AFINAL QUEM FICAR A
PROTESTAR?
Durante anos ouvimos a conhecida lengalenga de que havia dois
partidos que não queriam governar nem assumir responsabilidades governamentais,
facto que muito dificultava a acção do PS e da esquerda em geral, pois mesmo
quando estavam em maioria na Assembleia da República não havia qualquer
possibilidade de entre os seus componentes se fazer um acordo, por mínimo que
fosse, enquanto a direita sabia superar as suas divergências sempre que se
tratava de exercer o poder, como os vários exemplos de coligações entre o PSD e
o CDS amplamente comprovavam.
Já tivemos oportunidade neste blogue de emitir sobre este
tema a nossa opinião, tentando fazer a demonstração de que o verdadeiro partido
de protesto do xadrez político português é o PS. Um partido de poder e de
protesto que carecia como nenhum outro de uma activíssima base de protesto para
exercer o poder. Assim foi com Soares, com Guterres e com Sócrates. Todos eles,
como primeiros-ministros, tiveram no seio do próprio partido aquela
indispensável componente de protesto que lhes permitia fazer uma política próxima
da direita sem que o partido perdesse por completo a sua matriz de esquerda.
Agora o jogo acabou. A avaliar pelo que se lê nas redes sociais
e principalmente o que se ouve nas antenas abertas das várias estações de radio existe uma
fortíssima componente do eleitorado socialista que não compreenderá que na
presente conjuntura se entregue o poder à direita, havendo à esquerda
quem esteja na disposição de aceitar a formação de um governo PS e esteja
preparado para negociar o apoio parlamentar de que esse governo necessita.
Não se trata de uma coligação negativa destinada a derrubar e
a derrotar os propósitos de Cavaco, Passos e Portas, trata-se de muito mais do
que isso: da formação de um governo que dê tradução política a esse imenso
clamor que de norte a sul do país exige o fim das políticas de austeridade.
O Governo PS pode assentar num acordo mínimo, porém
indispensável para responder ao voto popular. O PS não deveria seguir a
orientação de um sector influente da sua estrutura dirigente ou, mais
correctamente, de alguns “notáveis” sem se certificar previamente da vontade do
seu eleitorado.
E ter em conta que a direita, perfidamente, pretende o seu
apoio não apenas para poder governar, como é óbvio, mas acima de tudo para o
liquidar o PS como partido de Governo. Será sempre mais fácil à direita, pensa
ela, ter como principal adversário um Syriza à portuguesa do que um PS que
possa resvalar para a esquerda, por pouco que seja, pela muito maior facilidade
que terá de esgrimir contra aquele partido ou aquelas forças políticas a legião
de todos os seus conhecidos espantalhos.
O PS joga de facto o seu futuro nas consequências destas
eleições. Qualquer tentativa de buscar numa situação do passado analogias com a situação presente é irrealista e não corresponde ao verdadeiro
significado dos resultados eleitorais no específico contexto em que os mesmos
ocorreram.
É claro que o PS para governar terá de pôr de parte algumas
das medidas previstas no seu programa, absolutamente inaceitáveis, como o "despedimento conciliatório" (isto é, sem intervenção dos tribunais); a diminuição
da contribuição dos trabalhadores para a segurança social e o famigerado
congelamento das pensões.
Por seu turno, os partidos que estão disponíveis para
viabilizar um governo PS não podem deixar de ter em conta que se está numa
situação sob muitos aspectos semelhante à que se vivia antes do 25 de Abril.
Por um lado, a completa ausência de alternativa, que pura e
simplesmente é negada a quem pretenda pôr em causa uma nova política e uma nova
atitude relativamente à UE. Romper com esta impossibilidade já seria uma grande
vitória; depois todos temos de ter presente que somos governados, a começar
pelo Presidente da República e a acabar na composição e chefia do Governo, por
gente que poderia perfeitamente ter desempenhado as mesmas funções que hoje
exerce antes do 25 de Abril. Por outras palavras: estamos numa situação de
emergência nacional a que urge responder com um programa mínimo, porém
realmente alternativo.
Bem se sabe que o PS tem no activo o tal núcleo influente que
entre ir contra as suas concepções ideológicas ou acabar com o partido não
hesitará na sua escolha. Mas é contra esta ameaça que António Costa se tem de revelar
como um líder político à altura das circunstâncias.
António Costa não tem condições nem tempo para adiar a sua
decisão ou esperar que outra oportunidade surja num contexto diferente. Essa
oportunidade ele não a terá. A direita, a ser derrubada, tem de sê-lo agora e
não mais tarde. Se a deixa governar por pouco tempo que seja, e vai ser sempre por
vários meses, ela terá todas as condições para fazer reverter a seu favor o
impasse que mais tarde venha a ser criado com vista à convocação de novas
eleições.
António Costa, como comentador, deu a partir de determinada
altura provas seguras de que havia compreendido e interiorizado todos os
constrangimentos que a politica comunitária, nomeadamente a política monetária,
cria aos países periféricos, e da necessidade de a alterar. Lutar isoladamente contra
essa política conduz como bem se sabe ao insucesso, a menos que se esteja
disposto a arcar com todas as consequências de um rompimento. A partir de
Janeiro do próximo ano, os países periféricos, a Grécia, Portugal e a Espanha, estarão
certamente em condições de conduzir uma luta conjunta, que ficará muito enfraquecida
se o nosso Governo estiver nas mãos da direita. Esta situação não se repetirá
nos tempos mais próximos.
Por outro lado, parece cada vez mais evidente que a luta
pelas presidenciais dificilmente poderá ser ganha. A ausência de um candidato
de consenso escolhido com antecedência pelos partidos de esquerda pode ter sido
fatal para quem aspirava substituir a direita em Belém. Portanto, o mais
provável é que a direita continue em Belém, porventura menos possidónia, mais
divertida, mas igualmente perversa e sem hesitações nas escolhas fundamentais.
Que ninguém tenha ilusões: com a direita em Belém o Governo do PSD/CDS não será
substituído por outro formado no mesmo quadro parlamentar em que este tiver
sido constituído. Com a direita em Belém, a Assembleia da República será dissolvida
na altura que melhor possa garantir uma vitória da direita.
Deixar criar uma situação que assente na constituição de um
governo de direita é deitar tudo a perder e é também pôr em causa o futuro do Partido Socialista. Aos socialistas, a António Costa, cabe decidir.