanha. É que se a reacção tivesse sido só de um lado sempre se poderia voltar a citar António Machado e falar nas “Duas Espanhas”, mas sendo a rejeição mais abrangente bem pode o Parlamento catalão dar-se por feliz por com a sua deliberação ter marcado a diferença entre a Espanha e a Catalunha.

UMA ENTREVISTA INTERESSANTE


HEINRICH AUGUST WINCKLER

Devo confessar a minha ignorância. Não conhecia Heinrich A. Winckler que hoje encontrei por acaso numa entrevista do Euronews.
Não tenho notícia de que algum escrito seu esteja traduzido em português. Fiz as buscas da praxe e apenas encontrei uma tradução de um livro seu em inglês, Germany: the long road west, 2 vols., 1789-1933 e 1933-1990.
Há muita gente interessante na Alemanha que escapa a quem não for fluente em alemão. Winckler será certamente um deles. Aqui fica a entrevista sobre a crise europeia com algumas ideias bem interessantes.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O NEOLIBERALISMO DE BRUXELAS E A TAP


AS DECLARAÇÕES E AS CONTRA-DECLARAÇÕES DO MINISTRO


Como se referiu no último post, Bruxelas permite que se apoiem os bancos com milhares de milhões mas recusa o apoio do Estado a empresas que necessitem de ser capitalizadas para poderem subsistir com o estatuto que actualmente têm.
O caso da TAP é exemplar. Com um capital social ridículo relativamente ao seu volume de negócio, a TAP precisa urgentemente da entrada de capitais do Estado para continuar a desenvolver o seu negócio ao abrigo das crises conjunturais que ciclicamente a afectam.
A União Europeia, em princípio, não permite que o proprietário da empresa (o Estado) tome a seu cargo essa capitalização, por o proprietário ser quem é, em virtude de tal acto ser entendido como uma ajuda de Estado, algo que, na ortodoxia neoliberal, é tão grave como no auge dos rigores do colectivismo seria ter meio hectare de terra para explorar por conta própria.
Trata-se de uma proibição que não tem qualquer explicação racional e que apenas pode ser compreendida com base num preconceito ideológico levado às últimas consequências.
O Ministro dos Transportes e das Comunicações colocado perante a situação, na sequência de um pedido de informação do Bloco de Esquerda, logo se apressou a confirmar que a TAP precisava urgentemente de ser privatizada para poder escapar a uma crise grave.
É claro que esta resposta suscitou a maior perplexidade, não apenas pela privatização de uma empresa como a TAP, mas por imediatamente se depreender que, tendo o Ministro ou o seu gabinete ligado processo de privatização à situação financeira da empresa e às crises que ela pode gerar, tal processo iria ter lugar nas piores condições possíveis. Privatizar neste contexto seria um “enorme favor” que o capital privado estaria a fazer ao Estado, “retirando-lhe de cima dos ombros esse enorme peso” que é o de ser proprietário de uma empresa como a TAP.
Tendo realizado um dia depois, face ao alarme causado pelas suas explicações, a enormidade da justificação apresentada, o Ministro veio corrigir o que disse antes, afirmando que a empresa tem uma excelente “performance”, que é uma “empresa perfeitamente sustentável” e com uma “capacidade notável face a todas as situações de crise”.
Há aqui muita coisa que não bate certo. A primeira, não despicienda, é a legítima interrogação sobre o que é ser ministro hoje. Tradicionalmente, o Ministro era uma personalidade com ideias, capaz de encontrar soluções criativas favoráveis à defesa do interesse geral, no quadro geral da linha política defendida pelo partido que apoia o Governo. Esta ideia de Ministro, porém, foi sendo gradual e substancialmente alterada com a passagem do tempo. O Ministro hoje assemelha-se cada vez mais a um funcionário que prescinde da sua própria capacidade de pensar (ou já é propositadamente escolhido por ter esta incapacidade como qualidade recomendável) e actua no quadro de uma obediência hierárquica ao núcleo duro do Governo, disposto a fazer tudo o que lhe mandam, concorde ou não concorde com o que “tem de ser feito”.
A segunda coisa que não bate mesmo nada certo é a grande disparidade existente no espaço de um dia do resultado da avaliação das características da mesma empresa. Passa-se de uma empresa em risco eminente de falência no caso de uma crise causada por factores conjunturais (porém, sempre muito presentes, diga-se o que se disser), para uma empresa com “uma capacidade notável face a todas as situações de crise”.
A terceira coisa que não bate certo é estar-se a fazer de conta que a empresa não tem um passivo (seguramente) gigantesco que alguém directa ou indirectamente garante e que imediatamente se venceria se a empresa deixasse de ser pública.
A quarta e decisiva coisa que não bate certo, é o Ministro aparentemente desconhecer o que ainda há dias Sarkozy foi dizer em Saint-Nazaire, depois de ter decidido que iria salvar da falência um dos estaleiros navais mais importantes de França, sempre com o argumento de que um país só será um grande país se tiver nas suas mãos “isto, aquilo e aqueloutro”, e de que, como máximo responsável pelos destinos da França, prefere “meter” dinheiro do Estado nas empresas em risco de falência do que gastar esse mesmo dinheiro em subsídios de desemprego e outros apoios sociais. E quem diz Sarkozy diz Merkel relativamente a outras grandes empresas alemãs.
Ou seja, é também para isto que um Ministro serve e não apenas para seguir com espírito de funcionário obediente as directivas do Ministro das Finanças por mais absurdas que sejam!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

ORA BOLAS PARA ESTE LIBERALISMO!




COMISSÃO EUROPEIA AUTORIZA CONTINUAÇÃO DO APOIO AOS BANCOS ATÉ AO FIM DO ANO

A ultraliberal Comissão Europeia, grande defensora da concentração capitalista…em nome da concorrência, injuria (no seu jeito linguajar), processa e multa os Estados (os mais pequenos, claro) que ousam, por exemplo, evitar o crescimento do desemprego mediante apoios às empresas em crise. Ajuda de Estado é para Bruxelas o mesmo que casamento entre pessoas do mesmo sexo para o Vaticano. Mas permite, depois da farsa dos testes de stress, que os bancos – simultaneamente os grandes responsáveis e os grandes vencedores da crise financeira – continuem a ser apoiados pelos Estados.
Ora bolas para este liberalismo. Era como se num regime comunista estivesse tudo colectivizado, salvo as empresas constituídas pelos membros do Politburo, que poderiam por estes ser privadamente exploradas!

A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL, CAVACO E A FAMÍLIA



ONDE É QUE EU JÁ OUVI ISTO?

Cavaco vai conversar com a família, este Verão, provavelmente na casa da Praia da Coelha (acho que é assim que se chama), que decisão tomar sobre a recandidatura à presidência da república.
Acho que já ouvi isto em qualquer lado. Ah, já sei! Foi o presidente do Benfica antes de se recandidatar pela enésima vez à presidência do Benfica.
Bem anda nestas matérias Pinto da Costa que tendo família mutável nunca está em condições de marcar para aquele efeito uma reunião de família com mais de três dias de antecedência. E o resultado é exactamente o mesmo…

domingo, 25 de julho de 2010

SEQUELAS DA PROPOSTA DO PSD


MAIS OU MENOS O QUE SE ESPERAVA

Enquanto o PSD e, principalmente, Passos Coelho vão ensaiando o papel de vítimas que aceitam estoicamente o preço político exigido por uma proposta impopular exigida pelo "sagrado interesse nacional", a direita do PS vai-se pondo a jeito para a negociação de um acordo…mas somente depois da eleição presidencial.
Gama, dirigente histórico do PS e Presidente da Assembleia da República, analisa como comentador político a proposta do PSD. E para que não haja qualquer espécie de dúvidas explica, a quem o queira ouvir, que a proposta inicial até já foi corrigida pelo PSD e que quando o PS entrar nas negociações consolidar-se-á um texto aceitável para ambas as partes.
Assim é que é falar. Tal como aqui tínhamos previsto, o caminho está-se fazendo. É, porém, ainda cedo para tirar conclusões. Mas que há no PS quem esteja muito de acordo com o PSD, contanto que as coisas sejam ditas de outra maneira, é inegável, como se verá melhor com o decurso do tempo.
Cavaco, por seu lado, guarda silêncio como convém, embora as hipóteses de poder beneficiar das alterações propostas sejam quase nulas.
O CDS, que já percebeu o que se vai passar, tenta capitalizar, fazendo que se demarca de ambos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A PROPOSTA CONSTITUCIONAL DO PSD

AGORA VAMOS ENTRAR NA SEGUNDA FASE, A DA MISTIFICAÇÃO E DE ALARGAMENTO DO "CONSENSO"

A proposta de revisão constitucional do PSD não tem em vista, no imediato, uma alteração da Constituição completamente coincidente com o que nela se propõe, já que as modificações pretendidas do texto constitucional não têm, em princípio, grandes hipóteses de serem aprovadas, pela maioria exigível para poderem vingar, nos termos em que foram apresentadas.
Trata-se antes de uma proposta destinada a fazer o seu caminho e a auscultar as reacções que vêm a público que, como se sabe, são apenas uma ínfima parte das que realmente se manifestam. O que a nova liderança do PSD pretende é trazer os temas nelas contemplados para a ribalta da discussão política, nomeadamente os que se referem aos direitos fundamentais. O partido conta, para o efeito, com o apoio incondicional do patronato cujos interesses defende, e por via deste da amplificação dos seus pontos de vista nos diversos meios de comunicação social, quer por via dos jornalistas quer dos comentadores por conta.
E está-se mesmo a ver como a conversa se vai desenvolver. Por um lado, insistindo na tecla de que é preciso abandonar a herança de um passado retrógrado para se estar à altura da “grandiosidade” dos tempos que correm e, por outro, que as propostas apresentadas estão longe de poder ser entendidas com o sentido e alcance que a esquerda lhes atribuiu.
Vai-se insistir na ideia de que se não pretende liberalizar o despedimento, mas apenas introduzir uma cláusula geral susceptível de contemplar um conjunto de situações razoáveis que o conceito de justa causa não permite compreender em virtude da sua cristalização pela prática jurisprudencial de várias décadas. E claro que se vai omitir que o conceito de “razão atendível” é, em virtude dos próprios termos utilizados e por força da simples mudança que ele opera, um conceito fundamentalmente destinado a uma densificação unilateral dos interesses em presença. É atendível o motivo que, do ponto de vista da empresa, o justifique. A empresa passa a ser neste entendimento o local por excelência de prevalência em toda a linha dos interesses do capital. Não interessa, portanto, insistir na tecla de que o conceito não permite o despedimento arbitrário ou mesmo discricionário, porque o que verdadeiramente está em jogo é a substituição de um conceito que atendia aos interesses de ambas as partes, com leve predomínio dos interesses da parte mais fraca, por um conceito cuja apreciação, insiste-se, ficaria sujeita a uma avaliação puramente unilateral dos interesses atendíveis do ponto de vista do patrão.
E é isto o que o capital quer. Só mesmo nas manifestações mais soezes de certos empresários trogloditas será possível encontrar algum eco de manifestações mais radicais.
No domínio da saúde, a tentativa de fazer passar a proposta apresentada vai assentar em duas ideias muito simples. A primeira é a de que ninguém ficará privado de cuidados médicos por falta de meios económicos (não é bem de falta de dinheiro, porque na proposta do PSD não será “atendível” a falta de liquidez de quem a possa alcançar à custa, por exemplo, da venda do património) e a segunda é a de que a situação económica do país e as finanças do Estado não suportam um SNS gratuito, ou tendencialmente gratuito, nomeadamente em relação àqueles que o podem pagar.
Aqui vai funcionar o argumento demagógico de que se não justifica que o Estado subsidie os ricos à custa dos impostos de quem trabalha. É claro que este argumento só poderá impressionar quem verdadeiramente não compreenda a importância do que está em jogo e a falácia de que o PSD se serve para transferir para o sector privado somas astronómicas de dinheiro à custa da degradação do sector público. Diga-se marginalmente que para este efeito já não terá qualquer valor o argumento que Cavaco e outros da mesma escola têm frequentemente usado a respeito do impulso que o Estado tem prestado à multiplicação dos investimentos em “bens não transaccionáveis”.
Antes de continuar, conviria também dizer que o PSD, se fosse realmente coerente com o que diz serem as verdadeiras razões das suas propostas, deveria alterar completamente o sistema de financiamento de certas prestações ou serviços que até agora têm estado a cargo do Estado. Por exemplo: que justificação para que os serviços de polícia sejam exclusivamente pagos pelo orçamento de Estado? Dentro da lógica do PSD, a polícia rodoviária deveria ser paga por quem circula nas estradas, pagando cada um tanto mais quantas mais viaturas tiver em seu nome. E a polícia que defende o património das agressões alheias igualmente deveria ser paga por quem é titular de mais bens e tem mais interesses a defender. Pois faz lá algum sentido que quem vive exclusivamente do seu salário, insuficiente para fazer face às despesas elementares, ou mesmo quem viva mais à larga, mas sem património próprio, veja todos os meses ser-lhe retirada uma parcela significativa do que ganha para pagar a segurança do património de quem muito tem? E os exemplos poderiam multiplicar-se ad infinitum.
É claro que nestes casos já não funciona o argumento dos ricos e dos pobres. Funciona na saúde, porque o que o PSD pretende é, por um lado, transferir para o sector privado todos os cuidados de saúde que não impliquem grandes investimentos e sejam altamente lucrativos, pondo o seu financiamento a cargo dos respectivos utentes e, por outro, transferir para a gestão privada os cuidados de saúde que exijam grandes financiamentos, com vista à “racionalização” desses cuidados. No sector público ficaria um sistema residual e precário de saúde ao qual apenas acudiriam aqueles cuja ausência de meios de todo os impossibilitasse de recorrerem ao sistema privado. Um serviço que tenderia a degradar-se cada vez mais com o andar dos tempos por legítima pressão daqueles que, pagando impostos, deixaram de a ele ter acesso em regime de gratuitidade.
E o mesmo se diga relativamente à educação e à segurança social. Os valores do individualismo e do salve-se quem puder são a verdadeira matriz ideológica da proposta do PSD. Uma matriz que assenta como sopa no mel à sociedade civil típica da sociedade capitalista tal como Marx a descreveu, de certo modo a partir do estado de natureza de Hobbes.
A grande incógnita que esta proposta de revisão constitucional levanta, deixando de lado a questão da distribuição de poderes entre os órgãos de soberania – aliás juridicamente formulada com os pés, muito ao estilo dos políticos oriundos das jotas, profissionais da política desde tenra idade e com um “cursus deshonorum” repleto de insucesso escolar -, é a posição que o PS irá assumir.
Aparentemente, pelas palavras claras que Silva Pereira hoje nos leu, haverá uma rejeição. Mas a experiência – com a qual o PSD conta – diz-nos que todas as revisões constitucionais, mesmo as mais ousadas, foram feitas com a colaboração do PS. Para nos dar razão ainda hoje Vitorino, que, como se sabe, tanto poderia estar no PS como no PSD – é apenas uma questão de rentabilidade do investimento – nos veio dizer que a proposta do PSD só poderia ser aceite (ou ter viabilidade) se aquele partido fizesse a prova de que a Constituição, tal como está, constitui um entrave ao desenvolvimento do país. Basta que mais alguém no PS, na hora própria, ponha a questão nestes termos para que rapidamente se comece a formar dentro do partido uma corrente de opinião favorável ao “diálogo constitucional” com o PSD.
E depois, de cedência em cedência, não teremos rigorosamente aquilo que o PSD propõe, mas algo muito próximo feito com a tradicional perfídia de quem aparentemente deixa intocáveis os princípios, cada vez com menos substância, dada a multiplicidade de situações em que se torna legítimo postergá-los. E quando a coisa estiver quase cristalizada, lá teremos a “esquerda” do PS a carpir mais esta cedência, sempre naquele estilo de quem assiste de fora ao que se passou e apenas toma conhecimento do resultado, como espectador.
Oxalá nos enganemos…

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A NOVA FACE DO PSD


PSD PONTA DE LANÇA DO TÍPICO PATRONATO PORTUGUÊS

A composição da assistência do salão nobre da Bolsa do Porto, aqui há uns meses, para ouvir uma intervenção de Passos Coelho pouco depois da sua eleição, não deixava muitas dúvidas sobre a sintonia de posições entre quem falava e quem ouvia, deixando claro qual a orientação que doravante iria dominar o partido.
O PSD sempre foi um partido de direita, polvilhado nas suas origens por um ou outro opositor à ditadura, maioritariamente constituído por gente que lamentava tanto a Revolução, como a incapacidade de Caetano para mudar alguma coisa deixando tudo na mesma. Apesar da sua origem citadina, ele era desde a fundação um partido de província e rural.
A origem citadina do partido, principalmente em Lisboa e Porto, está presente no impulso que as jovens elites marcelistas, frustradas pela impossibilidade de alterarem os aspectos mais retrógrados da ditadura, deram à sua criação, fazendo dele o órgão de intervenção política que lhes augurava a possibilidade de fazerem em democracia aquilo que não conseguiram fazer em ditadura. Distantes do PS, pela sua origem e pelo percurso de vida, receosas da desconfiança que o CDS suscitava, como partido dos herdeiros da ditadura, as frustradas jovens elites marcelistas encontraram no PSD o terreno de eleição para uma acção política que o 25 de Abril lhes propiciava sem ficarem reféns, como até ai, do labéu de colaboracionistas da ditadura.
Simultaneamente, um conjunto muito apreciável de quadros de província, muitos deles sem qualquer ligação ao passado salazarista ou marcelista, embora conservadores na sua origem e propósitos políticos, deram corpo e alma ao PSD, fazendo dele um partido com forte implantação a norte do Tejo, nomeadamente no plano autárquico, defensor de interesses não necessariamente homogéneos, onde se mesclavam as ligações aos grandes interesses com a defesa de posições tipicamente pequeno-burguesas, da pequena burguesia de província, bem como de interesses manifestamente rurais e conservadores.
Esta composição do PSD está bem patente na dificuldade que durante grande parte da sua existência o partido tem tido em fazer a defesa de interesses que a todos satisfaça e, consequentemente, na atribulada vida interna que tem caracterizado a sua acção política, marcada por muitas dissidências, convergências de ocasião e múltiplas contestações.
Nos primeiros tempos da democracia, esta relativa flexibilidade de princípios que caracteriza um partido com esta fisionomia, fez com as suas lideranças fossem sendo ajustadas às diversas conjunturas então vividas. Daí a sua importância nas manobras contra-revolucionárias dos primórdios do 25 de Abril, quando a errada avaliação da situação política então feita o fez supor que a facção spinolista das Forças Armadas poderia sair vencedora do confronto com as correntes progressistas do MFA. Derrotada aquela facção, logo a sua liderança inicial se esfuma, como por magia, e uma nova liderança mais próxima das correntes vencedoras do MFA se impõe, inclusive com um discurso aparentemente mais chegado ao das correntes dominantes do que o do próprio PS, desde há muito interessado em eliminar a influência militar progressista na vida política portuguesa.
Eliminado o MFA da política nacional ou limitado consideravelmente o seu papel, logo o PSD, aproveitando a conjuntura anti-revolucionária, aparece agora com um discurso radical orientado no sentido de uma mudança estrutural do então ainda frágil acquis saído da Revolução de Abril. Derrotado no seu propósito de impor um governo, uma maioria e um presidente que pudessem silenciar as vozes divergentes, o PSD mergulha de novo nas inúmeras contradições que o atravessam, até que o aparecimento do seu mais lídimo representante, saído dessa pequena-burguesia de província, com forte traços de conservadorismo rural, lhe tivesse assegurado, numa conjuntura economicamente muito favorável, o poder com que desde há muito sonhava e que efectivamente manteve durante dez anos consecutivos.
O dinheiro vindo da Europa era então tanto, esse dinheiro cujo deficientíssimo aproveitamento está na origem das dificuldades por que hoje passa o país, que foi possível a esse mítico chefe satisfazer todo o tipo de interesses, os grandes e os pequenos. À semelhança do que acontecia em Espanha, com a cultura do pelotazo, também em Portugal se enriquecia então muito rapidamente e de qualquer modo.
De então para cá, o PSD foi oscilando entre um sentimento de orfandade, saudoso de uma época sem retorno, e a tentativa de encontrar uma denominação comum dos vários interesses divergentes que lhe permitissem voltar ao poder. Uma breve e episódica passagem pelo Governo, alcançada numa situação muito particular, motivada pelo abandono da liderança socialista, não foi contudo suficiente para unificar o que desde há muito estava desunido.
As várias e sucessivas tentativas que depois se seguiram, todas votadas ao insucesso pela incoerência das posições defendidas e por uma parte dos interesses tradicionalmente assumidos pelo partido serem agora defendidos pelo PS, levaram a nova liderança do PSD a pôr-se abertamente ao serviço dos interesses veiculados por um patronato que desde há muito ou desde sempre convive muito mal com tudo o que sejam regras e direitos. Para este patronato que tem no trabalho o seu principal inimigo, o ideal de empresa que o norteia é aquele que dispensa qualquer tipo de diálogo e de concertação, bem como aquele que trata o trabalho como algo descartável, que se procura quando faz falta e se dispensa à menor contrariedade, enfim, como algo que pode ser tratado como uma vulgar mercadoria.
Um patronato que não quer pagar impostos, mas que pretende retirar do Estado todas as vantagens que este lhe possa proporcionar. E a melhor forma de tirar do Estado essas vantagens é poder ter acesso ao dinheiro pago pelos impostos do trabalho, impedindo que ele se destine ao ensino, à saúde e à segurança social.
Simultaneamente, é um patronato que clama por um poder forte, sem partilha, de preferência unipessoal.
Este o verdadeiro significado da proposta de revisão constitucional do PSD. Uma proposta retrógrada, unilateral, ao serviço de um patronato atrasado, muito bem expresso na assistência que ouvia o novo líder na Bolsa do Porto!

domingo, 18 de julho de 2010

PASSOS COELHO: O SENTIDO DE UMA PROPOSTA


O QUE TEM DE NOVO

Passos Coelho manteve-se até ontem no silêncio das frases feitas razoavelmente cantadas, embora desde há muito se percebesse que tinha muito pouco para dizer. Aliás, o que verdadeiramente tem para dizer não tem nada de novo e tem de ser silenciado, porque quanto mais o seu programa se expuser mais o eleitorado fugirá dele.
Como porém também não pode refugiar-se eternamente no silêncio das frases feitas, optou por falar sobre a revisão constitucional. Silenciou aquilo que verdadeiramente quer alterar, que é o papel do Estado e o regime dos direitos, liberdades e garantias, e deu voz a uma proposta que não é nova, em certos sectores do seu partido, sobre a distribuição de poderes entre os órgãos de soberania.
E o resultado, no seio da classe política stricto sensu entendida, não poderia ser pior. Com excepção de Machete, esse grande “soda”, sempre à espera que alguém o considere, mais agora que está politicamente desempregado, levou pancada de todo o lado. Até no interior seu próprio partido, dos que vêem na proposta um retrocesso e uma traição à própria história do PSD. Mas isso não significa que a proposta não tenha apoio, desde logo em largos sectores do partido que a apresentou.
Por isso será interessante tentar perceber as razões que terão ditado esta proposta de reforço dos poderes presidenciais. Aparentemente, ela não se enquadra na linha política de quem começou o seu mandato marcando uma certa distância em relação a Cavaco. Ainda está na memória de todos a entrevista que o então “tutor” de Passos Coelho, Ângelo Correia, concedeu à SIC N sobre as relações do partido com Cavaco e as ameaças veladas que lhe deixou.
A verdade é que de então para cá impôs-se no partido a linha que vem sendo defendida desde há mais de um ano pela nomenclatura do PSD ligada ao capital e ao mundo empresarial que aposta no reforço da intervenção de Cavaco como homem providencial para afrontar a crise. Se a nossa memória não for curta, depressa nos recordaremos de todos aqueles que no PSD, e a ele ligados, vêm fazendo a defesa desta tese nos jornais, nas rádios e nas televisões. A única novidade está em a proposta ser veiculada por Passos Coelho, o que significa, depois da bazófia com que se apresentou, que o convenceram, sem ele se ter apercebido, que o reforço dos poderes de Cavaco era a solução da qual dependeria a salvação do país.
De facto, não adianta estar a falar estar a falar do Presidente da República, como instituição, ou como órgão unipessoal de soberania, porque o que realmente está na cabeça de quem “pilotou” esta proposta é Cavaco. Ou seja, é uma proposta para os próximos seis, sete anos, se fosse levada à prática com a amplitude pretendida.
Verdadeiramente isto não tem nada de novo. Impossibilitada – até ver… - de fazer um golpe de Estado pelos métodos tradicionais, esta gente, incapaz de viver em democracia, deixa transparecer com muita facilidade, principalmente em tempo de crise, o modo como encara a governação país. Para eles desde há muito que o poder deveria estar entregue a quem o sabe exercer. E, na presente conjuntura, o competente para o fazer é Cavaco!
Portanto, muito mais do que um deslize, esta proposta de Passos Coelho é a proposta do capital empresarial para o actual momento político português.
O “rapaz do Ângelo”, pelos vistos, tem vários tutores, mas somente um é realmente o verdadeiro. E chama-se capital (que historicamente conta sempre com o apoio daqueles que veneram o “homem providencial”, entendendo-se por tal aquele que for politicamente capaz de concentrar o poder e impor politicamente a sua vontade; no fundo, alguém que diga e aja em conformidade de acordo com o lema: “O mal disto é haver muitos a mandar!”).
Este tema dos poderes presidenciais já aqui tinha sido abordado múltiplas vezes, inclusive nesta perspectiva, há cerca de um ano. Para quem quiser dar-se ao trabalho de ler, aqui fica a ligação: “A questão dos poderes presidenciais

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A ESPANHA, A CATALUNHA E O FUTEBOL


OS DIFERENTES SIGNIFICADOS DA VITÓRIA DA ESPANHA

A vitória da Espanha no Campeonato do Mundo de Futebol coincidiu com a rejeição pelo Tribunal Constitucional de vários artigos do Estatuto da Catalunha e com a interpretação restritiva de muitos outros que consagram regimes fundamentais ou integram conceitos de grande significado e alcance para a totalidade do texto.
As forças independentistas e nacionalistas da Catalunha receberam com hostilidade a decisão do tribunal, aliás esperada há mais de um ano, por a considerarem um atentado ao Pacto existente entre a Catalunha e a Espanha. O Estatuto, além de aprovado nas Cortes, foi referendado na Catalunha, sendo o seu texto tido pelos partidos catalães como um desenvolvimento natural do regime constitucional.
A decisão do TC, que parece fazer uma interpretação restritiva da Constituição, deu lugar a uma grandiosa manifestação nacionalista em Barcelona e teve como consequência mais imediata uma quebra de confiança dos partidos catalães no Presidente do Governo, Rodriguez Zapatero.
Aquela decisão, apesar de ter reunido o consenso de “progressistas” e “conservadores”, vai claramente ao encontro das pretensões do PP, que votou contra o Estatuto e pediu a fiscalização da sua constitucionalidade. Ou seja, apesar da responsabilidade do PP em todo este processo, quem acaba por sofrer as consequências é Zapatero, um dos grandes impulsionadores da negociação e da aprovação do Estatuto.
E por que é que isto acontece? A razão é simples: Zapatero avançou, nomeadamente com o Estatuto da Catalunha, com vista a um rearranjo da “Espanha plural”, levando a sua ideia até aos limites do constitucionalmente admissível.
Acontece, como dizem os bascos, que não há nada mais parecido com um espanhol de direita do que um espanhol de esquerda, e certamente por essa razão não havia grande entusiasmo entre as fileiras socialistas, fora das comunidades históricas, pelo estatuto da Catalunha. Ninguém desautorizou Zapatero durante a negociação, nem houve deserções na votação. Mas a verdade é que os grandes bastiões socialistas fora da Catalunha e do País Basco, ou seja, Andaluzia, Estremadura e Castela la Mancha, não morriam de amores pelo Estatuto da Catalunha.
Conhecendo essa fragilidade, o PP atacou e cada vez com mais intensidade logo que começou a aperceber-se de qual iria ser o sentido da decisão do tribunal. Zapatero, apesar de não poder prescindir do Partido Socialista da Catalunha, como aliás não pode o próprio PSOE, esteja à sua frente quem estiver, logo que pressentiu qual iria ser o sentido da decisão e tendo também em conta as tais sensibilidades atrás referidas, começou a fazer o discurso institucional: não pressionar o Tribunal, fazer a apologia da separação de poderes, enfim, nada fazer para evitar a decisão ou, pelo menos, deixar implícita a sua discordância.
Como, porém, em Espanha toda a gente sabe que o TC – e outros tribunais superiores – é tão político como as Cortes e que pauta as suas decisões, nomeadamente as desta natureza, por critérios de oportunidade política, a atitude de Zapatero foi interpretada como um recuo pelos catalães, que aliás até vinham defendendo que o TC nem sequer tinha competência para se pronunciar sobre a essência do Estatuto por ela corresponder a um Pacto celebrado entre o povo catalão (como já se disse, o Estatuto foi aprovado por referendo na Catalunha) e as Cortes espanholas.
A decisão do Tribunal Constitucional gerou uma grande crispação entre Madrid, que se esforça por minimizar os efeitos da sentença, e a Catalunha, a ponto de alguns até considerarem a actual situação mais grave do que a existente no último mandato de Aznar, não sendo, assim, de estranhar que os partidos nacionalistas da Catalunha interpretem a sentença como o fim do Pacto institucionalizado pela Transição e como o esgotamento das potencialidades da Espanha autonómica. A partir de agora só há duas vias, dizem: a federalista ou a soberanista.
Por isso, não passa de uma ilusão a pretensa unidade da Espanha à volta da vitória da “Roja” no Campeonato do Mundo de Futebol. O futebol gera reacções complexas, nem sempre fáceis de interpretar, e muito dificilmente um país com os problemas territoriais e políticos da Espanha supera as suas divergências e antagonismos com base numa proeza desportiva. Além de que a vitória é interpretada de modo radicalmente distinto em Madrid e em Barcelona. Em Madrid considera-se que houve uma vitória da Espanha, una e indivisível, porque os jogadores, independentemente do clube em que jogam, são oriundos de várias regiões de Espanha. Em Barcelona, entende-se que se trata no essencial de uma vitória culé, porque a maioria esmagadora dos jogadores pertence às fileiras do Barça e, mais do que isso, são um produto da sua cantera e do seu estilo.
É que não é muito fácil trazer o futebol para a política por mais que uns (políticos) e outros (dirigentes desportivos) se esforcem, consoante as conveniências de momento.

AS INSANÁVEIS CONTRADIÇÕES DE SÓCRATES



A PROPÓSITO DO ESTADO DA NAÇÃO

Quem tenha ouvido com um mínimo de atenção o discurso de Sócrates, hoje à tarde, sobre o “Estado da Nação”, logo percebeu que o ataque verbal dirigido ao liberalismo fundamentalista de Passos Coelho era todo ele destinado a permitir-lhe posicionar-se, eleitoralmente, face ao BE e ao PCP nas mais que previsíveis próximas eleições.
Teoricamente, do ponto de vista da esquerda, a construção de Sócrates até parecia suficiente para, face ao perigo da direita, cativar uma boa parte do eleitorado dos dois partidos de esquerda. Só que há posicionamentos muito visíveis da política de Sócrates que nenhuma retórica pode iludir.
De facto, Sócrates sabe ou deveria saber que Portugal não cresce praticamente nada desde há dez anos e que nesse mesmo período a dívida, pública e privada, aumentou exponencialmente. O ténue crescimento português é sempre conseguido à custa de um crescimento muito superior da dívida, facto que se torna a prazo – ou já se está tornando – incomportável, quer se seja optimista ou catastrofista.
Enquanto esta lógica se não inverter – e ela somente se inverte, mantendo-se Portugal na União Europeia, se houver uma radical mudança de políticas em Bruxelas – de nada adianta estar a demarcar território face ao PSD, porque, na hora da verdade, a triste realidade aí está para se impor cada vez mais cruamente.
Esta é a primeira insanável contradição em que Sócrates está envolvido. A segunda tem a ver no modo como internamente, dentro do contexto descrito, Sócrates afasta o Estado dos lugares onde cada vez mais se justifica que ele esteja. Referimo-nos às actividades económicas em que o Estado desempenha um papel empresarial importante.
Como se pode acreditar que Sócrates e o seu partido não querem afastar o Estado da vida dos portugueses, desprezando completamente o saudável equilíbrio que a sua presença pode trazer em vários domínios da actividade económica, se é esse mesmo Sócrates que se prepara para, em negócios ruinosos, entregar à iniciativa privada áreas de intervenção económica que nem em sonhos o mais ousado liberal do PS aqui há uns quinze anos atrás suporia poder privatizar?
A primeira questão, Sócrates ilude-a, sempre que começa a ser apertado, afirmando acriticamente que a Europa é uma coisa boa e que é essa atitude do partido a que pertence que verdadeiramente marca a sua diferença relativamente aos outros dois partidos de esquerda. Obviamente que esta resposta não contém um argumento sobre o qual se possa discutir racionalmente, antes encerra uma crença que, como todas as crenças, é do domínio da fé e por isso inalterável, pelo menos até ao dia em que alguém do PS resolva fazer algo de semelhante ao que aquele ex-fiel da IURD fez ontem em Faro num dos centros da dita organização.
É que não basta, para se ser minimamente credível, afirmar uma vez que a Comissão prossegue um fundamentalismo neoliberal. O fundamentalismo neoliberal está nos tratados que Sócrates tanto ajudou a concluir, está no Conselho Europeu, nos Tribunais, no Parlamento, enfim está por toda a parte. É preciso, portanto, travar lá diariamente essa luta, por mais exóticas que a defesa dessas posições possam parecer a quem vive completamente mergulhado na ideologia dominante. Pelo menos, até ao dia em que se reconhecer que não adianta continuar.
A segunda questão, Sócrates ou a omite, como fez hoje, ou a justifica com base na crença, resultante da crença acima referida, de que tudo o que possa contribuir para “acertar as contas públicas” é bom para a economia portuguesa, esquecendo-se mais uma vez de encarar a realidade tal como ela é. A delapidação do património do Estado para amortizar muito levemente uma dívida que não cessará de crescer enquanto se não alterar substancialmente o contexto político-económico ditado pelas políticas de Bruxelas não ajudará a resolver qualquer problema, antes agravará cada vez mais irremediavelmente a situação existente.
Se esta política, no seu conjunto, prosseguir sem quebra de rumo – e esta política não é apenas a política do Governo: é a política do sistema em que nos deixámos enredar -, é muito provável que em data não muito distante ocorra em Portugal uma profunda ruptura que nada terá a ver com os procedimentos a que estamos habituados para justificar as alterações de políticas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A TRISTE REALIDADE IMPÕE-SE



E O MAIS GRAVE É QUE ELES NÃO PERCEBEM

Enquanto Cavaco corrige Krugman, com adjectivos e advérbios e Passos Coelho copia Cavaco com a subserviência untuosa de quem já alienou o pouco que restava da sua independência, a triste realidade impõe-se. As previsões do Banco de Portugal, sobre as quais tanto se falou durante todo o dia, independentemente do seu rigor, apontam para uma tendência que muito provavelmente se verificará.
Em primeiro lugar, o ténue crescimento do actual semestre, mais do que a sazonalidade do período a que respeita, tem a sua causa nos estímulos à economia generosamente distribuídos em 2009. E a contracção ou recessão de 2011 tem a ver com o programa de austeridade aprovado pelo governo e pelo PSD. Até aqui nada de novo, portanto. Já se sabia que isto iria acontecer.
É claro que nós debatemo-nos com dois problemas: com a falta de crescimento e o excesso de endividamento. E dada a estrutura da nossa economia, consequência directa da adesão à agora União Europeia, o que tenderia a acontecer se a economia crescesse, nunca muito, mas no máximo à volta de dois pontos percentuais, seria um aumento percentual muito superior da dívida. E este é que é o problema para o qual até hoje ninguém do sistema apresentou uma solução aceitável.
Cavaco, que até tem estudos, como ele próprio disse quando respondeu a Krugman à entrada ou à saída de um daqueles pequenos eventos em que tem andado entretido a fazer campanha eleitoral, acha que temos de exportar e poupar. Além de querer copiar a Alemanha, que passou obviamente a ser o seu modelo oculto, Cavaco esquece-se ou desconhece que as relações económico-sociais complexas não podem ser copiadas com a facilidade com que se copia num exame a resposta a um problema.
Na verdade, a economia portuguesa não tem condições para fundamentar a sua base na actividade exportadora. A actividade exportadora desempenha apenas um papel, a par de outras. E é fácil perceber porquê.
Embora a exportação não dependa apenas de quem vende, mas também de quem compra, a verdade é que para exportar, entre os vários requisitos que a actividade pressupõe, é preciso ser competitivo. Que é exactamente o que falta ao empresariado português. O que sempre tem faltado e mais se agravou depois que deixou de ter os mercados protegidos das colónias, além da protecção do próprio mercado nacional.
Hoje, no contexto comunitário, a resposta do empresariado não poderia ser pior: teve, em grande medida, de refugiar-se sob a protecção do Estado, exercendo actividades por ele financiadas, ou dedicar-se à intermediação de bens importados. Ou seja, tudo actividades que em nada contribuem, antes agravam, para a solução dos problemas com que o país se debate.
Acontece ainda que no quadro da União Europeia, exactamente por ela ter as características que tem, não existe qualquer tipo de fomento de uma espécie de especialização sectorial baseada nas vantagens comparativas, situação esta que, a existir, poderia, a prazo, tender para um relativo equilíbrio entre o que cada um compra e o que cada um vende no seu interior. Como tal situação não existe, nem há nenhum cenário minimamente realista que aponte nesse sentido, no interior da UE tenderá sempre a haver grandes desequilíbrios.
Teoricamente, estes desequilíbrios poderiam ser atenuados ou até eliminados mediante uma consistente actividade exportadora para fora da União Europeia.
Só que para os países nestas condições, uma questão se impunha: para quê, então, pertencer à UE se não se tira qualquer vantagem da livre circulação de pessoas, de mercadorias ou de capitais?
Importa ainda dizer, antes de prosseguir, que esta permanente insistência na actividade exportadora, fazendo-se crer que existem potencialidades até aqui inexploradas, perfeitamente ao alcance do país, tem por objectivo atingir o salário de quem trabalha e a natureza da própria relação laboral. De facto, o que se pretende é potenciar os lucros e a exploração através de cortes salariais significativos e da degradação político-social da relação laboral. Voltar aos tempos da Revolução Industrial na velha Albion, assente na sobre-exploração do trabalho, que Marx tão magistralmente descreveu e combateu, é o objectivo do empresariado português, despudoradamente apoiado pelas mais altas instâncias do poder.
Não se pondo a hipótese, sequer teoricamente, de os desequilíbrios intra-comunitários poderem ser eliminados por via das actividades extra-comunitárias, a triste realidade com que os países “altamente desequilibrados” se deparam é a seguinte: a sua economia não cresce, porque os programas de ajustamento que lhes impuseram são recessivos; e, sendo recessivos, a “qualidade dos seus desequilíbrios” piora em todos os parâmetros; e piorando – porque os financiamentos vão sendo cada vez mais difíceis de obter, os juros vão sendo cada vez mais elevados, a dívida vai-se tornado cada vez maior e vai atingindo percentagens do PIB cada vez mais altas, o desemprego vai aumentando, etc. – aqueles desequilíbrios vão-se agravando, como aliás já se estão a gravar drasticamente.
Ou seja, neste contexto, o problema não tem solução, podendo então dizer-se que a adesão à zona euro e à própria Europa comunitária se revelaram, para um número apreciável de países, como o “embuste do século”! Tudo, porém, poderia ter sido diferente ou porventura ainda sê-lo se a Europa não fosse uma simples união mercantilista, onde os mais aptos procuram tirar dos mais fracos todas as vantagens ao seu alcance.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A TRANSUMÂNCIA OU AS JORNADAS PARLAMENTARES DO PSD




HÁ SINAIS DE QUE CHEGOU O INVERNO DO PS

Quando chega o frio e as neves cobrem os pastos, os gados tendem a deslocar-se para as pastagens que resistem aos rigores do inverno. É um movimento pendular, que se perde na memória dos tempos, repetido durante séculos ao ritmo das estações, e que somente as novas tecnologias tendem a fazer desaparecer, sem contudo o eliminar completamente.
Tecnologias à parte, na política portuguesa passa-se desde o 25 de Abril algo de semelhante entre os apoiantes do Bloco Central. Também eles mudam de pasto, sem mudar de manjedoura. Logo que as sondagens indiciam o começo do “inverno” do partido do governo, este “gado de luxo” muda-se com armas e bagagens para o outro partido do Bloco central. E fazem-no com uma aparente tão grande convicção, que se não soubéssemos o que é a transumância até seríamos levados a acreditar que eles estariam dispostos a morrer à fome no próximo inverno.
De facto, eles não se limitam a apoiar e a dizer: “Estamos aqui, podem contar connosco”. Não, eles fazem mais. Põem-se à frente do rebanho, fazem propostas vanguardistas. Sugerem mesmo a exterminação dos concorrentes ou o modo fácil de os rebanhos se cevarem à custa dos outros.
Enfim, é um gado canalha!

sábado, 10 de julho de 2010

CONSEQUÊNCIAS DA SENTENÇA DO TRIBUNAL EUROPEU



NERVOSISMO EM ESPANHA

Enquanto os espanhóis exultam com a final do campeonato do Mundo alcançado por uma equipa que joga à Barcelona e tem nas suas fileiras sete jogadores da equipa catalã e os holandeses vão dizendo que o futebol catalão não passa de um erzatz mediterrânico do futebol holandês, os jornais espanhóis ainda têm tempo e espaço para tratarem da sentença do Tribunal de Justiça Europeu que se pronunciou sobra a golden share do Estado Português na PT. E o nervosismo não poderia ser maior.
El País, por exemplo, dedica ao caso uma página inteira e um editorial, com o título bem sugestivo ”Acción de hojalata”. Apesar da tradição da Espanha nesta matéria ser a que se conhece e do que se sabe sobre o que se tem passado com a generalidade dos países que detêm direitos especiais em empresas privatizadas, dir-se-ia que a Espanha está fazendo um esforço final para inviabilizar os efeitos da decisão do Governo português, usando todo o tipo de argumentação ao seu alcance para desmoralizar qualquer tentativa de interpretação contemporizadora da sentença.
A verdade é que a sentença é meramente declarativa, não tem efeitos retroactivos e permite “encalhar” por muito tempo o negócio da Telefonica.
Os dois aspectos mais relevantes que a sentença levanta são ambos de natureza política e já aqui foram abordados no tratamento desta questão.
O primeiro diz respeito à atitude do Governo relativamente a outras empresas cujo interesse estratégico é indiscutível. A tranquilidade com que o Governo avança para a sua privatização ou para a venda do que resta nelas da participação do Estado é incompreensível. O Ministro das Finanças respondeu a estas questões com a tranquilidade de quem está a vender um bem relativamente despiciendo. E sabe-se que nem sequer existe relativamente a qualquer das privatizações programadas um interesse económico que as justifique. Propondo-se actuar desta forma relativamente a empresas que envolvem interesses estratégicos mais importantes do que aqueles que agora estão em causa, a argumentação do Estado no caso da PT perde peso interna e externamente.
O segundo respeita à própria atitude do Tribunal. Pelo que tem vindo a público – transcrições de partes da sentença –, o Tribunal permite-se interpretar, ele próprio, o interesse nacional português e a natureza estratégica para o país da participação da PT na VIVO.
Antes de prosseguir convém dizer, para que não haja qualquer espécie de dúvida, que todas estas decisões são políticas – e não jurídicas, como disse Durão Barroso. Para o confirmar basta atentar no entusiasmo com a Comissão Europeia e as instituições comunitárias em geral, tribunal incluído, aplaudiram as privatizações pioneiras, na era Thatcher, das chamadas empresas prestadoras de serviço público, sem curarem de avaliar o valor jurídico das cláusulas introduzidas nesses processos de privatização destinadas a permitir o controlo político-económico das empresas privatizadas. O importante era privatizar. Somente quando o movimento começou a consolidar-se é que surgiram, primeiro, as dúvidas sobre a validade jurídica das ditas cláusulas, e, mais tarde, as exigências para a sua eliminação.
Depois (voltando ao caso português), o tribunal mostra-se muito sensível ao facto de a golden share dificultar o investimento na empresa e prejudicar os actuais accionistas, mas está-se completamente nas tintas (dentro da lógica com que discorre) para o facto de esses mesmos accionistas dentro dessa mesma lógica também já terem comprado as suas participações sociais por um preço inferior ao seu real valor, exactamente por haver uma golden share no processo de privatização que, obviamente, desvalorizava aquelas participações.
Finalmente, a novidade é um tribunal estrangeiro – digo bem, estrangeiro – permitir-se interpretar o interesse nacional português e a natureza estratégica ou não da participação em questão. No direito interno, não obstante todos os progressos (mais teóricos, do que práticos) havidos no controlo jurisdicional dos actos do Executivo, continua vedado aos tribunais pronunciar-se sobre os chamados actos de governo ou, se não sendo o caso, sobre o conteúdo do exercício do poder discricionário.
Estes factos tendem a demonstrar a natureza profundamente defeituosa e imperfeita da construção europeia, na medida em que por via dela se estabelecem relações desiguais e sem correspectividade de direitos e obrigações entre os Estados nacionais (principalmente, os mais fracos) e os órgãos comunitários, além da natureza profundamente anti-democrática dos seus fundamentos e desenvolvimentos.
Por todas estas razões, exactamente por a UE não ser um Estado – uma federação -, ao Estado português basta-lhe demonstrar, como aqui se já disse, que os Estatutos da PT são legais e que a lei em que eles se fundamentam é constitucional.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

FIM DA ILUSÃO EUROPEIA



A PROPÓSITO DA REGULAÇÃO CAPITALISTA

Tudo o que se tem passado na Europa de há vinte anos para cá aponta inexoravelmente no sentido da formação de uma ordem capitalista sem freios de nenhuma espécie. O capital impõe as suas leis e a lei primordial do capital é o lucro, que assenta, como bem se sabe, na exploração.
Todas as tentativas de regular o seu funcionamento estão de antemão votadas ao fracasso. Toda a economia está orientada no sentido de potenciar o máximo lucro e essa é a única regra que o capital aceita. Quanto mais vasto for o território sobre qual o capital actua e quanto mais desenvolvidas forem as economias sob o seu domínio maior é a sua força. Daí que a União Europeia seja um dos seus campos de eleição.
A única regulação capitalista que a história regista, vigente durante um pouco mais que meia dúzia de décadas, foi a imposta pelo movimente operário e popular. Desmantelado este ou reduzido a uma caricatura do que já foi, o capitalismo ai está com a sua verdadeira face a impor a sua lei.
Neste contexto, não causa qualquer admiração nem surpresa a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, um dos grandes fautores da ordem neoliberal vigente. Esta sentença demonstra, para quem tivesse dúvida, que o actual capitalismo não se deixa regular.
E o problema que se põe a um país periférico como Portugal, não obviamente em consequência desta sentença, mas relativamente à sua integração na União Europeia é: que futuro?
Pode Portugal suportar mais dez anos de contínua recessão e permanente endividamento com a consequente pauperização de cada vez mais largas camadas da sua população? É claro que o povo pode responder a esta questão, como historicamente o já fez por várias vezes, a última das quais durante o salazarismo, abandonando em massa o país. Pode, e provavelmente o fará ou já o estará fazendo. Mas essa não é a solução, embora abra a porta para ela.
De facto, o que se passa com a participação da PT na VIVO é o que se vai passar com tudo o que ainda nos resta. A pouco e pouco, mas cada vez mais depressa, o país vai ter de vender o que tem para pagar as dívidas. Ainda ontem no Parlamento, o Ministro das Finanças admitiu com a tranquilidade de um simples oficial da contabilidade pública esta solução como normal.
E não passa de uma tonteria - é bom repeti-lo - imputar a responsabilidade por esta situação a uma soma de comportamentos individuais que não pauta a sua conduta por critérios de boa e equilibrada gestão dos seus respectivos patrimónios (ou da falta deles).
O problema tem antes a ver com as opções políticas de fundo e das suas consequências. Hoje, melhor: há mais de dez anos, a União Europeia e o seu regime político-económico vem sendo a causa primeira das nossas dificuldades.
E as dificuldades são conhecidas: não temos meios para competir em igualdade de condições com os mais fortes. Andámos há muitos anos a fazer de conta que temos, mas não temos. Temo-nos refugiado em áreas onde aparentemente aquelas diferenças de competitividade não se fazem sentir, mas, passada a euforia do lucro fácil nelas gerado, a situação em que se fica é pior do que aquela de que se partiu. Foi assim com as obras públicas e a construção civil. Vai ser assim, no último fôlego que o PSD se prepara para insuflar no capital nacional, entregando-lhe a saúde, o ensino e a segurança (isto é: a insegurança) social. O capital nacional vai lucrar e bem com mais esta fuga à realidade, mas o povo e o país vão ficar bem piores. Aliás, não deixa de ser espantoso que essa legião de economistas que tem andado a criticar o investimento nos chamados bens não transaccionáveis, esteja já a “segregar” por conta dos seus futuros amos as vantagens que vai retirar dessa nova investida no domínio criticado, agora com a diferença de ser uma investida feita à custa do bem-estar das populações.
Por isso, não passa de uma ilusão, a que um octogenário não deveria dar voz, supor que “nós e a Espanha” poderíamos fazer uma frente comum na Europa contra o capitalismo neoliberal. Não podemos.
Mas também não podemos continuar a ser um país que, além de se endividar a cada ano que passa, tem a sua economia estagnada há mais de dez anos; que vê o desemprego atingir cifras insuportáveis; que assiste passivamente ao aumento da riqueza dos que mais tem; que nada faz (ou nada pode fazer) para impedir o aumento do número de pobres em cada ano; e que contempla de braços cruzados a queda dramática do nível de vida das classes médias.
Como não é previsível o aprofundamento da ideia europeia num sentido diferente do actual, que aponte para uma federação na qual prevaleça o equilíbrio dos interesses com vista a uma relativa harmonia do conjunto, Portugal deve preparar-se para questionar a “ilusão europeia”. E deve preparar-se, com antecedência, para todos os desfechos que este questionamento necessariamente implica… e quanto mais cedo começar a preparação melhor.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

PT - VIVO: COPIAR OS BONS EXEMPLOS




O QUE INTERESSA SABER

Enquanto Passos Coelho critica em Madrid a decisão do Governo na PT e Salgado vai dando a entender que alguém terá de lhe reparar o prejuízo, Sócrates garante nas jornadas parlamentares que ninguém contará com ele nem com o PS para pôr o neoliberalismo na Constituição.
Nestas coisas não convém desmobilizar, tanto mais que no “tango” nem sempre é só um a escolher a música. Convém, porém, tomá-lo ao pé da letra e “agarrá-lo” sem “desarmar”, porque, por vezes, as palavras enganam.
Os defensores da venda da participação social da PT na VIVO à Telefónica estão aguardando ansiosamente um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades previsto para a próxima quinta-feira.
Só que nestas coisas comunitárias não há como copiar os bons exemplos. E a questão que se coloca – a única verdadeiramente importante – é saber se a norma estatutária, que permitiu ao Governo usar os “direitos especiais” ligados à sua posição accionista, é legal. E se a norma legal em que aquela se fundamenta é constitucional.
Se for o caso – como penso que é – nenhuma decisão ou norma da União Europeia pode pôr juridicamente em causa uma norma estatutária de uma sociedade comercial portuguesa admitida por uma lei portuguesa constitucionalmente válida.
A Constituição portuguesa está acima de todas as normas (regulamentos) comunitárias, das directivas e decisões, bem como dos próprios tratados instituidores.
Este princípio que aqui há cerca de duas décadas só não era admitido por meia dúzia de juristas fascinados pela “ilusão” europeia, veio depois a ser matizado ou até muito afrouxado por alguns dos nossos grandes nomes do direito constitucional.
Nada porém como copiar os bons exemplos. Se ainda recentemente o Tribunal Constitucional Alemão, a propósito da ratificação do Tratado de Lisboa, o reafirmou em nome soberania popular e da autonomia do povo alemão, terá de concluir-se que o que vale para a Alemanha valerá também para nós e para os outros.

terça-feira, 6 de julho de 2010

OS PRESSUPOSTOS IDEOLÓGICOS DO NEOLIBERALISMO



A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DO EL PAÍS

Para se ficar com uma ideia bem precisa do modo como os pressupostos ideológicos do neoliberalismo penetraram em amplas camadas sociais e são veiculados pelos grandes órgãos de informação, inclusive pelos considerados de centro-esquerda, basta ler o artigo de hoje do El País, sobre o “Patrioteirismo económico à custa do accionista”.
O mais interessante é que estes mesmos órgãos de informação no chamado discurso abstracto sobre o capitalismo dos nossos dias dizem-se defensores da regulação capitalista, combatem a omnipotência do mercado, enfim, fazem um discurso na aparência anti-neoliberal. Todavia, quando o problema se põe a propósito de um caso concreto (que não envolva interesses nacionais do Estado a que esses dito órgão pertence), é certo e sabido que o que prevalece na análise são as teses neoliberais.
A isto se chama hegemonia ideológica. A hegemonia ideológica é o “cimento” que garante o consenso e permite que numa dada sociedade (e hoje a sociedade tende a ser global) os titulares dos interesses contrapostos ou até antagónicos, sejam eles políticos ou económicos, vivam normalmente em sociedade sem questionar o status quo ou, pelo menos, sem o pôr seriamente em causa.
O neoliberalismo assenta em pressupostos ideológicos muito simples que uma particular conjuntura histórica, muito facilitada por falhadas experiências de profundas e ambiciosas transformações sociais, ajudou a difundir. É ainda este falhanço que historicamente explica que o neoliberalismo esteja a conseguir pôr em causa, com êxito, tanto as conquistas sociais anteriores àquelas experiências como as que lhes são contemporâneas e se desenvolveram num processo emulativo de procura de caminhos alternativos.
O neoliberalismo assenta na ideia de que o interesse privado é superior ao interesse público; que do livre jogo das forças do mercado, com vista à satisfação de interesses particulares, resulta satisfeito o interesse de todos; que, assegurada a igualdade do cidadão perante a lei, o princípio da liberdade contratual actuado livremente e sem constrangimentos legais (salvo, obviamente os que decorrem do respeito pelas “regras do jogo”, como a capacidade das partes, a licitude do objecto, a prestação livre do consentimento, etc. etc.) é o que melhor defende o interesse de todos, porque ninguém actua contra os seus próprios interesses; finalmente, o Estado é um mal necessário, que deve limitar a sua intervenção à defesa das “regras do jogo” (e nestas está, obviamente, a defesa da propriedade) e à garantia das chamadas liberdades negativas.
É evidente que tudo isto não passa de uma falácia e de um gigantesco embuste, porque, embora as ciências sociais não sejam experimentáveis, as experiências históricas conhecidas já demonstraram as terríveis consequências que decorrem da aplicação deste modelo e as profundas desigualdades sociais e entre países que ele necessariamente gera.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A QUESTÃO CONSTITUCIONAL




NOTA BREVE

Para já apenas uma nota breve. O PSD prepara como ponto muito importante, porventura o mais relevante, da sua agenda política a revisão constitucional. E todo o projecto está orientado no sentido de uma revisão profunda do que resta do Estado social saído da Revolução democrática do 25 de Abril. A intenção do PSD é retirar da Constituição tudo o que possa impedir um outro entendimento do papel do Estado, nomeadamente através da eliminação ou cerceamento dos direitos fundamentais de natureza social e económica, os quais, aliás, no entendimento do PSD não constituem verdadeiros direitos fundamentais.
Esta política, no quadro constitucional, será muito provavelmente seguida em dois planos: o primeiro é o que acaba de ser referido, fundamentalmente traduzido na negação do carácter universal e gratuito de certas prestações sociais e da eliminação ou limitação dos descontos obrigatórios para a segurança social; o outro, incidirá na fiscalidade e tenderá para a imposição de limites máximos de incidência fiscal.
Dificilmente o PSD poderia habilitar-se a uma proposta de revisão constitucional com esta envergadura se contasse com a oposição categórica do PS. Com o PS na oposição a esta proposta, demonstrando as suas inevitáveis consequências para a generalidade dos cidadãos, o PSD ficaria numa situação eleitoral difícil, apesar das vantagens que demagogicamente poderia colher das suas propostas no plano da fiscalidade. Todavia, se houvesse uma forte oposição do PS demonstrando as consequências dessas aparentes reduções fiscais dificilmente as propostas do PSD poderiam recolher a aceitação popular.
Acontece que aparentemente o PS está contra a revisão constitucional do PSD. Assis ainda hoje disse nas jornadas parlamentares que o PSD não pode contar com o PS para acabar com o Estado social. Só que estas palavras não chegam e além disso são muito ambíguas. Basta ouvir ou ler o que logo a seguir disse Vitorino e o que aqui há cerca de um mês disse Vital Moreira no Público para imediatamente se perceber que, se esta for a linha do PS, a convergência é possível.
Dir-se-á que as duas personalidades referidas são as que mais convergem com o PSD matéria de soluções neoliberais e que, portanto, não são as mais representativas do PS.
Pode dizer-se o que se quiser, mas o que se não pode é negar, por um lado, o modo como o PS se tem comportado historicamente em matéria de revisão constitucional na negociação e votação das revisões que mais descaracterizaram a Constituição de 76 e, por outro, o papel e o relevo que Vitorino sempre teve nessas negociações.
Não basta, portanto, a proclamação de aparentes grandes princípios que depois vão sendo sucessivamente negados por um infindável conjunto de excepções que fazem convergir a solução final para um resultado muito próximo do pretendido pelo PSD. O que é preciso é que o PS diga claramente se existe ou não existe uma questão constitucional no nosso país. Se a resposta do PS for negativa, então nenhuma revisão constitucional será necessária nem conveniente. Se a resposta do PS for evasiva ou baseada em considerações de circunstância, então há todas as razões para acreditar que o PS acabará por colaborar na revisão do regime saído do 25 de Abril, objectivo que a direita nunca alienou desde que foi derrota em 1974.
Têm a palavra dentro do Partido Socialista os que se opõem à revisão e, obviamente, também todos os que a rejeitam, qualquer que seja o quadrante político em que se inserem, não sendo nada conveniente que a discussão desta questão seja retardada para a data da apresentação da proposta do PSD.
Por outras palavras, o debate da esquerda tem de ser com o PS. E quanto mais cedo começar melhor. E quanto menos silêncio houver, sobre este assunto, à volta de Vitorino e de outros responsáveis do PS, tanto melhor!

sábado, 3 de julho de 2010

VIVO: A DEFESA DO VETO SEM COMPLEXOS



UM PAÍS SINGULAR

Portugal é, de facto, um país singular. Acho que é difícil encontrar no mundo um país onde tanta gente apareça a fazer a defesa dos interesses de uma grande empresa estrangeira cuja prática e cuja estratégia até desconhecem contra os interesses de uma empresa nacional. Não se percebe bem se é por complexo anti-nacionalista ou se outra razão mais profunda os impele para a defesa de tal posição.
Para a maior parte das pessoas a questão não se põe em termos de defesa de interesses próprios directos, mas antes no plano daquilo a que poderíamos chamar a “weltanschauung” de cada um. Que o pequeno accionista que vê os seus títulos valorizados muito acima das suas expectativas mais optimistas queira vendê-los quando uma oportunidade irrepetível aparece, compreende-se e não é justo que se lhe esteja a pedir a defesa de interesses estratégicos da mesma forma que não é razoável pedir ao trabalhador que vê o seu salário onerado com mais impostos que concorde com essa oneração qualquer que seja o fim que ela visa prosseguir. Que o Salgado queira vender a sua participação na VIVO do mesmo modo que venderia aos árabes ou aos ingleses ou a quaisquer outros a ponte Vasco da Gama, a 25 de Abril ou um bocado do Algarve se fossem sua propriedade, para com o dinheiro recebido potenciar a sua capacidade de agiotagem, também é perfeitamente compreensível, pelo menos, enquanto o deixarem agiotar.
Agora, que uma legião infindável de verdadeiros “descamisados” apareça a fazer a defesa daqueles mesmos interesses, mais os de quem quer comprar, é que eu já tenho alguma dificuldade em compreender.
Que espécie de complexo será este que impele um tão grande número de portugueses a fazer, por exemplo, a defesa dos interesses alemães na condução político-económica da crise financeira ou a defesa da taxa de câmbio da moeda chinesa, ou a concentração capitalista ou a destruição dos sectores estratégicos nacionais, apesar de serem praticamente evidentes as consequência de tais políticas para os interesses da maioria de cada um de nós?
Esta é porventura a minha maior desadequação aos tempos modernos. Esta incapacidade de compreender como podem ser apoiadas internamente as medidas tomadas lá fora a partir de perspectivas estritamente nacionais. De perspectivas que se não atendessem exclusivamente à defesa de certos interesses nacionais poderiam contribuir para uma solução relativamente equilibrada que a todos servia.
Não se trata, portanto, de fazer a defesa de interesses nacionais, nem de ser nacionalista. Trata-se apenas, na minha modesta opinião, de não ser estúpido!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

AS RESERVAS DE CAVACO




VERDADEIRAMENTE NÃO É UM SIM, ANTES UMA DECLARAÇÃO COM MUITOS MAS

Finalmente, Cavaco pronunciou-se sobre a decisão do Governo, sem a apoiar. O seu ponto de vista é, mais uma vez, de quem está de fora. “O Governo tem todo o direito de defender o interesse nacional, desde que”…Direito? E nós que pensávamos que era um dever. E para quê a invocação do quadro legal?
O Governo tem que defender o interesse nacional. Ponto! Não é preciso acrescentar mais nada. Obviamente, Cavaco pôs-se de fora. Certamente que não é matéria da sua específica competência, mas então vai ter de se calar daqui para a frente relativamente a muitos assuntos sobre que costuma opinar. Verdadeiramente, só lhe faltou dizer: Tenho dúvidas, por isso vou remeter o assunto ao Tribunal Constitucional (o que teria feito, se pudesse).

ASPECTOS A TER EM CONTA NO CASO DA VIVO


ESTARÁ O GOVERNO PREPARADO PARA O EMBATE?

O capital não vai dar tréguas. Vai atacar em força e por vários lados. Internamente,mas também a partir de Espanha e, principalmente, de Bruxelas.
Para os ataques caseiros e até para os espanhóis acredito que o Governo esteja relativamente preparado, além do mais porque não exigem preparação especial. É esperar pelo ataque e reagir.
Relativamente a Bruxelas, já a situação não é bem a mesma. Duvido, por exemplo, que o Governo tenha pedido estudos sérios a juristas competentes – e não a esses escritórios de exploração de jovens advogados e exploradores dos contribuintes que o Governo alimenta – sobre o acórdão do Tribunal Constitucional Alemão que se pronunciou sobre a ratificação do Tratado de Lisboa.
Esta é uma daquelas matérias que quem negoceia em Bruxelas a partir de um nível médio alto tem de ter sempre à mão para com ela esgrimir sempre que necessário.
No caso da VIVO, o facto de Menezes Cordeiro se ter pronunciado tão peremptoriamente confere uma certa segurança. Não apenas pelos seus méritos jurídicos, mas principalmente por se tratar de homem da direita tradicional que igualmente sabe enquadrar politicamente as questões jurídicas. Sim, porque que muito que custe a certas almas cândidas, o problema em questão é fundamentalmente político. As questões desta dimensão só são jurídicas quando olhadas de baixo para cima. Olhadas de cima para baixo, são apenas políticas.
Os exemplos estão à vista por toda a Europa: na Alemanha, na Espanha, na Itália, enfim, sempre que o assunto é importante.
Infelizmente, o Tribunal Constitucional não desempenha entre nós funções consultivas, a par das jurisdicionais (o que é porventura um lapso, já que tal função até poderia ser preferível à da fiscalização preventiva), pois seria de todo o interesse que o governo português dispusesse de um parecer assegurando a constitucionalidade destas acções com direitos especiais. Se o TC ainda se pudesse pronunciar sobre o assunto, no quadro das suas competências normais, seria muito importante.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O NEGÓCIO DA VIVO E EL PAÍS


UMA VERGONHA

Uma pessoa comum não pode deixar de sentir-se indignada com a linguagem usada pelo nacionalista El País a propósito da fracassada aquisição, pela Telefonica, da participação accionista da PT na VIVO.
Sabendo todos nós como se passam as coisas em Espanha, é de uma arrogância sem limites a adjectivação usada pelo editorial do jornal no comentário que dedica ao assunto.
Começando pela política externa: Apesar de não passar hoje de um “império de muletas”, como diz Fidel, a Espanha considera a América Latina coutada sua, e age em conformidade, às vezes até muito ridiculamente, quer em relação aos países do continente sul-americano, quer relativamente àqueles que na imperial tradição espanhola lhe disputam a influência na região. E então é muito interessante verificar que as relações da Espanha com os países latino-americanos ou se pautam pela subserviência destes à antiga metrópole (facto historicamente muito favorecido por as oligarquias que durante séculos exploraram os povos indígenas ou os descendentes de escravos serem muito homogeneamente de origem espanhola) ou pela tentativa de os seduzir para alianças contra um suposto inimigo “estrangeiro”.
Na política externa espanhola não interessam afinidades ideológicas, respeito pela democracia ou outros factores do mesmo género, o que interessa é saber se esses países reverenciam a Espanha e a consideram como seu primeiro parceiro. Se não for o caso, são ostracizados indistintamente pela direita e pela esquerda espanhola. Servem para ilustrar esta situação os exemplos da Argentina, que o El País flagela frequentemente, a Venezuela, de que a arrogância imperial do Bourbon relativamente a Chávez na conferência Ibero-americana é um bom exemplo, Cuba e a Nicarágua, obviamente, mas também a Bolívia e todos aqueles que aspiram a emancipar-se de tutelas seculares.
Em sentido contrário, a Colômbia, à cabeça, mas também aqueles que eles cortejam com o objectivo de secundarizar outras influências.
Historicamente derrotada pelos portugueses na América – a única parte do mundo onde Portugal foi efectivamente grande -, humilhada pelos americanos em Cuba e nas Filipinas em 1898, quando o “Império” já andava de muletas, contestada na própria Península Ibérica pelas nacionalidades históricas, afundada numa crise sem precedentes e de consequências imprevisíveis, a Espanha e o seu orgulho, nesta amálgama de factos passados e presentes, julgavam ter encontrado no seu inabsorbível vizinho ocidental a presa fácil para as suas aspirações hegemónicas nas telecomunicações latino-americanas. Enganaram-se.
E feridos no seu orgulho castelhano proferem impropérios contra quem se opôs a esse propósito de dominação hoje imposto pela arrogância do capital. Eles que ainda até há bem pouco tempo travaram uma luta dessa mesma natureza contra o capital alemão nos domínio da energia eléctrica.
É sabido que Castela sempre teve historicamente uma quinta coluna em Portugal. Hoje ela corporizada pelos “modernos” neoliberais, que na sua imensa pequenez continuam a advogar a liberdade contratual como um princípio que assegura a igualdade das partes, sem esquecer obviamente aqueles que, tal como nos tempos passados, o que querem é dinheiro ou mordomias venham elas donde vierem.
Para suavizar o discurso, vamos, portanto, fazer votos para que a selecção de Espanha seja derrotada pelo Paraguai e não tenhamos que esperar pela Argentina (se lá chegar...), antes de mais nada porque entre as promessas de nudez já anunciadas em caso de vitória é muito preferível ficar com a de Larissa Riquelme do que com a de Maradona!

PT - VIVO: O SILÊNCIO DE CAVACO

A CAMPANHA EM CURSO
Começa a ser insustentável o silêncio de Cavaco a propósito da OPA lançada por uma empresa espanhola sobre a posição accionista da PT na VIVO brasileira. O Presidente da República, tão lesto a condenar o putativo negócio da compra da TVI pela PT, mantém agora um silêncio altamente comprometedor.
Em vão se procura nos jornais a posição de Cavaco ou na tão afamada página oficial da Presidência das República na internet, que é, a par da do Vaticano, aquela onde se encontra “Toda a Verdade” e nada se encontra.
Nada que verdadeiramente nos espante, pois não foi Cavaco que iniciou a nacionalização dos sectores estratégicos do Estado, alienando a sua soberania? Não foi Cavaco que sempre se vangloriou do seu “modernizador” programa de nacionalizações? As eleições presidenciais estão à porta e é bom que os portugueses se não esqueçam de quem verdadeiramente defende os interesses nacionais.
Ao silêncio comprometedor de Cavaco junta-se, como ontem já aqui tínhamos previsto, o barulho ensurdecedor da imprensa dominada pelo grande capital, defensora do neo-liberalismo. Basta abrir os jornais de hoje e ver as televisões para se perceber a dimensão desta campanha que não olha a meios para atingir os seus fins e que é capaz de passar por cima de todos os interesses nacionais para defender os interesses do grande capital.
Inadmissível neste contexto é o comportamento do moderador do programa televisivo “Directo ao Assunto”, João Adelino Faria, da RTP N, que ultrapassando escandalosamente as suas competências de moderador equidistante num debate onde não intervém, nem tem que intervir, se aproveita do tempo de antena concedido ao Programa para fazer a sua própria campanha contra a decisão do Governo.
Alguém tem de fazer perceber ao Sr. Faria que ele está no “ar” como locutor, como moderador, cabendo-lhe nessa função equilibrar os tempos, lançar os temas a debater, e não participar com o seu primarismo argumentativo, que obviamente ninguém estaria disposto a ouvir, nem ninguém lhe concederia tempo de antena por mais de acordo que estivesse com as suas posições, tão primárias e ignorantes são as suas intervenções.