sexta-feira, 22 de agosto de 2014

SEGURO E COSTA: DIFERENÇAS IDEOLÓGICAS?


 

ANÁLISE SUMÁRIA DE UM ARTIGO DE OPINIÃO



 

O título é demasiado pomposo para o que pretendo escrever, mas é o título que Ana Rita Ferreira dá no Público de hoje ao artigo que escreve sobre o assunto.

Diz a Autora que Costa “dedica mais espaço ao tema da necessidade de redução das desigualdades por via das políticas sociais, e além disso, é mais taxativo no diagnóstico deste problema e apresenta mais soluções para o resolver”.

Lendo o artigo e a comparação que nele faz entre as propostas dos dois candidatos socialistas a um cargo que ainda não se percebe bem qual seja (por razões que agora não interessa explicar, mas que parecem óbvias para quem tenha uma luzes da Constituição Portuguesa), depreende-se que para ambos os “candidatos” a tentativa de redução daquelas diferenças, melhor dizendo, do fosso que nos últimos anos se tem aprofundado, assenta, por parte de Seguro, numa visão mais virada para as políticas assistencialistas enquanto, por parte de Costa, resultaria da adopção de políticas sociais mais próximas daquilo que a Autora considera a tradição do socialismo democrático.

Independentemente da justeza desta análise, que parece excessivamente severa para Seguro e benévola para Costa, e sem negar o papel das políticas sociais na redução das desigualdades mais gritantes, não é, não será nem nunca foi por via exclusiva das políticas sociais que as desigualdades sociais se combateram e que se abaterá o fosso dramaticamente crescente entre ricos e pobres.

A desigualdade social combate-se em primeira linha pela via das políticas económicas e por tudo aquilo que com elas estiver directamente relacionado, como, por exemplo, a regulação do trabalho mediante uma clara opção pelo trabalho em detrimento do capital. Não se trata de propor ou sugerir que um partido do sistema capitalista, como o PS, hostilize o capital, trata-se apenas de recordar que já foi essa a política dos partidos sociais-democratas e até de certos partidos de direita como a democracia cristã do pós Guerra, mesmo sem esquecer que hoje são outros tempos e que emergiram na cena mundial múltiplos actores, alguns bem poderosos, que nesse passado recente eram apenas tomados em conta no seu papel geoestratégico definido em função dos interesses das potências dominantes enquanto hoje são eles próprios a fazer a defesa dos seus interesses frequentemente em confronto com os “velhos países” desenvolvidos do Norte.

Tendo sido os partidos socialistas, sociais-democratas e trabalhistas os grandes impulsionadores do neoliberalismo na Europa e nos seus respectivos países e tendo sido eles, em algumas áreas sociais, a trocar as políticas sociais por políticas assistencialistas, para amenizar alguns dos efeitos mais dramáticos do neoliberalismo, sem que contudo o fosso entre ricos e pobres deixasse de se agravar, relativa e absolutamente, não só por os mais ricos terem cada vez mais e os mais pobres cada vez menos, mas também por os mais ricos serem cada vez menos e os pobres cada vez mais, ou seja, com estes antecedentes há todas as razões para supor que nem Seguro nem Costa pugnarão pela radical mudança das políticas económicas com vista à produção de efeitos com que a maioria inequivocamente se identificaria.

 

 

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

BES: A DECLARAÇÃO DO MINISTRO MARQUES GUEDES


 

QUEM ONERA O ESTADO PORTUGUÊS?

 

 
Parece ter passado sem contestação a afirmação hoje feita pelo Ministro Marques Guedes, a propósito das fugas de informação sobre a “solução BES”, de que o Governo não teve conhecimento prévio da decisão do Banco de Portugal de intervir no BES.

Esta declaração não resiste a um segundo de reflexão. O problema não está em saber quando “decidiu” o Banco de Portugal intervir no BES. O problema está em saber quando é que o Banco de Portugal acordou com o Governo o modo de intervenção no BES. Porque o Banco de Portugal nunca poderia DECIDIR intervir no BES na forma como interveio sem o prévio acordo do Governo. Como poderia o Banco de Portugal decidir um modo de intervenção que compromete o Estado português sem que essa mesma intervenção tivesse sido previamente acordada com o Governo?

Assim sendo, parece que o que sobra da intervenção do Ministro Marques Guedes é a insinuação de que a fuga de informação que permitiu avisar os “amigos” partiu do Banco de Portugal ou de quem com ele colaborou no desenho da dita “solução”.

Insinuação que não chega para explicar por que razão as decisões mais importantes e polémicas do Governo são sempre previamente anunciadas pelo “comentador” Marques Mendes.

Ou seja, a declaração do Ministro Marques Guedes vale tanto como a “garantia” dada pelo Governo de que a “solução” encontrada para o BES não onera os contribuintes.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

BES: DUAS DÚVIDAS


 

E UMA CERTEZA
 



 

Foi dada como notícia da noite a intimação do BCE (Banco Central Europeu), no dia 1 de Agosto (sexta-feira), ao BES (Banco Espírito Santo) para pagar 10 mil milhões, devidos ao Euro-sistema, até ao fecho das operações do dia 4 de Agosto (segunda-feira) e simultaneamente imputada a esta exigência do BCE a liquidação do BES nos termos que agora começam a ser conhecidos nos seus contornos essenciais. Uma notícia, diga-se, que aqui no Politeia já tinha sido adiantada na noite da passada sexta-feira por recurso às fontes então identificadas.

E é com base nela que se passou a dizer que foi por pressão do BCE que o Banco de Portugal se viu obrigado a actuar como actuou.

Não obstante a perfídia de Bruxelas, esta tese não parece sustentável. Sendo o Banco de Portugal governado por quem é – um homem do capital financeiro muito próximo do BCE – e sendo o Governo português um “aluno exemplar” de tudo o que de mais reprovável se congemina em Bruxelas, não é crível que aquela intimação do BCE tenha ocorrido sem prévia concertação com o Banco de Portugal.

A situação do BES estava a degradar-se dia após dia, hora após hora. Os meios que o Banco de Portugal, entidade na qual o Governo delegou a resolução do caso BES e por detrás do qual se tentou esconder politicamente, tinha à mão para tentar estancar a falência do BES estavam esgotados e todos os que foram usados tinham falhado se é que não agravaram a situação. Por outro lado, o Governo, escudando-se em Carlos Costa, foi demagogicamente adiantando que, acontecesse o que acontecesse, os contribuintes não seriam chamados a pagar o resgate do BES, o que estreitava ainda mais as soluções do Banco de Portugal.

É, portanto, crível que, neste contexto, Carlos Costa tenha acordado com o BCE um modo de apresentação das coisas que lhe permitisse actuar rapidamente, estancando os aspectos mais visíveis da degradação do BES e, simultaneamente, salvasse (formalmente) a face do Governo.

A reclamação do crédito do Euro-sistema em jeito de ultimato era o meio adequado para matar vários coelhos com uma cajadada. Por um lado, obrigava o Governo a pôr imediatamente em vigor a directiva comunitária – 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho – mediante a sua transposição parcial através do DL n.º 114 –A/2014 que alterou o regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, por outro, permitia ao Banco de Portugal resolver o problema do BES de acordo com o novo regime comunitário, de cuja aplicação Portugal se tornou  pioneiro e, simultaneamente, cobaia na Europa.

Não há dados disponíveis que permitam dizer que foi assim que as coisas se passaram. Mas é muito grande a probabilidade de assim ter sido.

Segunda questão: percebe-se pelo desenrolar dos acontecimentos que nem tudo se passou entre sexta-feira, 1 de Agosto, e segunda-feira, 4 de Agosto, embora tenha sido nesse espaço de tempo que os trabalhos se ultimaram. Tudo, seguramente, começou um pouco antes, já que até houve tempo para aconselhar certos investidores amigos a, em boa hora, se desfazerem das acções…Mas não houve tempo para tratar de tudo com o rigor exigido. E é a propósito dessa falta de tempo que se levanta a segunda dúvida: não será o DL n.º 114 –A/2014 organicamente inconstitucional?

Que este Decreto-Lei é materialmente inconstitucional ou que, pelo menos, a aplicação que dele foi feita enferma de inconstitucionalidades materiais parece já ser hoje a opinião de muita gente. Só que, além desses vícios, surge também a dúvida sobre a sua constitucionalidade orgânica.

Muito sucintamente: o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31 de Dezembro ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 9/92 de 3 de Julho). Por sua vez o Decreto-Lei n.º 31- A/2012 de 10 de Fevereiro, que altera substancialmente o regime introduzido pelo DL n.º 298/92, foi igualmente aprovado ao abrigo de uma autorização legislativa (Lei n.º 58/2011 de 28 de Novembro).

Parece, portanto, à primeira vista que sendo as alterações introduzidas pelo DL n.º 114 –A/2014 ainda mais gravosas, sob aspectos que não adianta agora enumerar, que os dois diplomas anteriores (DL 298/92 e DL 31 –A/2012), relativos à regulamentação do mesmo regime jurídico, é muitíssimo provável que as alterações por ele introduzidas careçam de autorização legislativa.

Não vou estudar o assunto, obviamente, mas deixo a dúvida para quem estiver interessado em explorá-la.

Finalmente, uma certeza: só por ingenuidade ou tentativa de salvar o que não tem salvação possível se poderá dizer, relativamente ao sistema financeiro e a outros domínios em que impera o neoliberalismo, que há em Portugal, ou que parece haver, sectores fora de controlo que nós não conhecemos. Podemos não conhecer os factos em concreto, mas qualquer pessoa minimamente atenta e previdente, que não esteja empenhada em ver a regra como excepção, sabe perfeitamente ou tem obrigação de saber que tudo o que se relaciona com o grande capital (à nossa dimensão) está fora de controlo por força das políticas e dos respectivos regimes jurídicos criados ou apoiados pelo “arco da governação”.

O BES não é uma excepção, nem um acto de banditagem, como agora dizem alguns que nesse ou noutros sectores se dedicam ao mesmo ofício. O BES, o BPN, o BPP, o BANIF, o BCP, entre muitos outros por esse mundo fora, fazem parte da regra.

 

sábado, 9 de agosto de 2014

BES: PARA QUE CONSTE – ADENDA



 



 
PARA LER E MEDITAR
 
Está, finalmente, deslindada a questão que havíamos levantado no último post sobre a ausência de um acto administrativo que aplicasse ao caso concreto do BES a legislação aprovada pelo DL n.º 114 –A/2014 de 1 de Agosto: esse acto existe desde o dia 3 de Agosto, embora não esteja oficialmmente publicado. 
O meu colega e Amigo Alberto Jorge Silva fez-me chegar pelo Facebook a documentação que Miguel Reis publicara na sua página do Facebook.
Vale a pena ler: primeiro a pressão de Bruxelas, mais concretamente do BCE, que deu o golpe de misericórdia no BES, ao exigir-lhe na sexta-feira, 1 de Agosto, o pagamento de 10 mil milhões de euros ao Eurosistema até à hora do fecho das operações no dia 4 de Agosto, segunda-feira. 
Depois acta da reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, datada de 3 de Agosto (domingo), que decidiu a criação do Novo Banco, SA; a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco; a designação de uma entidade independente (PricewaterhouseCoopers & Associados) para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA; e a nomeação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização do Banco Espírito Santo, SA, bem como, nos Anexos 2 e 2A, a especificação do património que integra cada um dos bancos.
Está tudo aqui
 
Não pode, portanto, continuar a dizer-se que não há um acto administrativo concretizador da aplicação ao BES do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 114 -A/2014, nem ausência de critérios para a transferências patrimoniais operadas para um e outro banco. O que doravante se discutirá será exactamente a validade desses critérios perante o ordenamento jurídico português: se violam ou não princípios fundamentais do Estado de Direito. E depois há a questão político-jurídica, que mantém toda a actualidade, da capitalização do Banco Novo com dinheiros públicos. Dos que já foram adiantados e dos mais que, seguramente, virão a ser necessários.
Por último, se os juristas tiverem “unhas” para tanto, a própria constitucionalidade das alterações introduzidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras pelo DL n.º 114 –A/2014 por imposição da Directiva n.º 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014.
Tal como no BPN após a nacionalização, também agora, com a "liquidação e refundação" do BES, ainda tudo está no começo...
 



sexta-feira, 8 de agosto de 2014

BES: PARA QUE CONSTE


 
O RESTO FICA PARA MAIS TARDE





Vocês sabem quantas páginas tem a directiva da UE (Directiva n.º 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014), parcialmente transposta pelo decreto-lei (DL n.º 114-A/2014 de 1 de Agosto) que alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro) em que o Governo se baseou para no domingo à noite nos oferecer pela voz do governador do Banco de Portugal aquela prenda chamada “recuperação e resolução” do BES? Cento e cinquenta e oito! Em letra pequena, no Jornal Oficial da União Europeia.

 

Como estão longe de Bruxelas os ensinamentos de Montesquieu…Quando se diz que a justiça é lenta nas questões desta natureza, sejam elas penais, civis ou administrativas, fisco incluído, não se pode apenas imputar a responsabilidade aos órgãos aplicadores do Direito, à sua inépcia, à sua incompetência, ao seu desleixo. É preciso também ter presente o papel do legislador, o que ele muitas vezes faz para impedir ou dificultar a aplicação da lei ou obscurecer a sua interpretação.

Mas continuando… Para além da opacidade e arbitrariedades, convém ainda dizer que, a aplicação daquele regime ao BES pelo Banco de Portugal só foi possível por na segunda-feira, 4 de Agosto, ter sido publicado no DR o DL n.º 114 -B/2014 que atribuiu ao Banco de Portugal poderes para praticar um acto que já tinha sido praticado na véspera, domingo. Daí que se fale em Conselho de Ministros fastasma....  Como se vê o Direito tanto se pode escrever com maiúscula como com minúscula. Tudo depende do uso que dele se faça. Quando ele se transforma no reino da magia e da ficção dificilmente poderá deixar de se escrever com minúscula.

Mas há mais: nas alterações que o DL n.º 114-A/2014 introduz no tal decreto que regula o Regime Geral das Instituições de Crédito estão referidas a disposições que não figuram neste Decreto-Lei, não se fazendo articulado do novo texto legal qualquer referência às ditas, embora se saiba que essas alterações resultam fundamentalmente do regime introduzido pelo DL n.º 31-A/2012 de 10 de Fevereiro que modificou substancialmente o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Finalmente, independentemente de todas as arbitrariedades e opacidades, que, em última instância, tem o “habitual pagador” como destinatário, há uma clamorosa “ausência” que imediatamente salta à vista de qualquer pessoa, seja ela jurista ou não. E que é a seguinte: Vamos admitir que tudo isto que “eles” fizeram é legal ou tendencialmente legal. Isto quer dizer que há uma lei interna ou um diploma da União Europeia (admitamos) conformes à Constituição da República que permitem, em abstacto, como geralmente acontece com todas as hipóteses normativas, fazer o que eles fizeram. Só que para o fazerem tem de ser praticado (no caso) um acto administrativo que aplique ao caso concreto o regime geral previsto no diploma que estabelece esse regime. Um acto fundamentado na lei.

Onde está esse acto administrativo cuja competência para o praticar foi atribuída ao BdP pelo DL n.º 114-B/2014? Foi publicado? Foi notificado aos interessados? Está na cabeça apenas do sr. Costa e da Madame Swap e, porventura passado, ao arauto Marques Mendes, ao sr. Camilo Lourenço ou àquele rapaz da SIC?

Como é que nós sabemos, com rigor, o que fica num banco e o que passa para outro?

Assim vai a crise do capitalismo financeiro em Portugal… por enquanto apenas a cargo do mesmo de sempre. Até ver…

terça-feira, 5 de agosto de 2014

BES: O NEOLIBERALISMO FINANCEIRO ABRE CAMINHO À "SOLUÇÃO IDEAL"


 


A PROPÓSITO DE UMA OCORRÊNCIA NA BANCA PORTUGUESA OU A HISTÓRIA DO “pide BOM E DO pide MAU”

 

Depois do Outono de 2007 e da crise aberta pelo capitalismo financeiro, primeiramente na América e depois propagada à Europa quer como consequência dos activos tóxicos adquiridos na banca americana ou cá fabricados quer como consequência da já famosa “arquitectura político-monetária do euro”, falsamente denominada “crise da dívida soberana”, a América e depois a Europa reagiram ao colapso do sistema financeiro e suas associadas a dois tempos. Numa primeira fase, que durou pouco, a América optou, ainda no tempo de Bush, por uma solução à Hoover (1929) – deixar falir o que está podre, de que o exemplo mais emblemático foi o Lehman Brothers – mas cedo arrepiou caminho e, ainda no estertor de Bush, e depois inequivocamente sob a gestão Obama, optou claramente pela solução que ficou mundialmente conhecida pela máxima “too big to fail”.

Em poucas palavras: a Reserva Federal emprestava, a custo zero, aos bancos falidos biliões de dólares para garantir, como então se dizia, a sua “liquidez” (o que na verdade se estava a garantir era a sua solvabilidade – activos que pudessem fazer face ao passivo) e assim impedir o colapso do sistema financeiro no seu conjunto por força da existência de “ratios” baixíssimos na totalidade dos bancos, em consequência da desregulamentação permitida por Clinton e da existência generalizada da não mesmo famosa “alavancagem”, que mais não é do que uma forma legalmente admitida de fabricar dinheiro falso. Em pouco tempo, numa economia como a americana, primeiramente em crise e depois com uma recuperação titubeante, embora constante, os bancos assistidos, cujo negócio como se sabe consiste em fazer dinheiro com dinheiro, não tiveram dificuldade em ir pagando o que lhes havia sido emprestado a custo zero. Não só pagaram como ainda fizeram grandes lucros.

Na Europa Comunitária (é mais adequado este termo que o de União Europeia), os primeiros a sofrer as consequências da crise americana foram os anglo-saxónicos (Reino Unido e Irlanda) e depois a Holanda e mais tarde, já como consequência da “crise do euro”, os países da zona euro – primeiro os do centro, ainda contaminados pela crise americana, e seguidamente os da periferia, claramente “contaminados” pela avalanche de crédito barato concedido a partir do centro em consequência dos extraordinários superávides comerciais (Alemanha) que o a introdução do euro lhe tinha permitido acumular.

Nos países que não pertenciam à zona euro, a solução adoptada para fazer face à crise oscilou entre a nacionalização com vista à futura venda do banco depois de relativamente saneado ou a entrada de capital do Estado nos bancos, quer sob a forma de empréstimos a baixíssimo custo, quer sob a forma de participação no capital social, embora numa posição diferente e mais desvantajosa que a dos restantes accionistas. Fosse qual fosse a solução, o que importava era assegurar a entrada de “dinheiro fresco” no banco que garantisse a sua solvabilidade. Obviamente, esta actuação dos Estados tinha como consequência o aumento correspondente da dívida pública e do seu serviço. Ou seja, eram os contribuintes que em primeira linha eram chamados a responder pela falência do sistema financeiro não para o reformar e alterar a sua lógica de funcionamento, mas pura e simplesmente para o salvar e restaurar de modo a que, o mais rapidamente possível, os bancos afectados pudessem regressar em plenitude ao mercado para continuarem a fazer o que faziam antes. Durante este processo foi inevitável também assistir-se a uma maior concentração do capital financeiro, já que o mais “saudável” ou que mais depressa recuperou aproveitou a onda para absorver o mais fraco, entretanto parcialmente recuperado à custa do contribuinte ou pura e simplesmente vendido sem qualquer passivo, que ficava a cargo do Estado.

Neste processo muito complexo quanto às explicações que iam sendo dadas ao grande público, mas muito fácil de compreender nos seus objectivos, assume particular relevância a situação dos bancos da zona euro cuja crise se desencadeou juntamente com a chamada crise da dívida. Aqui é preciso encarar a situação numa dupla perspectiva: primeiro, a dos bancos dos países excedentários ou daqueles que, não o sendo, mas cuja dívida era financeiramente sustentável, e que estavam, uns e outros, muito expostos à dívida dos países periféricos (pública e privada). Depois de múltiplas hesitações iniciais, aqueles países acabaram por aceitar no quadro da zona euro uma solução que permitisse resgatar os países endividados à custa de pesadíssimos programas de austeridade, mediante a concessão de verbas, da responsabilidade dos Estados, devidamente remuneradas, no essencial destinadas a assegurar o regular cumprimento do serviço da dívida e a recapitalizar o respectivo sistema financeiro. Através desta dupla via se impedia o que mais preocupava os Estados do centro – a bancarrota dos Estados periféricos e a falência dos seus bancos com as inevitáveis consequências para os credores, que entretanto, por força deste mesmo processo, através de vários expedientes que não vem agora ao caso pormenorizar, foram diminuindo a sua exposição à dívida dos países periféricos e dos seus bancos.

Sem fazer qualquer juízo de valor, que de resto está ao alcance de todos, sobre as consequências deste processo quanto aos Estados que a ele ficaram submetidos, as soluções inicialmente encontradas para acudir à falência dos bancos dos Estados periféricos revelaram-se insuficientes e incapazes de resolver o assunto. Por outro lado, estas soluções eram exageradamente onerosas para os respectivos Estados já que eram eles que, em primeira linha, respondiam pelo reembolso do dinheiro emprestado. Também a este respeito a zona euro foi hesitando, seguindo um caminho aos zigzagues, acabando por adoptar uma solução que verdadeiramente ainda não foi posta em prática em consequência dos múltiplos equívocos que acompanharam a sua criação – a União Bancária. Esta solução permitia que fossem os próprios bancos a endividar-se junto de um fundo expressamente criado para o efeito, mediante a aceitação de um conjunto de imposições.

Nesse caminho aos zigzagues a União Europeia chegou mesmo a fazer pagar aos grandes depositantes a recuperação dos bancos falidos, embora esta via só tivesse sido seguida relativamente a um dos países com menor peso na zona euro (Chipre)m, o que aliás também demonstra bem o nível de covardia e de perversidade com que a dita organização é capaz de actuar sempre que não encontra opositor à altura.

Antes do Chipre, a Irlanda teve de assumir a dívida dos bancos para os salvar, subindo para números elevadíssimos o montante do défice e a Espanha teve de recorrer a um empréstimo de 30 mil milhões de euros para salvar La Bankia, com os consequentes aumentos da dívida e do défice.

É neste contexto confuso, caótico, do salve-se o mais forte e afunde-se o mais fraco, que foi encontrada a solução para a falência do BES – Banco Espírito Santo. É uma solução original, completamente arbitrária nos seus contornos e efeitos, de cuja concepção e execução o Governo se alheou, como se o Estado que ele tem por missão governar pudesse à revelia de tudo e de todos delegar as suas consequências nos representantes internacionais e nacionais do capital financeiro, aqui protagonizados pelo BCE, Comissão Europeia e Banco de Portugal. Tudo isto aconteceu não apenas com a demissão do Governo mas também com a proverbial covardia do Presidente da República que nunca intervém contra os poderosos nem contra os poderes fácticos ou institucionais estrangeiros numa estranha submissão que empequenece o país e desprestigia mortalmente a função. Todavia, tanto um como outro estão na primeira linha da responsabilização do Estado português pelo cumprimento do dinheiro que foi necessário, cerca de quatro mil e quinhentos milhões de euros, para salvar o banco falido.

Sim, porque o que se trata é de, com base numa gigantesca arbitrariedade em que se descrimina o que é igual, em que se obscurecem dolosamente os efeitos do procedimento adoptado, restituir ao capital financeiro e à sua prática desregrada um banco salvo com o dinheiro dos contribuintes. É falso, é completamente falso, afirmar que cabe, em última instância, aos bancos que fazem parte do Fundo de Recuperação a responsabilidade pelo reembolso do dinheiro que o Estado lá pôs. Como é igualmente falso (por flagrante ilegalidade) que os representares do capital financeiro, com a passividade cúmplice do Governo e do Presidente da República, possam arbitrariamente distribuir pelas duas instituições criadas – o “Banco Bom” e o “Banco Mau”- os respectivos activos e passivos do BES.

O que realmente está em curso é uma gigantesca mistificação tendente a fazer crer que o Governo não onera os contribuintes nem o erário público com os desmandos da gestão privada e simultaneamente é capaz de se erigir em justiceiro feroz dos culpados, aliados siameses de véspera.

Não, as coisas não vão ser como o Governo as pinta. O Governo cedeu a custo zero, isto é sem qualquer oneração, o dinheiro que os portugueses estão a pagar à Troika com as suas reformas, com os despedimentos na função pública, com os cortes de vencimento, com o aumento colossal de impostos e com as constantes restrições de todas as despesas sociais. Os bancos que não foram ouvidos nem chamados para participar no resgate do BES não vão ser responsáveis por uma dívida que não contraíram, se a coisa der para o torto.

E quanto ao outro lado da questão, ao “Banco Mau”, ainda é cedo para se saber o que realmente vai acontecer, para além daquilo que já se conhece: a gigantesca arbitrariedade que presidiu à sua formação, cuja composição realmente se desconhece, salvo a que em linhas gerais  consta da propaganda governamental.

Em conclusão, esta história tem dois lados. Um lado mau, que faz lembrar a história do “pide bom” e do “pide mau”, que necessariamente vai terminar com uma solução onerosa de ambos os lados para os portugueses. E um outro lado que encerra algumas virtualidades: todos aqueles – e são muitos – que advogam uma radical mudança de política em Portugal, nomeadamente, mas não só, um verdadeiro domínio do capital financeiro pelo Estado, como sangue arterial indispensável à vida saudável de qualquer economia, estão dispensados, a partir da noite do último domingo, de responder à pergunta que insidiosamente lhe faziam os opositores dessa solução e que era a seguinte: “Onde vão vocês arranjar o dinheiro para pagar as nacionalizações e os encargos das instituições nacionalizadas?” ….É muito simples, é só copiar…

 

 

 

sábado, 2 de agosto de 2014

A RECAPITALIZAÇÃO DO BES E O “REGULADOR”



 
QUEM PAGA É SEMPRE O MESMO
 

A propósito da responsabilidade do Banco de Portugal na actual situação do BES tem-se assistido a uma interessante, porém inócua, troca de opiniões (quase acusações) entre os representantes dos partidos do “arco da governação”, ou seja, entre os responsáveis pelo estado a que o país chegou.

À direita, o CDS, para marcar a diferença relativamente a Constâncio, considera excelente a actuação de Carlos Costa. Não somente, dizem, impediu que Salgado continuasse o no Banco ou lá colocasse gente sua, como acabou por retirar à “família Espírito Santo” o direito de voto sobre o futuro da Banco. Lobo Xavier vai mesmo ao ponto de dizer que hoje a regulação é apertadíssima, que os bancos estão sujeitos a controlos que antes nunca tiveram, mas que o regulador, qualquer que ele seja, “pouco ou nada pode fazer contra o banditismo” (sic).

Já o PS, principalmente pela voz de António Costa, mas também pela de Seguro (que até se considerou engado por Carlos Costa) culpa o Governador por ter agido tarde e a más horas, de ter gerido a crise ao sabor dos acontecimentos e, em suma, de ter contemporizado com situações cujo desfecho era desde há muito óbvio, não podendo, por isso, isentar-se da responsabilidade decorrente do colapso do BES.

O PSD, ou seja o Governo, está numa situação mais delicada porque assentou a sua estratégia relativamente ao BES/GES na acção de Carlos Costa, em quem confiou cegamente num misto de irresponsabilidade e de transferência de responsabilidades, como quem pretende alijar uma carga que lhe parecia demasiado pesada. Claro que a partir de agora, depois do que se avizinha para as próximas horas, Passos Coelho vai ter de conviver com o que ele e Maria Luís andaram a dizer sobre o papel do Estado relativamente ao Banco Espírito Santo e suas implicações no respectivo grupo. Dir-se-á que esse é o lado para o qual Passos Coelho “dorme melhor” por outra coisa não ter ele andado a fazer desde que iniciou as funções governativas: desdizer hoje o que prometeu ontem.

Desta vez, porém, será diferente: Depois de quatro anos de pesada austeridade e de ameaça de mais uns quantos, depois do que já se passou não apenas com o BPN e o BPP, mas também com o BANIF, o BCP e o BPI, a falência do BES e o seu regate pelo Estado à custa do contribuinte (digam eles o que disserem é isso o que vai acontecer se o Estado intervier, qualquer que seja o meio), pelos montantes que envolve e pela repercussão que tudo isso acabará por ter na economia nacional, constituirão um profundo golpe que o país não está em condições de suportar por mais que o Governo atenue com palavras mansas o que se prepara para fazer. Haverá a partir daqui um antes e um depois e nunca mais nada será como dantes. As consequências serão imprevisíveis mas não será ousado afirmar que é o próprio regime político que acabará por ser posto em causa pelo colapso e consequente resgate do BES.

Por isso, se outras razões não houvesse – e há – esta conversa à volta do regulador, do seu papel ou da sua responsabilidade, só pode interpretar-se como uma conversa destinada a tentar escamotear o essencial.

O regulador é escolhido directamente pelo capital financeiro ou pelos seus representantes. Seria impensável a nomeação de um ”regulador” que não gozasse da confiança dos bancos. Ele desempenha as suas funções no interesse do capital financeiro que neste preciso momento histórico, de crise e de concentração desse mesmo capital, também se confunde, principalmente nos países mais directamente afectados pela crise, com a luta pela sua sobrevivência.

Carlos Costa igual a Constâncio e Constâncio igual a Carlos Costa, ambos respondem pela defesa do mesmo interesse e perante o mesmo senhor, estejam eles partidariamente mais perto de um ou de outro partido do “arco da governação”, tudo isso é indiferente.
A introdução da figura do “regulador” nas áreas de concentração do grande capital, seja ele financeiro ou não, com o “estatuto de independente e equidistante dos interesses em presença” visa, com base no encobrimento do seu verdadeiro papel facilitado pela falsificação ideológica, expulsar o Estado das áreas onde deveria estar.

Falar em regulador equidistante significa colocar o interesse público (representado pelo Estado) teoricamente no mesmo plano do interesse privado, no caso, do interesse de muito poucos e praticamente subordinar os interesses da comunidade, que o Estado tem por missão representar e defender, ao interesse de uns poucos, às vezes apenas de um.

No caso do capital financeiro, já que é desse que estamos a tratar, o afastamento do Estado do papel fundamental e soberano que inequivocamente lhe deve caber, já vem de muito mais de trás, do tempo em que, por força do papel desempenhado pela ideologia, o neoliberalismo conseguiu alterar profundamente a natureza do banco central que, de banco dependente do Estado e ao serviço da sua política, desde logo a monetária e a de crédito, mas não só, também a do crescimento económico e do emprego, passou a ser uma entidade independente, ou seja, pseudo independente prioritariamente ao serviço do capital financeiro.

A crise da dívida na União Europeia, principalmente na zona euro, e a crise financeira que lhe está intimamente associada demonstram, sem margem para qualquer dúvida, que o interesse prevalecente na “gestão” da crise, tanto na América como na Europa, foi o interesse do capital financeiro e o interesse sacrificado foi o dos contribuintes, quase exclusivamente representado pelos rendimentos do trabalho.

Portanto, o problema não está neste ou naquele regulador. O problema está no “regulador” e no afastamento do Estado de funções que só ele deveria desempenhar.