quinta-feira, 1 de março de 2012

A CIMEIRA DE HOJE E DE AMANHÃ DA UNIÃO EUROPEIA



O QUE ESPERAR?



Como ontem aqui se deixou implícito não haverá nada de muito novo ou importante a esperar da cimeira da União Europeia que começa hoje e termina amanhã em Bruxelas, não apenas por ter sido retirado da ordem do dia o ponto que poderia ter algum interesse prático – reforço substancial do fundo de resgate – mas também porque a tentativa de voltar as atenções para o crescimento está de antemão votada ao fracasso, qualquer que seja a cosmética utilizada para fazer crer o contrário.

É, porém, indesmentível que se iniciou no seio da União Europeia uma pequena clivagem entre os defensores da austeridade. De um lado estão os duros, liderados pela Alemanha e seus acólitos, sempre com a complacência vichyteana de Sarkozy, que tendem a identificar a austeridade como a medida punitiva adequada para os desmandos dos mandriões do sul e do outro um conjunto de Estados, liderados pela Itália de Monti e a Espanha de Rajoy, com o apoio activo do Reino Unido, que, não tendo objectivos totalmente coincidentes, se uniram com o propósito discreto de reacção à liderança germano-francesa e com o objectivo comum de associar políticas de crescimento às medidas de austeridade.

Mas não haja qualquer ilusão: todos eles defendem as teses neoliberais, embora discordem do projecto hegemónico de poder que a actual situação acabou por conferir à Alemanha. A diferença é portanto apenas esta: um neoliberalismo mais horizontal e menos vertical.

Mario Monti, excelente diplomata, ainda ontem dizia isto mesmo em entrevista ao Público quando pugnava por um maior liberalismo e mais integração dos mercados em todos os domínios, inclusive no domínio psicológico! Rajoy, mais à espanhola, no que está verdadeiramente interessado é na diminuição substantiva das metas do défice orçamental, sob pena, como ele próprio reconhece, de a calle se incendiar.

De facto, Rajoy parece não ter qualquer possibilidade de reduzir este ano (2012) o défice para 4,4%, o que implicaria um corte de 44 mil milhões de euros, impossível de suportar tanto pelas autonomias (pelas suas autonomias!) como pela rua.

A Comissão Europeia, sem luz verde dos alemães para grandes concessões, apenas admite flexibilizar as metas nalgumas décimas. De facto, os alemães entendem que a intervenção massiva do BCE, a que têm fechado os olhos, em apoio dos bancos espanhóis, italianos e franceses, é mais do que suficiente para aguentar, sem risco de falência, as respectivas economias, não havendo, portanto, razão para abrandar as medidas de austeridade “convencionadas”.

Como sempre acontece nestas reuniões não vai haver qualquer decisão nem qualquer posição comum minimamente clara. A Espanha vai ser obrigada a apresentar um orçamento mais ou menos dentro do que lhe foi imposto pela Comissão, mas como não vai ter qualquer possibilidade de o executar, há-de se arranjar lá mais para diante uma maneira de ir parcialmente ao encontro das suas pretensões, nomeadamente se a recessão se agravar e a rua se inflamar.  

Perante este quadro o que faz o Governo Português? O Governo Português, que pelo seu seguidismo nem sequer foi convidado a assinar a “carta dos 12”, tem uma estratégia completamente diferente da espanhola e da italiana.

Começou por tê-la logo que forçou a intervenção estrangeira para melhor poder aplicar o seu programa neoliberal, enquanto a estratégia de Sócrates era antes a de administrar uma intervenção informal via BCE, à semelhança da Espanha e da Itália.

Assinado o Memorando e iniciada a sua execução, o actual Governo entende (também por conveniência ideológica) que não tem margem de manobra para fazer qualquer tipo de exigência. A sua estratégia é cumprir à risca o acordado, pondo em prática o que vem e o que não vem no Memorando, e esperar pelo resultado.

Uns, como Gaspar, Álvaro e mais alguns, por fanatismo ideológico e também por estupidez, acreditam que os resultados serão tendencialmente positivos; outros, como Relvas e Portas, já perceberam que não haverá resultados positivos, mas tanto uns como outros, a começar pelo Primeiro Ministro, acham que a partir dai – a partir da execução sem falhas do Memorando – o problema é da Troika, ou seja, da Alemanha.

Salvo o devido respeito, que aliás é nulo, esta estratégia é uma imbecilidade. Os alemães, o Bild e toda essa malta do norte da Europa, o que vai dizer de nós é o que agora está dizendo da Grécia: “Não adianta dar-lhes dinheiro, porque eles não o sabem aproveitar”.

Estas resumidas considerações sobre a Cimeira Europeia só servem para corroborar a tese da ausência de soluções dentro do actual quadro monetário. Seria preciso mudá-lo. Só que na União Europeia as mudanças que impliquem perda de poder dos mais fortes quase não existem ou quando vagamente existem são tão lentas que numa emergência como a actual correm o risco de não ocorrerem em tempo útil.

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