QUEM PAGA É SEMPRE O
MESMO
A propósito da responsabilidade do Banco de Portugal na actual situação do BES
tem-se assistido a uma interessante, porém inócua, troca de opiniões (quase
acusações) entre os representantes dos partidos do “arco da governação”, ou
seja, entre os responsáveis pelo estado a que o país chegou.
À direita, o CDS, para marcar a diferença relativamente a Constâncio,
considera excelente a actuação de Carlos Costa. Não somente, dizem, impediu que
Salgado continuasse o no Banco ou lá colocasse gente sua, como acabou por
retirar à “família Espírito Santo” o direito de voto sobre o futuro da Banco.
Lobo Xavier vai mesmo ao ponto de dizer que hoje a regulação é apertadíssima,
que os bancos estão sujeitos a controlos que antes nunca tiveram, mas que o
regulador, qualquer que ele seja, “pouco ou nada pode fazer contra o banditismo”
(sic).
Já o PS, principalmente pela voz de António Costa, mas também
pela de Seguro (que até se considerou engado por Carlos Costa) culpa o
Governador por ter agido tarde e a más horas, de ter gerido a crise ao sabor
dos acontecimentos e, em suma, de ter contemporizado com situações cujo
desfecho era desde há muito óbvio, não podendo, por isso, isentar-se da
responsabilidade decorrente do colapso do BES.
O PSD, ou seja o Governo, está numa situação mais delicada porque
assentou a sua estratégia relativamente ao BES/GES na acção de Carlos Costa, em
quem confiou cegamente num misto de irresponsabilidade e de transferência de
responsabilidades, como quem pretende alijar uma carga que lhe parecia demasiado
pesada. Claro que a partir de agora, depois do que se avizinha para as próximas
horas, Passos Coelho vai ter de conviver com o que ele e Maria Luís andaram a
dizer sobre o papel do Estado relativamente ao Banco Espírito Santo e suas
implicações no respectivo grupo. Dir-se-á que esse é o lado para o qual Passos
Coelho “dorme melhor” por outra coisa não ter ele andado a fazer desde que
iniciou as funções governativas: desdizer hoje o que prometeu ontem.
Desta vez, porém, será diferente: Depois de quatro anos de
pesada austeridade e de ameaça de mais uns quantos, depois do que já se passou não
apenas com o BPN e o BPP, mas também com o BANIF, o BCP e o BPI, a falência do
BES e o seu regate pelo Estado à custa do contribuinte (digam eles o que
disserem é isso o que vai acontecer se o Estado intervier, qualquer que seja o
meio), pelos montantes que envolve e pela repercussão que tudo isso acabará por
ter na economia nacional, constituirão um profundo golpe que o país não está em
condições de suportar por mais que o Governo atenue com palavras mansas o que
se prepara para fazer. Haverá a partir daqui um antes e um depois e nunca mais nada será como dantes. As consequências serão imprevisíveis
mas não será ousado afirmar que é o próprio regime político que acabará por ser
posto em causa pelo colapso e consequente resgate do BES.
Por isso, se outras razões não houvesse – e há – esta conversa
à volta do regulador, do seu papel ou da sua responsabilidade, só pode
interpretar-se como uma conversa destinada a tentar escamotear o essencial.
O regulador é escolhido directamente pelo capital financeiro
ou pelos seus representantes. Seria impensável a nomeação de um ”regulador” que
não gozasse da confiança dos bancos. Ele desempenha as suas funções no
interesse do capital financeiro que neste preciso momento histórico, de crise e
de concentração desse mesmo capital, também se confunde, principalmente nos
países mais directamente afectados pela crise, com a luta pela sua sobrevivência.
Carlos Costa igual a Constâncio e Constâncio igual a Carlos
Costa, ambos respondem pela defesa do mesmo interesse e perante o mesmo senhor,
estejam eles partidariamente mais perto de um ou de outro partido do “arco da
governação”, tudo isso é indiferente.
A introdução da figura do “regulador” nas
áreas de concentração do grande capital, seja ele financeiro ou não, com o “estatuto
de independente e equidistante dos interesses em presença” visa, com base no
encobrimento do seu verdadeiro papel facilitado pela falsificação ideológica,
expulsar o Estado das áreas onde deveria estar.
Falar em regulador equidistante significa colocar o interesse
público (representado pelo Estado) teoricamente no mesmo plano do interesse
privado, no caso, do interesse de muito poucos e praticamente subordinar os
interesses da comunidade, que o Estado tem por missão representar e defender,
ao interesse de uns poucos, às vezes apenas de um.
No caso do capital financeiro, já que é desse que estamos a
tratar, o afastamento do Estado do papel fundamental e soberano que
inequivocamente lhe deve caber, já vem de muito mais de trás, do tempo em que,
por força do papel desempenhado pela ideologia, o neoliberalismo conseguiu
alterar profundamente a natureza do banco central que, de banco dependente do Estado
e ao serviço da sua política, desde logo a monetária e a de crédito, mas não
só, também a do crescimento económico e do emprego, passou a ser uma entidade
independente, ou seja, pseudo independente prioritariamente ao serviço do
capital financeiro.
A crise da dívida na União Europeia, principalmente na zona
euro, e a crise financeira que lhe está intimamente associada demonstram, sem
margem para qualquer dúvida, que o interesse prevalecente na “gestão” da crise,
tanto na América como na Europa, foi o interesse do capital financeiro e o
interesse sacrificado foi o dos contribuintes, quase exclusivamente representado
pelos rendimentos do trabalho.
Portanto, o problema não está neste ou naquele regulador. O
problema está no “regulador” e no afastamento do Estado de funções que só ele
deveria desempenhar.
8 comentários:
Será fazer teoria da conspiração suspeitar-se de que a nomeação do governador de um banco central da eurozona não fica completamente independente do BCE, como uma cooptaçao pelos pares (uns mais pares do que outros)?
https://www.youtube.com/watch?v=eLyfeo9iGgM
Abraço
Francisco Oneto
Com regulador ou sem regulador, o POVO é que sofrerá as bem pesadas consequências.
E o País a afundar-se cada vez mais.
Não percebi nada da pergunta do habitualmente bem claro João Vasconcelos Costa. Que aliás devia escrever mais vezes lá no moleskine dele.
CC=VC=OQ (outro qualquer)
Porque não podia deixar de ser!
Por definição, os banqueiros nem estão acima nem abaixo do Poder: fazem parte dele!
Se, por exemplo, o V. Contâncio, numa de D.Qixote, tivesse feito frente ao Bando do BPN teria sido ele o irradiado não só pela acção do bando mas também do Partido a que pertencia e que com aqueles forma uma vasta, por vezes difusa coligação, mas que tem um centro de gravidade bem conhecido, portanto, eu já não quero saber do que faz o devia ter feito o "Regulador", faz o que lhe compete (com mais ou menos habilidade) no papel que o Sistema lhe confere. O que eu sei é quem ganha e quem perde. As artimahnas jurídicas e contabilísticas pouco me interessam, são apenas metralha para a cáfila de avençados se entreter nos jornais e televisões a dizer que o buraco do BES (como outros) se vai pagar sem que ninguém tenha com isso qq custo rebéubéubéu... rebéubéubéu.
lg
"O regulador é escolhido directamente pelo capital financeiro ou pelos seus representantes. Seria impensável a nomeação de um ”regulador” que não gozasse da confiança dos bancos."
Isso!
Ao Rogério vp Pereira:
Concordo com a ideia mas não como é expressa.
O dito Regulador, na medida em decide ou co-decide em questões centrais do Poder tem que emanar desse mesmo Poder. Agora se o núcleo central do poder nesnte momento histórico é ocupado pelo capital financeiro isso é um detalhe, digamos assim, circusntancial.
Se o regulador emana do capital financeiro isso é um de detalhe? Não, o regulador emana do poder que o criou. Se o Estado exercesse as funções de que foi expulso o regulador não existiria. Enfim, tudo isso está explicado no texto. Noutro contexto a figura do regulador poderá vir a ser adequadamente desenvolvido se vier a propósito
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