segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A DÍVIDA, O DÉFICE E OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS



UM EXEMPLO QUE NÃO PODE SER ESQUECIDO

As medidas anunciadas pelo Governo para combater o défice e, por essa via, recuperar a confiança dos credores, atingem brutalmente os funcionários públicos. São medidas violentas e tanto mais inaceitáveis por os atingirem discriminatoriamente pelo lado da despesa.
Como se sabe, há sempre duas formas de equilibrar as contas, que tanto podem ser usadas isoladamente como conjuntamente, a saber: aumentando as receitas ou diminuindo as despesas, ou, simultaneamente, diminuindo umas e aumentando outras.
O Governo ao “cortar” nos vencimentos dos funcionários públicos acima dos 1500 euros optou claramente por uma via discriminatória, já que só eles – e os reformados da CGA, isentos, e mais ninguém – podem, por esta via, contribuir para a redução da despesa pública.
E a questão que necessariamente tem de se pôr é a seguinte: que justificação, no plano da justiça material e até da justiça formal (princípio da igualdade), pode fundamentar esta decisão? Nenhuma. Só mesmo a demagogia de quem está disposto, consciente ou inconscientemente, a ir ao encontro da “diabolização” do Estado, vendo nos seus agentes os responsáveis da desgraça a que se chegou, pode enveredar por tal política.
Se o Governo pretendia seguir uma política de penalizar os rendimentos do trabalho dependente, então o caminho que deveria ter seguido seria a de criar um imposto excepcional e temporário incidente sobre todos o rendimentos de trabalho por conta de outrem, acima de certo montante. Se tivesse seguido este caminho, o Governo respeitaria o princípio da igualdade e alcançaria, pela via da receita, uma solução financeiramente idêntica.
O Governo não o faz porque despreza e subestima o trabalho da função pública. Neste plano não há qualquer diferença entre este Governo e o Governo que o antecedeu ou que lhe possa suceder, do PSD/CDS. São iguais. Para ambos, o funcionário público é um estorvo, que ora perturba o fluir normal das decisões que querem pôr em prática, ora impede a colocação de boys, super boys e pequenos boys em lugares reclamados pelas suas clientelas.
Mas esta é também uma grande lição que os funcionários públicos não podem deixar de aprender. E a lição é a seguinte: os funcionários públicos são funcionários do Estado, não deste ou daquele Governo. Devem lealdade ao Estado e não a quem transitoriamente gere os negócios do Estado. A estes apenas devem profissionalismo, imparcialidade e moralidade. Com a experiência, os funcionários públicos têm obrigação de saber que o grande inimigo do Estado tem sido o Governo, este ou qualquer outro. E é obrigação do funcionário defender o Estado contra o Governo, sempre que este delapida o património público ou gere os negócios públicos sem respeito pelas regras aplicáveis a quem gere bens alheios.
De facto, os funcionários públicos têm algumas vezes um papel importante na formação da decisão e têm quase sempre um papel destacado na sua execução. Se no desempenho destas funções actuarem com coragem e sem medo, principalmente sem receio de contrariar o “chefe”, se puserem de parte a covarde preocupação de agradar a quem manda na esperança de uma recompensa, podem, pela sua acção, contribuir muito para a moralização dos inúmeros negócios que correm os seus termos na burocracia dos ministérios. E, como se vê, serão eles os primeiros a ganhar se tiverem uma actuação corajosa e os primeiros a ser sacrificados se contemporizarem com o despautério governamental!

1 comentário:

Ana Paula Fitas disse...

Caro JMCorreia-Pinto,
Vou fazer link deste e do post sobre a RTP :)
Obrigado.
Abraço.