COMENTÁRIOS SOBRE O TEMPO QUE PASSA
1 – Cameron recua e avança. O governo inglês que, pela voz do Chancellor of the Exechequer, e depois pela do super polícia recrutado na América por Cameron, parecia ter recuado sobre a interpretação primária que havia feito dos motins da semana passada, investe agora de novo em defesa da sua tese, preparando-se para agravar as medidas que tendem a marginalizar ainda mais os sectores excluídos da sociedade, sem simultaneamente dispensar as “instruções” aos tribunais para que apliquem sem contemplações as penas máximas, numa eloquente demonstração daquilo para que tende o badalado “rule of law” nesta fase de hegemonia do capitalismo financeiro nas sociedades desenvolvidas ocidentais.
Se a Big Society de Cameron já constituía um pérfido embuste, escondendo por detrás do “novo conceito” o agravamento das políticas neoliberais, os acontecimentos da semana passada ter-lhe-ão proporcionado a oportunidade que lhe faltava para pôr em prática, num estilo de retaliação nazi, a ideia que a direita neoliberal tanto tem apregoado por toda a parte, segundo a qual a generalidade dos direitos sociais, nomeadamente as prestações sociais atribuídas aos excluídos de todas as espécies, só servem para fomentar mandriões e irresponsáveis preguiçosos que se julgam titulares de direitos sem assumirem as correspondentes obrigações.
Explicando melhor: a Big Society de Cameron é uma fórmula ideologicamente avançada de extremar as políticas neoliberais sem ter de recorrer aos chavões utilizados pelos álvaros, duques e cantigas da maior parte dos países que, continuando muito ligados à explicação rudimentar de que há que “emagrecer” o Estado para bem de todos nós, imediatamente suscitam com as suas explicações a rejeição das “benesses” que nos querem prodigalizar. Cameron segue outra via para atingir o mesmo fim, porventura ainda mais radical. Ele - diz-se - de nada quer privar a sociedade, pelo contrário, pretende que seja ela a cuidar dos assuntos que mais directamente lhe dizem respeito, propondo-se o Estado atribuir-lhe, segundo o seu critério, os meios correspondentes para aqueles fins. Algo assim, traduzido em calão, como aquela de o Cavaco querer pôr as Misericórdias a desempenhar o papel que cabe ao Estado no domínio da saúde…
Enfim, o resultado está à vista. Mas há mais: há indícios muito preocupantes de que a “Big Society” de Cameron poderá na tal “atribuição de meios” que se propõe fazer à “sociedade” privar de recursos não apenas os directamente envolvidos nos motins de Londres, Birmingham e Manchester, mas também as respectivas famílias, num processo de generalização da culpa individual em culpa colectiva, bem ao jeito das retaliações nazis.
Em matéria de Big Society ficamos entendidos…
2- Merkel, Sarkozy e a coutada europeia. Mais uma vez a Chanceler alemã e Sarkozy, embora este frequentemente no papel de idiota útil, decidem dos assuntos europeus, como se de uma coutada se tratasse. Uma reserva privada de caça, onde os demais caçadores apenas são tolerados …
Persiste em Merkel a estúpida ideia de que os problemas com que a zona euro se defronta se resolvem com repressão. Repressão eficaz, de preferência preventiva. E, assim, de cimeira em cimeira franco-alemã, caminha para o seu fim a União Europeia. Um fim que se explica por terem cessado de existir as principais causas da sua existência.
A Europa na actual configuração hegemónica do capitalismo financeiro não tem condições para sobreviver. Entre a lógica exclusiva do capitalismo especulativo e a retórica inclusiva da integração europeia, o primeiro levará a melhor sobre a segunda mais breve do que se supõe.
3 – O Papa e o interesse estratégico da Espanha – Nenhum Papa, nos últimos cem anos, atribuiu à Espanha a mesma importância estratégica que Ratzinger lhe concedeu na sua cruzada contra a laicidade. Tirando partido da fractura da sociedade espanhola - as tais duas Espanhas de que falava António Machado – o Papa sabe que uma parte importante da sua estratégia contra o relativismo se joga em Espanha, principalmente depois da hierarquia reaccionária, com Rouco Varela à cabeça, ter retomado há cerca de três anos o poder na Igreja.
Zapatero, que tanto prometeu na consolidação de um Estado laico, acabou, também neste plano, por soçobrar, desistindo, por pressão da Igreja …e da crise, da aprovação de um conjunto de medidas que reforçariam juridicamente a secularização da vida espanhola.
O Vaticano, aproveitando a onda, prepara-se para fazer amanhã e depois, em Madrid, uma grande exibição de força como já não se via desde os “tempos heróicos” dos congressos da juventude noutras paragens.
Dentro da mesma linha de conservadorismo radical e de “congelamento” do Concílio Vaticano II, em Junho passado, num gesto inédito, Bento XVI nomeou arcebispo de Milão o reaccionaríssimo Patriarca de Veneza, Angelo Scola – o tal que na diocese de Ambrosio não tinha sido aceite como padre - ao que tudo indica para o colocar num lugar privilegiado à sua sucessão, não hesitando, assim, pela primeira vez na história da Igreja, na transferência de um Patriarca de Veneza para Milão.
4 – A RTP, Relvas e o que está para vir – O governo de Passos Coelho continua muito agitado em relação à RTP. Persistindo na ideia da privatização, que cada vez mais parece corresponder a um compromisso pré-eleitoral com certos interesses económicos completamente fiéis na área da comunicação social, Relvas afadiga-se na criação de um “verdadeiro serviço público” de televisão. Para isso convidou Duque – sim, o Duque da economia, que nos media faz parelha com Cantigas – para em dois meses desencantar um conceito de “serviço público” adequado à linha política do actual governo. Dentro do mesmo esforço de ir encontrando nomes para dar corpo ao esperado e mais que previsível conceito, corre com insistência a notícia de que o melífluo Relvas já convidou Crespo para correspondente em Washington…
5 – No PSD a luta pelas presidenciais já começou – Ainda agora Cavaco acabou de ser eleito, preparando-se, finalmente, para voltar a governar, já as hostes do PSD se agitam na busca da “pole position” para a próxima campanha presidencial. Barroso e Marcelo são os protagonistas dessa corrida, que Marques Mendes não se cansa de trazer para a actualidade, atacando sem tréguas Barroso e apoiando Marcelo, na esperança de que algo de muito substancial acabe por sobrar para si. Entretanto, Marcelo, com a sua habitual perfídia e idêntico desembaraço, até já elogia a escolha de Santana para a Santa Casa…E nem sequer será preciso possuir dotes divinatórios para antecipar no próximo comentário televisivo a ridicularização de Barroso a partir da interpretação da recente proposta de Merkel/Sarkozy sobre o “governo económico” da Europa.
ADITAMENTO
RTP em Madrid - É simplesmente vergonhosa a reportagem sobre a visita do Papa a Espanha, bem como sobre a reacção que a mesma suscitou na militância laica, feita por uma gaja que está em Madrid há vários anos como correspondente da RTP. Uma gaja que foi para lá com uma grande cunha contra a vontade da direcção da informação, que então se demitiu em protesto pela sua nomeação. Mas se ela resitiu ao governo Sócrates, obviamente que o actual aplaude...
ADITAMENTO II
Como se comprova pelos vídeos agora transmitidos pela TV, a gaja da RTP, correspondente em Madrid, estava a mentir quando fez a reportagem sobrre os militantes laicos que protestavam contra as facilidades concedidas pelo erário público à visita do Papa. Ninguém toma medidas? Pode um correspondente de uma televisão pública fazer uma reportagens tão escandalosamente parcial e ainda por cima falsa?
ADITAMENTO II
Como se comprova pelos vídeos agora transmitidos pela TV, a gaja da RTP, correspondente em Madrid, estava a mentir quando fez a reportagem sobrre os militantes laicos que protestavam contra as facilidades concedidas pelo erário público à visita do Papa. Ninguém toma medidas? Pode um correspondente de uma televisão pública fazer uma reportagens tão escandalosamente parcial e ainda por cima falsa?
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