ESTE GOVERNO TEM DE SER DERRUBADO
É isso mesmo. Este Governo tem de ser derrubado. Objectivamente vão-se criando as condições para que Portugal inicie um novo rumo. Um rumo inovador e regenerador. Um rumo que constitua um exemplo para todos aqueles que na Europa estão sofrendo um ataque sem precedentes aos rendimentos do seu trabalho. Um ataque que tem por único objectivo consolidar o capital e transformá-lo no pólo aglutinador de toda a riqueza nacional.
O Governo, este Governo, mais que qualquer outro na história contemporânea de Portugal, está empenhado numa transferência gigantesca de riqueza dos mais pobres e da classe média para o grande capital.
O Governo ataca impiedosamente os rendimentos do trabalho, como se viu com o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal, e como se está ver com o aumento generalizado e insuportável dos preços dos bens essenciais, a começar pelos transportes.
Por outro lado, dá ou vende ou vai vender a preços de saldo património público do domínio empresarial. O governo prepara-se para transformar serviços públicos essenciais – serviços que apenas assumiram a forma empresarial por comodidade de gestão – em fonte de lucros privados.
Vai ser assim nos transportes e nas infra-estruturas aeroportuárias, ferroviárias e energéticas. Será assim também no domínio da água – um verdadeiro crime! – e das comunicações postais, um dos mais velhos serviços públicos do Estado moderno.
Coveiros do interesse nacional, serventuários do capital privado e servos voluntariamente subservientes de interesses estrangeiros preparam-se para humilhar um país com quase nove séculos de história!
Entre muitos outros que se poderiam mencionar, o exemplo dos transportes públicos é elucidativo. O governo anunciou um aumento extraordinário do preço dos transportes, alegando prejuízos acumulados ao longo dos anos.
Toda a gente sabe que, para além dos graves erros de gestão cometidos pelas clientelas partidárias que frequentam os altos lugares das respectivas empresas – algumas há décadas! -, tais prejuízos resultam de os sucessivos governos terem omitido, também durante décadas, o cumprimento do dever de as compensar financeiramente pela natureza do serviço público que prestavam. Portanto, um serviço desta natureza, qualquer que seja a forma como juridicamente se organiza, embora tenha em qualquer caso de ser bem gerido, não tem necessariamente de dar lucro ou deve mesmo não dar lucro. O preço do serviço que por meio dele é prestado deve ser socialmente sensível a interesses de múltipla natureza e o seu défice compensado preferencialmente por receitas patrimoniais de outras áreas onde seja razoável ou até exigível obter lucros.
Como o Estado se privou destas áreas para as entregar ao capital privado, ou se prepara para se privar das poucas que lhe restam, entende que as tais outras de natureza deficitária devem passar a bastar-se a si próprias. Fá-lo porém através do processo mais perverso e pérfido que imaginar se possa: primeiro anuncia um aumento colossal das tarifas (a que outros se seguirão, como se verá) para, por via dele, absorver o prejuízo do próximo exercício e depois prepara-se para absorver o passivo acumulado à custa dos contribuintes, o mesmo é dizer à custa essencialmente dos rendimentos (médios e baixos) do trabalho, para em seguida as “vender” aos privados, sempre a preços de saldo, em condições de exploração atractivas.
O passivo das empresas a privatizar será assim pago indirectamente pelos utentes e directamente, na parte restante, pelos contribuintes. Ou seja, os utentes dos transportes públicos, que são em princípio os que não têm meios para utilizar o transporte privado ou os que os frequentam por civismo, pagarão a dois títulos aquela amortização, assim se “premiando” quem tem menos recursos ou foi sensível ao apelo cívico de utilização dos transportes colectivos.
Este é apenas um exemplo, um vergonhoso exemplo, entre muitos outros, de transferência dos recursos colectivos para o capital privado. É esta mesma lógica de actuação que explica a espoliação do património público no vergonhoso acto da eliminação pura e simples das “golden shares” a troco de nada!
E como se justifica tudo isto? Que roupagens ideológicas usam os autores de tais façanhas para fazer passar como normal uma situação que ainda há bem pouco tempo não resistiria a uma reflexão ligeira? Em primeiro lugar, a hegemonia ideológica de que aqui tantas vezes se tem falado das “modernas” correntes de direita – o velho liberalismo exacerbado pelas correntes neoliberais – e depois a crise.
A crise, a tal crise, a que ainda há escassos meses Cavaco, o governador do Banco de Portugal e o PSD nas suas variadas facetas sempre imputaram a factores especificamente nacionais e para cujo agravamento encontram agora factores externos relevantes, a ponto de deixarem mais ou menos implícito um clima de conspiração como o responsável pelas múltiplas medidas de assalto aos bolsos do povo que vive do seu trabalho.
Cavaco que, a propósito dos sofrimentos do povo e para melhor poder atacar o anterior governo, ia chorando lágrimas que hoje qualquer crocodilo identificaria como suas, é agora o primeiro a calar-se perante o que se está a passar ou, quando fala, é para exibir com orgulho a co-autoria do que se está decidindo.
Apesar do que se decidiu em Bruxelas – e em Bruxelas apenas se decidiu que o euro não acaba na próxima semana -, a situação portuguesa continua num beco sem saída, porque não há saída possível para uma crise desta dimensão através de políticas recorrentemente recessivas. O tal “Plano Marshal” que demagogicamente foi referido como uma das medidas de relançamento do crescimento não passa de mais uma daquelas “balelas” em que o jargão comunitário é fértil.
E que ninguém se iluda: a descida (mínima) da taxa de juro que se verificou é meramente conjuntural. Já vimos “este filme” o ano passado…
Por isso se reitera a ideia de que, por via das políticas que têm sido postas em prática nos últimos anos e que o actual Governo nos escassos dias de vida que leva tanto tem brutalmente agravado, se vão consolidando as condições objectivamente necessárias para que algo de muito importante possa acontecer em Portugal. Não é certamente para amanhã, mas quando as pessoas se forem gradualmente convencendo do que representa o caminho seguido, do que ele tem de falso relativamente às promessas feitas e o grande objectivo das sucessivas e graves injustiças que têm sido cometidas, quando isso se tornar mais ou menos evidente para a generalidade das consciências estarão criadas as condições para que isto leve uma grande volta.