quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O GRANDE ENIGMA


O ORÇAMENTO COMO DUPLO EMBUSTE

Começando por uma citação de um político justamente admirado em todo o mundo progressista: “Não é possível que a maior economia do mundo, ou as maiores, tanto a europeia quanto a americana, que sabiam tudo quando eram os países pobres que tinham crise, não saibam com resolver a sua própria crise. Se pedissem ajuda, a gente poderia contribuir”.
Lula, como sempre, acerta no alvo. O FMI, o tesouro americano, os lacaios europeus de Bruxelas, teleguiados por Washington, com o apoio de Londres, Bona ou Berlim, e também, embora sempre com o ar de quem está de fora, de Paris, tinham receitas de toda a ordem para resolver a crise russa, a crise asiática, a latino-americana, a africana…e, todavia, não são capazes de resolver a sua própria crise.
Vem tudo isto a propósito do orçamento português, que assenta num duplo embuste, ambos escondendo a única verdade que o rodeia.
Como toda a gente sabe, o orçamento para 2011 é o resultado de uma imposição daquilo a que alguns deputados do PS ao Parlamento Europeu chamam, sem aspas, “o governo económico da União”, que, por seu turno, resulta de um diktat alemão e seus acólitos.
Independentemente de todos os desmandos – e são muitos -, da muita “malandragem” que se esconde por detrás do défice e da dívida – e é muita -, de toda a incompetência com que têm sido geridas a economia e as finanças portuguesas – e é aflitiva –, Portugal, no actual contexto de integração europeia e adesão à moeda única, sempre seria um país endividado e deficitário, sendo o crescimento da dívida uma consequência inevitável da adesão ao euro.
Portanto, o primeiro embuste é representado pela posição do PSD, aprove ele o orçamento ou não, embora seja quase certo que o vai aprovar. Ninguém na comunicação em geral pergunta ao PSD como organizaria ele o orçamento. Contentam-se com vagas referências à diminuição da carga fiscal e aos cortes na despesa, como se tais remédios fossem suficientes para assegurar a todos uma melhor situação e garantir o relançamento da economia portuguesa.
De facto, o problema não está tanto no aumento ou diminuição da receita, nem no aumento ou diminuição da despesa, como em saber sobre quem incidem esses aumentos e essas diminuições. E sobre esse ponto de vista as opções do PSD são claras: pretende a diminuição de impostos naqueles casos em que tais diminuições tendem a favorecer quem tem mais e quer cortes na despesa nos casos em que tais cortes tendem a afectar quem tem menos. O resto é folclore eleitoral.
O mais grave é que o povo português, causticado por um governo que sistematicamente o tem enganado, não vê isto e tende a dar a sua confiança a quem o vai colocar numa situação igual ou pior que a actual.
De pouco adianta o Bloco e o PCP terem apresentado propostas sérias e justas de atenuação do mal dentro do contexto em que estamos inseridos, porque toda a comunicação social está perfidamente orientada para divulgar as pretensas propostas do PSD de recusa do aumento da carga fiscal.
Do CDS não adianta falar, porque Portas, entalado pela actual conjuntura, diz agora o que for necessário dizer. Depois, se for governo, dirá submarinos, sobreiros, Abel Pinheiro, enfim, o que lhe for solicitado pelas suas clientelas.
O segundo grande embuste assenta na propalada ideia de que a redução do défice e da dívida, em três anos, vai contribuir decisivamente para o relançamento da economia portuguesa. É mentira. Não vai! Nenhum orçamento recessivo produz este efeito.
O orçamento que o PSD vai aprovar juntamente com o PS, depois de toda a farsa criada à voltado assunto para fazer crer ao povo português que tem uma política diferente, gerará mais desemprego, mergulhará o pais na recessão e não atenuará num cêntimo que seja o montante da dívida.
Não há historicamente nenhuma dívida pública cujo peso no PIB nacional decresça por esta via. A dívida só diminui com crescimento económico e alguma inflação, acompanhada da correspondente desvalorização moeda.
E aqui é que surge o grande enigma: numa época em que os grandes países mundiais estão seriamente preocupados com a cotação das suas moedas nacionais e da sua valorização relativamente à dos Estados concorrentes, na Europa passa-se exactamente o contrário.
Os Estados Unidos clamam contra o baixo valor do yuan acusando a China de o manter artificialmente baixo, a ponto de o Congresso estar a estudar a aplicação de uma taxa que incida sobre os produtos chineses como forma de compensação; no Brasil, Guido Mantega e o Presidente Lula afirmam que estão atentos à desvalorização do dólar e à subida das importações, garantindo que não assistirão de braços cruzados à valorização do real.
Na Europa do euro passa-se exactamente o contrário. O BCE, às ordens de Berlim – e no futuro próximo ainda estará mais (por isso é que Constâncio para lá foi) – segue uma política ortodoxamente monetarista de controlo da inflação a níveis baixíssimos e defende com todos os meios que tem à sua disposição a valorização do euro. Complemento desta política são as políticas de austeridade impostas aos países financeiramente desequilibrados, obrigando-os a regressar aos limites do PEC em três anos.
Como é que Portugal aceita isto, é fácil de explicar. Basta ouvi-los falar. Como é que a França e a Espanha também aceitam, é que já é mais difícil de compreender.
Zapatero, flagelado por uma crise que o atingiu em cheio como consequência natural da adesão ao euro e do contexto político-económico em que é feita a política monetária, claudicou em toda a linha perante o grande capital e o capital financeiro e especulativo convencido de que se não questionasse os fundamentos daquela política poderia mais facilmente superar a crise. Vai enganar-se como se está a ver, já que nem o desemprego massivo nem a desvalorização dos salários colocarão a Espanha em condições de competir na Europa em condições de igualdade com os países mais ricos.
Mais difícil, muito mais, é encontrar a explicação para a posição da França, completamente colonizada pelas imposições da Alemanha. Felizmente que o povo francês está dando nas ruas a resposta que os seus (ir)responsáveis políticos não são capazes de defender no local próprio.
O mais absurdo de tudo isto é que esta política, a prazo (não muito longínquo), também será prejudicial à Alemanha. A prazo. Não imediatamente, pois como aqui já dissemos noutras ocasiões, a quota de mercado que a Alemanha perdeu com os seus parceiros extra-europeus compensou-a com o aumento das exportações para os parceiros europeus, nomeadamente os países do sul.
Acontece que no quadro da zona euro enquanto os países do sul têm a moeda sobrevalorizada numa percentagem superior a 20%, embora variável de país para país, a Alemanha tem a moeda subvalorizada em cerca de 13%. Portanto, a vida corre-lhe bem…O povo alemão, o tal povo que preza a obediência e o sentido comunitário, aceita pacificamente a redução da procura interna e a contracção salarial, em nome dos interesses do grande capital e do capital financeiro, mesmo que, a prazo, insisto, esta política lhe seja prejudicial.
Não seria porém a primeira vez que nos últimos cem anos veríamos a Alemanha a caminhar irracionalmente para o abismo em nome de uma vantagem fugaz tida por duradoira…

3 comentários:

nanda disse...

... só está a faltar aqui um pequeno grande pormenor, a Alemanha está a aumentar vertiginosamente as exportações para o Brasil ...

JM Correia Pinto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JM Correia Pinto disse...

Veremos se a tendência se confirma, embora seja natural que uma grande economia emergente como a do Brasil nesta fase de desenvolvimento necessite muito de certas exportações alemãs. Todavia, as medidas que estão a ser tomadas de não valorização do real(aummento do IOF -imposto sobre operações finaneiras - tanto sobre os investimentos de rendimento fixo como sobre as garantias bancárias exigidas no mercado de futuros) acabe por ter efeitos já a curto prazo.
CP