domingo, 24 de julho de 2011

O ASSALTO CONTINUA

ESTE GOVERNO TEM DE SER DERRUBADO




É isso mesmo. Este Governo tem de ser derrubado. Objectivamente vão-se criando as condições para que Portugal inicie um novo rumo. Um rumo inovador e regenerador. Um rumo que constitua um exemplo para todos aqueles que na Europa estão sofrendo um ataque sem precedentes aos rendimentos do seu trabalho. Um ataque que tem por único objectivo consolidar o capital e transformá-lo no pólo aglutinador de toda a riqueza nacional.

O Governo, este Governo, mais que qualquer outro na história contemporânea de Portugal, está empenhado numa transferência gigantesca de riqueza dos mais pobres e da classe média para o grande capital.

O Governo ataca impiedosamente os rendimentos do trabalho, como se viu com o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal, e como se está ver com o aumento generalizado e insuportável dos preços dos bens essenciais, a começar pelos transportes.

Por outro lado, dá ou vende ou vai vender a preços de saldo património público do domínio empresarial. O governo prepara-se para transformar serviços públicos essenciais – serviços que apenas assumiram a forma empresarial por comodidade de gestão – em fonte de lucros privados.

Vai ser assim nos transportes e nas infra-estruturas aeroportuárias, ferroviárias e energéticas. Será assim também no domínio da água – um verdadeiro crime! – e das comunicações postais, um dos mais velhos serviços públicos do Estado moderno.

Coveiros do interesse nacional, serventuários do capital privado e servos voluntariamente subservientes de interesses estrangeiros preparam-se para humilhar um país com quase nove séculos de história!

Entre muitos outros que se poderiam mencionar, o exemplo dos transportes públicos é elucidativo. O governo anunciou um aumento extraordinário do preço dos transportes, alegando prejuízos acumulados ao longo dos anos.

Toda a gente sabe que, para além dos graves erros de gestão cometidos pelas clientelas partidárias que frequentam os altos lugares das respectivas empresas – algumas há décadas! -, tais prejuízos resultam de os sucessivos governos terem omitido, também durante décadas, o cumprimento do dever de as compensar financeiramente pela natureza do serviço público que prestavam.  Portanto, um serviço desta natureza, qualquer que seja a forma como juridicamente se organiza, embora tenha em qualquer caso de ser bem gerido, não tem necessariamente de dar lucro ou deve mesmo não dar lucro. O preço do serviço que por meio dele é prestado deve ser socialmente sensível a interesses de múltipla natureza e o seu défice compensado preferencialmente por receitas patrimoniais de outras áreas onde seja razoável ou até exigível obter lucros.

Como o Estado se privou destas áreas para as entregar ao capital privado, ou se prepara para se privar das poucas que lhe restam, entende que as tais outras de natureza deficitária devem passar a bastar-se a si próprias. Fá-lo porém através do processo mais perverso e pérfido que imaginar se possa: primeiro anuncia um aumento colossal das tarifas (a que outros se seguirão, como se verá) para, por via dele, absorver o prejuízo do próximo exercício e depois prepara-se para absorver o passivo acumulado à custa dos contribuintes, o mesmo é dizer à custa essencialmente dos rendimentos (médios e baixos) do trabalho, para em seguida as “vender” aos privados, sempre a preços de saldo,  em condições de exploração atractivas.

O passivo das empresas a privatizar será assim pago indirectamente pelos utentes e directamente, na parte restante, pelos contribuintes. Ou seja, os utentes dos transportes públicos, que são em princípio os que não têm meios para utilizar o transporte privado ou os que os frequentam por civismo, pagarão a dois títulos aquela amortização, assim se “premiando” quem tem menos recursos ou foi sensível ao apelo cívico de utilização dos transportes colectivos.

Este é apenas um exemplo, um vergonhoso exemplo, entre muitos outros, de transferência dos recursos colectivos para o capital privado. É esta mesma lógica de actuação que explica a espoliação do património público no vergonhoso acto da eliminação pura e simples das “golden shares” a troco de nada!

E como se justifica tudo isto? Que roupagens ideológicas usam os autores de tais façanhas para fazer passar como normal uma situação que ainda há bem pouco tempo não resistiria a uma reflexão ligeira? Em primeiro lugar, a hegemonia ideológica de que aqui tantas vezes se tem falado das “modernas” correntes de direita – o velho liberalismo exacerbado pelas correntes neoliberais – e depois a crise.

A crise, a tal crise, a que ainda há escassos meses Cavaco, o governador do Banco de Portugal e o PSD nas suas variadas facetas sempre imputaram a factores especificamente nacionais e para cujo agravamento encontram agora factores externos relevantes, a ponto de deixarem mais ou menos implícito um clima de conspiração como o responsável pelas múltiplas medidas de assalto aos bolsos do povo que vive do seu trabalho.

Cavaco que, a propósito dos sofrimentos do povo e para melhor poder atacar o anterior governo, ia chorando lágrimas que hoje qualquer crocodilo identificaria como suas, é agora o primeiro a calar-se perante o que se está a passar ou, quando fala, é para exibir com orgulho a co-autoria do que se está decidindo.

Apesar do que se decidiu em Bruxelas – e em Bruxelas apenas se decidiu que o euro não acaba na próxima semana -, a situação portuguesa continua num beco sem saída, porque não há saída possível para uma crise desta dimensão através de políticas recorrentemente recessivas. O tal “Plano Marshal” que demagogicamente foi referido como uma das medidas de relançamento do crescimento não passa de mais uma daquelas “balelas” em que o jargão comunitário é fértil.

E que ninguém se iluda: a descida (mínima) da taxa de juro que se verificou é meramente conjuntural. Já vimos “este filme” o ano passado…

Por isso se reitera a ideia de que, por via das políticas que têm sido postas em prática nos últimos anos e que o actual Governo nos escassos dias de vida que leva tanto tem brutalmente agravado, se vão consolidando as condições objectivamente necessárias para que algo de muito importante possa acontecer em Portugal. Não é certamente para amanhã, mas quando as pessoas se forem gradualmente convencendo do que representa o caminho seguido, do que ele tem de falso relativamente às promessas feitas e o grande objectivo das sucessivas e graves injustiças que têm sido cometidas, quando isso se tornar mais ou menos evidente para a generalidade das consciências estarão criadas as condições para que isto leve uma grande volta.   

terça-feira, 19 de julho de 2011

DA CRISE DO EURO À CRISE DAS PROPOSTAS

A PROPÓSITO DAS "REIVINDICAÇÕES" DE CAVACO

1 - Cavaco agora até já acha que o euro deveria ser desvalorizado e Cadilhe também é de opinião que o nosso problema não pode ser resolvido apenas internamente. Já Assis, fiel a uma certa concepção de Europa que os factos diariamente desmentem, advoga um euro forte…que é disso que a Europa precisa: uma moeda forte!

Um pouco por todo o lado, principalmente nos sectores mais à direita, começa a fazer-se a crítica, para já muito incipiente, à zona euro, embora as coisas sejam ditas com aquele ar de quem está a revelar uma verdade que ninguém antes tinha alcançado.

De Duque a Cavaco, passando por Cantigas, este ainda reticente, está em preparação um novo discurso: nós fizemos, ou estamos dispostos a fazer, tudo o que nos foi exigido. E, todavia, estamos pior do que quando começámos. Logo, a culpa não é nossa. E como só eles (os grandes) têm poder para alterar o rumo das coisas, a responsabilidade deve ser-lhes imputada e não a nós.

Dito assim ou de outro modo, a direita começa a perceber que a situação não tem saída. Ou seja, vai gradualmente oficializando um discurso diametralmente oposto àquele que a levou ao poder. Já o PS, a avaliar pelo que diz Assis, continua muito ligado a uma ideia idílica de Europa e de moeda comum como algo que encerra em si virtudes que só não podem conjunturalmente concretizar-se por falta de liderança política e por a dita moeda estar a ser vítima de ataques traiçoeiros para os quais ainda não foi ainda encontrada a resposta adequada.

Nem sequer o facto de o discurso de Cavaco ter sofrido uma rotação de 180 graus (apenas comparável à de Macário nas portagens) alerta Assis para a ingenuidade de muitas das posições que defende. É quase sempre assim: Assis fala muito, mas nem sempre pensa em conformidade.

2 – A reivindicação de Cavaco, de um euro mais fraco, merece ser analisada, principalmente por vir de um político com provas dadas. Ou seja, de um político que tem sabido manter-se no poder há décadas. Apesar de ser nitidamente uma declaração de natureza política, a análise que dela se fizer terá de envolver alguns juízos de política económica e monetária.

Poder desvalorizar a moeda ou ter uma moeda artificialmente mais baixa que a real cotação do mercado pode trazer, como se sabe, algumas vantagens imediatas. Em princípio, ganha-se competitividade no mercado internacional e por isso vende-se mais; em contra-partida compra-se menos, porque os produtos estrangeiros ficam mais caros. Recebe-se mais e gasta-se menos. Teoricamente, ganha-se dos dois lados, embora haja, para qualquer país, um conjunto de bens que, tendo de ser adquiridos no estrangeiro, ficam tanto mais caros quanto menos valor tiver a moeda do país que os compra.

Quando se fala, a propósito de um “país intervencionado”, nos constrangimentos da zona euro, e se refere, a título de exemplo, a impossibilidade de esse país poder utilizar a desvalorização da moeda como arma para aumentar as exportações, relançando, por via delas, o crescimento, está-se a fazer um juízo pouco claro na medida em que se homogeneíza realidades distintas. Por um lado, pressupõe-se que o país em questão tem uma moeda própria; e, por outro, desvaloriza-se completamente o facto de essa moeda ser comum a vários outros países, todos eles integrados num grande espaço económico, onde pessoas, mercadorias e capitais podem circular livremente.

Daqui resulta, que nestas condições, a desvalorização da moeda comum pode não ter os mesmos efeitos para todos: uns podem tirar disso vantagem e outros, desvantagens. Tudo depende do destino das exportações de cada país e da natureza e quantidade de bens que adquirem fora daquele espaço.

Se, por exemplo, um país tem a maioria das suas exportações de bens e serviços direccionadas para a zona económica a que pertence, e, por outro lado, importa, em dólares, a maioria, ou parte significativa, dos bens imprescindíveis de países exteriores àquela zona, a desvalorização do euro só seria vantajosa, se o que perde nas importações, fosse mais que compensado pelo aumento das suas vendas para fora da zona euro. Nas demais hipóteses, a desvalorização do euro prejudicá-lo-ia.

No caso de Portugal, como a maior parte das suas exportações tem como destino a zona euro, a desvalorização do euro só seria vantajosa se ela se traduzisse num aumento substancial das exportações para fora da zona euro e, simultaneamente, houvesse uma queda das importações (ou o correspondente a importações) exteriores à zona euro, umas e outras susceptíveis de compensar o que se iria pagar a mais pelas importações imprescindíveis provenientes do exterior da zona euro, como, por exemplo, as relativas a cereais e bens energéticos.

Não se sabe se a reivindicação de Cavaco tem por base uma simples intuição política, e desse pressuposto se partiu, ou se pretende ser mais do que isso. Se não for esse o caso, mas antes se tratar de uma “tirada económica do Mestre de Finanças”, então há todas as razões para não a levar a sério, já que o mais provável é que o seu autor não tenha entrado em linha de conta com os múltiplos factores relevantes para o efeito em vista.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

O “DESVIO COLOSSAL” E A POLÍTICA DO “BOM ALUNO”




OU A IRRESPONSABILIDADE DE PASSOS COELHO

Os gregos são os únicos que não podem dizer: “Nós não somos a Grécia!”. Mas foi exactamente por terem actuado como está a actuar Passos Coelho que eles chegaram onde estão. De facto, os que agora lá governam a primeira coisa que fizeram mal lá chegaram foi acusar os que de lá tinham saído. E o resultado viu-se: a situação ainda ficou pior do que dantes.

Esta conversa de Passos Coelho, sobre o “desvio colossal”, além de ser completamente irresponsável, é um eloquente exemplo da execrável política do “bom aluno”.

A política do “bom aluno”, se bem se lembram, começou com Cavaco na legislatura posterior à adesão à CEE. O “bom aluno”, no entendimento político que lhe foi dado, era aquele que acolhia com subserviência o ensinamento dos mestres, cuja lição procurava reproduzir, imitando-os. Era o aluno “bem-comportadinho” que fazia os devereszinhos segundo a ordem que lhe foi recomendada mal transpunha a porta de casa, que na aula estava sempre com o dedinho no ar para impressionar o professor e reproduzir uma banalidade caso fosse interrogado e que, além do mais, acusava os colegas mal-comportados por não o deixavam seguir com atenção a lição do mestre.

No fim tinha catorze, numa escala de zero a vinte, porventura quinze lá mais para o fim do curso para premiar o esforço.

É obvio que só mesmo quem nunca foi bom aluno pode ter do bom aluno esta ideia tão estúpida a ponto de a querer reproduzir como modelo de acção política. De facto, o bom aluno, o aluno ciente das suas capacidades, não reverencia os mestres, nem lhes dá graxa. Confia nas suas capacidades sem necessidade de imitações e mantém as distâncias, até porque está convencido que é melhor do que a maior parte deles. Estuda, tenta inovar, polemiza e confia no seu saber, certo de que essa será sempre a bitola que em última instância ditará a sua avaliação.

Mas como bom aluno não é quem quer, nada mais natural que as imitações redundem num fracasso. Esta tolice de tentar impressionar Bruxelas e os “mercados”, com licença do pleonasmo, dando mais do que aquilo que eles pediram e insinuando revelar o que eles não descobriram, acaba por se virar contra o “delator”.
Exactamente por isso é que se assistiu hoje a esse facto inédito nos anais da política caseira de o Ministro das Finanças vir interpretar com efeitos retractivos as declarações do Primeiro Ministro. O contrário é normal. Acontece por vezes o primeiro ministro ter de corrigir as declarações de um ministro menos experiente e, por uma questão de delicadeza, fá-lo normalmente sob a forma de interpretação. Mas essa de o PM ser interpretado correctivamente por um ministro é que é uma novidade digna de nota!








terça-feira, 12 de julho de 2011

A ENTREVISTA DE BARROSO À RTP

DUAS NOTAS



É uma entrevista em que o entrevistado tem a preocupação de ser politicamente correcto, tanto do ponto de vista dos assuntos europeus, como dos especificamente portugueses. E Barroso até costuma fazer bem isso, usando a muita experiência que tem e a inteligência política que se lhe reconhece.

Mas há um pormenor: as respostas politicamente correctas não podem assentar em erros de análise. Quando Barroso diz: “Portugal tem de fazer o que lhe compete; não pode desculpar-se com terceiros; nem esperar que de fora lhe resolvam ou ajudem a resolver problemas que são seus”, simplifica o que é muito mais complexo. E as simplificações não ajudam a resolver nenhum problema.

Aparentemente não há afirmação politicamente mais correcta do que aquela. Só que, pelo menos desde Galileu, devemos desconfiar do que é evidente ou, como dizia Gedeão, homenageando Galileu, “da inteligência que Deus nos deu”. E de facto, esta afirmação não tem hoje o mesmo valor que tinha há cem anos ou sequer há cinquenta. Então, embora não fosse completamente verdadeira, ainda tinha um grande fundo de verdade. Hoje ela é tendencialmente falsa. Portugal age dentro de um contexto constituído pela acção de múltiplos actores, cujas decisões não domina, e que determinam consequências que inelutavelmente se reflectem na sua situação económico-financeira. Que sentido tem para Portugal empreender uma acção com vista a certos objectivos, se as consequências dessa acção são permanentemente alteradas pelas sucessivas mutações do contexto em que está inserido?

Portanto, hoje a verdade é exactamente a oposta: primeiro altere-se o contexto de acordo com os interesses concordantes de todos os que dele fazem parte e depois exija-se a cada um o que lhe compete.

Enquanto estas duas questões tiverem a ordem invertida, como actualmente tem, a crise só poderá agravar-se. E vai agravar-se relativamente a todos e não apenas em relação àqueles que agora já estão em grandes dificuldades.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

“AS VIRTUDES” DE CAVACO

A PROPÓSITO DE RECENTES INTERVENÇÕES


 Quando se recandidatou a Presidente da República, Cavaco Silva apresentou um “cardápio” de virtudes, de que se auto-intitulou portador, dificilmente igualáveis por qualquer adversário que com ele quisesse concorrer.
Se para a esquerda não havia qualquer ilusão sobre a personalidade política de Cavaco Silva, um dos grandes responsáveis pela difícil situação que o país atravessa, para outros, menos conhecedora dos meandros da “coisa política” ou apoiantes de políticas de direita, Cavaco aparecia como uma referência de estabilidade, de relativa independência e até de segurança face a uma crise que a cada dia se apresentava mais difícil de superar.
Não foi, porém, necessário esperar muito tempo para se perceber que o apoio a Cavaco estava circunscrito ao seu núcleo mais fiel e que a provável vitória que se antevia resultava mais da inexistência de um candidato congregador de todos os votos de esquerda e de centro-esquerda do que propriamente dos méritos do candidato de direita.
A maioria absoluta de Sócrates na sua primeira legislatura não deixava a Cavaco muita margem de manobra se queria, como queria, assegurar sem riscos a reeleição. Só mesmo quando a “estrela” de Sócrates começou a empalidecer entre a legião dos seus inúmeros fiéis, é que Cavaco, agastado com a questão dos Estatutos dos Açores, resolveu, em parceria com o director do Público e o seu assessor de imprensa, lançar um ataque tão mal urdido quanto incompetentemente gerido nos seus desenvolvimentos a propósito de umas pretensas escutas de que Belém estaria sendo alvo.
Faltou então a Sócrates a verdadeira compreensão do momento político que se estava a viver e a audácia para lançar um contra-ataque demolidor contra Cavaco, porventura convencido de que essa não era uma batalha pela qual valesse a pena terçar armas. Hoje percebe-se que esse foi um dos grandes erros políticos de Sócrates e o seu declínio perante o eleitorado que o elegeu começa exactamente por ter deixado Cavaco “impune” depois do “episódio das escutas”.
Cavaco aguentou calado e recuperou o suficiente para ser reeleito e depois derrubar Sócrates. De facto, nunca mais a partir de então deixou Cavaco de dificultar a vida ao governo, tanto pelos seus silêncios como pelas palavras contundentes com que ia demolindo a sua acção. Já com o país a braços com dificuldades financeiras quase insuperáveis, enquanto Sócrates esbracejava para adiar o inevitável na esperança de que algo pudesse acontecer para o salvar, Cavaco ia-lhe dando sucessivas amonas, certo de que se tratava de um náufrago que não valia a pena socorrer – uma espécie de eutanásia política que a salus populi justificava.
São deste período as sucessivas declarações de Cavaco sobre o papel meramente constatador, se não mesmo regenerador, dos “mercados” e das “agências de rating”, bem como as pretensas análises sobre a situação explosiva do país e a incapacidade de o povo suportar mais sacrifícios.
O ponto alto desta escalada, a verdadeira luz verde dada ao PSD para o derrube do governo na próxima oportunidade, coincidiu com o discurso de investidura do segundo mandato presidencial em que traçou um quadro quase apocalíptico da situação do país e manteve um tom muito próximo das intervenções ressentidas com que tinha assinalado a vitória eleitoral.
O governo acabou por cair e Cavaco acreditou que, sob o seu alto patrocínio, a União Europeia, os mercados, as agências de rating e outras forças cuja composição e objectivos Cavaco ainda não compreendeu iriam tecer louvores ao novo quadro político e à força regeneradora que ele inspiraria.
Daí os ataques às agências de rating - antes tão elogiadas pela corajosa acção avaliadora que exerciam e pelo papel salutar que desempenhavam relativamente às economias doentes - quando estas contrariamente ao esperado não reviram o seu parecer para melhorar a avaliação do país mas antes o agravaram para níveis nunca antes sonhados.
Cavaco é um político profissional. No fim do mandato em curso somará quase trinta anos de vida política activa e, pelo menos, mais dez de actuação nos bastidores preparando a reentrada em cena.
Desta longa experiência resulta haver coisas que Cavaco faz muito bem e outras em que pouco ou nada progrediu.
Cavaco não compreendeu como político – nem adianta falar como economista, já que isso seria normal – as consequências da adesão de Portugal ao SME como caminho de preparação para adesão ao euro, apesar de, pouco depois daquela decisão, no seu segundo mandato como PM, ter tido um sério aviso que durou cerca de três anos, do que poderia acontecer, mas que ele por erro de análise imputou exclusivamente à reunificação alemã. Ainda como político, não teve a capacidade suficiente para antever como funcionaria uma moeda única num amplo mercado livre, constituído por economias muito desiguais e assimétricas, nem as consequências que inevitavelmente a prazo essa mesma moeda produziria. Pelo contrário, entendeu, como tantos outros, que uma moeda única partilhada com economias tão poderosas como a alemã seria uma fonte de prosperidade e de riqueza para todos. Depois do mercado único…a moeda única! Não compreendeu, finalmente, a dinâmica das dívidas contraídas pelos países menos competitivos (é falso ou, pelo menos, incorrecto, falar-se apenas em dívidas soberanas, porque a dívida é pública e privada, sendo esta muito mais pesada que a primeira e, nalguns casos, resultando a pública exclusivamente da privada, directa ou indirectamente) nem a inevitabilidade do seu agravamento sob pena de as respectivas economias deixarem de funcionar.
E, por tudo isso, não deixa de ser ironicamente dramático que agora venha a apelar à reconstituição do aparelho produtivo, quando, com a “política do bom aluno”, ajudou a destruí-lo na agricultura, nas pescas, na agro-indústria e na indústria em geral. Então, para sermos “modernos” tínhamos que viver dos serviços…e do inevitável betão. Agora, temos de regressar à “lavoura”!
Os fundos comunitários que durante os mandatos de Cavaco entraram em catadupa num país atrasado como Portugal, a queda abrupta do preço da energia, os juros baixos e a consequente diminuição do serviço da dívida obnubilaram a visão política de Cavaco sobre o que se estava a passar e sobre as suas mais que previsíveis consequências. E essa obnubilação, infelizmente, perdura até hoje nas mentes “cavaquistas” que continuam convencidas de que é possível regressar a uma “prosperidade” que mais não foi do que o prelúdio da nossa nova pobreza!
É esta incapacidade de analisar o que se passa que o leva hoje a atacar as agências de rating, por serem americanas, como se a questão das agências de rating dependesse mais da sua “nacionalidade” do que dos grandes interesses a que estão ligadas independentemente da “nacionalidade” desses interesses. E é essa mesma atitude que o leva a calar a subida da taxa de juro decidida pelo BCE, em homenagem a interesses hegemónicos, com profundo desprezo pela situação das economias (e das pessoas que sofrem com isso) periféricas, a pretexto de que tem de combater a inflação que nenhum estudo sério admite possa constituir uma ameaça ou sequer uma preocupação. Isto para não falar do “programa da troika” e da inviabilidade de por seu intermédio se chegar a uma solução credível.
Em contrapartida, há coisas que Cavaco faz bem feitas, mesmo muito bem feitas. De outro modo resultaria incompreensível tanto tempo de poder efectivo.
Cavaco conhece muito melhor do que se supõe as características do povo português. Sabe manter o hieratismo do poder; sabe fingir que não é político; sabe atacar com muita eficácia os adversários políticos; sabe cultivar o desprendimento relativamente aos bens materiais e aos grandes interesses, enfim, sabe fingir, porque sabe bem que a política que hoje se cultiva assenta no fingimento. É certo que tudo isto não passa de um remake. Mas resulta e isso é o que interessa.
   

domingo, 10 de julho de 2011

NOTAS SOLTAS DE FIM-DE-SEMANA

DO REPÚDIO AOS SILÊNCIOS

1 - Depois das múltiplas manifestações de repúdio pelos “conselhos” da Moody’s, quase a lembrar as do antigamente se tivesse havido manifestação convocada para o Terreiro do Paço, toda a gente calou a subida da taxa de juro pelo BCE, decidida em homenagem a interesses hegemónicos, com total desprezo pela situação das economias em crise, a pretexto de que é preciso combater a inflação, que nenhum estudo sério admite possa constituir uma ameaça ou sequer uma preocupação.

Sobre isto ninguém do Governo ou lá próximo disse uma palavra. Tão-pouco Cavaco se pronunciou, apesar de esta decisão indiciar uma das causas da crise da zona euro: um banco central ao serviço da economia dominante, com uma política ortodoxamente monetarista, para o qual o emprego não conta, que não atende à situação das economias periféricas, salvo quando está em jogo o interesse dos grandes.

2 - A EDP é uma das empresas desgraduadas pela Moody’s, certamente por estar muito endividada. Na semana que findou os jornais noticiaram a venda de 12,4% da EDP Brasil, na qual a EDP detinha 64,8% do capital, tendo realizado um encaixe de cerca de 329 milhões de euros.

O que os jornais não dizem é o que vai a EDP fazer com o dinheiro. Vai distribuí-lo pelos accionistas, como fez a PT quando vendeu a participação na Vivo, ou amortizar parte do seu gigantesco passivo? Se optar pela primeira via os prémios do Mexia vão subir em flecha (o tal cumprimento dos objectivos) …

Este é mais um daqueles assuntos sobre os quais ninguém fala. Com coisas graúdas ninguém se mete. O que é importante é “apanhar” a malta que anda a receber subsídio de desemprego sem ter direito a ele…

3 - Cavaco assume cada vez mais o papel de guru do Governo. A tal cooperação activa até já passa por antecipar as medidas que o governo quer tomar para descaracterizar e depois extinguir o Serviço Nacional de Saúde tal como hoje existe. E não há nada mais apelativo do que dizer que quem tem dinheiro deve pagar o serviço prestado. É um princípio que soa bem, nem parece demagógico. Todavia, se o puserem em prática ele será mau para toda a gente menos para aqueles que vão fazer dinheiro, muito dinheiro, com a saúde dos outros.

4 – Para amanhã foi marcada uma reunião de emergência do "núcleo duro" da zona euro. A situação na zona euro está a ficar explosiva. De nada adianta inventar teorias conspirativas (esta é agora a nova estratégia da direita portuguesa) para tentar explicar o que se está a passar.

É mais seguro raciocinar com base nos factos. E os factos mais evidentes são os seguintes: a zona euro foi mal concebida (os pressupostos da sua criação falharam); hoje há interesses muito divergentes dentro da zona euro; quem com ela mais ganhou não está disposto a sacrificar o que quer que seja para assegurar um certo equilíbrio, mesmo que, a prazo, tal sacrifício viesse a ser vantajoso; quem com ela mais perdeu não tem qualquer hipótese de recuperar o que perdeu, nem sequer de se reequilibrar para não continuar a perder; a Europa no seu conjunto está muito endividada em consequência da emergência de países que produzem mais, e mais barato, bens essenciais de que o mundo (Europa incluída) necessita; a América também está muitíssima endividada mas tem, ou pode ter, uma política monetária destinada a servir o conjunto sem discriminações territoriais.

Supor que o capital financeiro tem uma estratégia de médio ou longo prazo, para além daquela que em teoria lhe garanta a existência do sistema, é um erro; o capital financeiro e especulativo visa o lucro rápido, fácil e vultoso. E as últimas experiências até demonstraram que sai reforçado das crises que ele próprio provoca.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

A DIREITA E AS AGÊNCIAS DE RATING

OS MERCADOS E A DIREITA

Para a esquerda a questão é clara e não sofre, por isso, dúvidas. As agências de rating funcionam como pontas de lança do capital financeiro e especulativo, em conluio permanente com os grandes interesses que defendem e do qual em larga medida igualmente beneficiam, directa ou indirectamente. Posto que a sua acção seja teoricamente apenas opinativa, no mundo actual, dominado ao mais diversos níveis pelo capital especulativo, ela acaba por ter um papel determinante nos vários domínios em que aquele capital intervém, gerando com as suas opiniões vinculativas lucros fabulosos e ilegítimos.

Por isso, a esquerda entende que, qualquer que seja o seu enquadramento jurídico no mundo actual, elas, tal como o capital financeiro especulativo, desempenham uma actividade criminosa que atinge dramaticamente a situação de milhões de pessoas pela qual vão ter de ser responsabilizadas no futuro.

Outra, e muito diferente, é a posição da direita. A direita acredita no papel dos “mercados”, confia no desempenho relativamente independente das agências de notação financeira e entende que no essencial as suas avaliações reflectem a situação analisada, com ponderação ajustada dos factores objectivos e subjectivos. Esta foi a posição que a direita defendeu entre nós até há bem pouco tempo, tanto em relação aos mercados como relativamente aos seus guias espirituais (as agências de rating).

E foi no quadro deste pressuposto que, nos últimos dois anos, a direita permanentemente se perfilou para substituir o Governo Sócrates, exactamente por supor que estava em muito melhores condições para lidar com os mercados do que o governo socialista, por ser capaz de gerar a partir da sua acção aquilo que ao Governo Sócrates escasseava: confiança!

E foi assim que, durante muitos meses, tanto a arraia-miúda do PSD (os cantigas, os duques, o padre Malagrida e mais aqueles que regularmente debitam nas TV a sua douta sabedoria) como a arraia-graúda (Cavaco, Carlos Costa e, pelo menos, dois banqueiros, embora um deles falso…) tudo fizeram para que os portugueses passassem a partilhar a convicção de que eles próprios já eram portadores de que o comportamento dos “mercados”relativamente a Portugal, bem como o do seu braço armado, as agências de rating, tinham a ver não apenas com a situação financeira do país, que era grave, mas também, e principalmente, com a desconfiança que o então Primeiro Ministro lhes inspirava tanto pela sua personalidade como pelo quadro político em que se movia.

As sucessivas intervenções públicas de uns e de outros, principalmente as dos arautos da arraia-graúda, realizadas sob o prisma analítico de quem avisa para evitar o pior, mas na realidade acabando por desempenhar o papel de verdadeiras denúncias, tinham em vista criar internamente as condições para a substituição do governo, ou melhor, o seu derrube, e externamente dar a entender que havia em Portugal uma alternativa geradora de confiança pronta a assumir o poder, agravando a instabilidade política típica de um governo de minoria e contribuindo desse modo para onerar a situação financeira do país, mediante intervenções pontuais desfavoráveis das tais agências de rating, traduzidas na subida da taxa de juro e, numa ou noutra vez, em pequenas, mas importantes, desgraduações da dívida, o que, tudo junto, acabava objectivamente por funcionar como acções complementares do objectivo internamente visado.

Na base desta política estava a sincera convicção de que a situação portuguesa melhoraria num outro contexto político, mais à direita, mais estável e, principalmente, mais fiável, pela confiança que um novo governo e um outro primeiro ministro estavam em condições de infundir aos vigilantes e atentos credores externos de Portugal.

Qual não terá sido o espanto - a estupefacção -, depois de alcançado com êxito o primeiro objectivo, terem verificado que afinal externamente a situação está piorando todos os dias a ponto de se tornar – agora sim – verdadeiramente insustentável. Da diferença de 363,8 pontos percentuais em Dezembro de 2010 relativamente à taxa paga pela Alemanha para os empréstimos a 10 anos passou-se agora para uma diferença de 1013 pontos percentuais! Com subidas vertiginosas nos últimos dias.

Agora sim, não há economia que resista. Muito menos em recessão. Mas não deixa de ser curioso perante o quadro catastrófico que se avizinha ouvir, como ainda hoje se ouviu, o “padre Malagrida” dizer que as coisas não vão ser tão más como parece. Também ele tocado pela fada da confiança ainda acredita numa reviravolta.

Mas voltemos a Cavaco. Também ele acreditava que as coisas se passariam de modo diferente. Operadas as mudanças políticas e reforçado com medidas adicionais o programa da troika, Cavaco acreditava que as coisas iriam agora inverter-se.

Como se vê, a ciência destes cavalheiros assenta na mais pura irracionalidade. A confiança, qual Deus ex machina de toda a economia, não assenta em qualquer base objectiva, empiricamente demonstrável, mas num estado de espírito que por factores indemonstráveis se apodera dos agentes económicas transformando em oiro o que antes não passava de um vulgar latão.

Salvaguardadas as devidas circunstâncias, a situação actual vivida no país assemelha-se em muitos aspectos e também nos protagonistas aos últimos anos da guerra colonial.

Sócrates, tal como Salazar, sabia que não tinha saída à vista, mas estava decidido a aguentar pelo tempo que pudesse na esperança que entretanto acontecesse algo que alterasse o rumo das coisas. Salazar acreditava numa guerra mundial ou num agravamento extraordinário do conflito leste-oeste que lhe permitisse manter as colónias. Sócrates acreditava numa tomada de posição europeia, numa radical mudança de rumo da Europa que, para se defender a ela própria, acabasse reflexamente por  defender também os que se encontravam na posição de Portugal.

Já Cavaco tem mais semelhanças com Kaúlza. Também ele, à semelhança do general pára-quedista, acredita que poderá ganhar a guerra com uma operação “Nó górdio”  bem conduzida, que começou a ser posta em prática por Passos Coelho e a sua equipa, constituída por sumidades que têm Milton Friedman como referência incontornável. O pior é que, como a história militar tem demonstrado, Kaúlza, ao contrário do que alguns supunham, não era nenhum Alexandre, mas antes um general muito limitado, tanto táctica como estrategicamente. A operação “Nó górdio”, que conduziu em Moçambique sem qualquer êxito, apressou a queda do “Império” e ditou, mais do que qualquer outra, a derrota militar, não mais sendo possível, a partir de então, uma simples acção de pura contenção. Afinal, Kaulza também não percebia a guerra em que estava metido...




quarta-feira, 6 de julho de 2011

AFINAL, OS “MERCADOS” JÁ NÃO SÃO O QUE ERAM


COITADOS, JULGAVAM-SE DIFERENTES



Desde que o PSD com a prestimosa colaboração de Cavaco Silva resolveu derrubar o anterior Governo a situação de Portugal não tem cessado de piorar, interna e internacionalmente.
 Internamente, o novo Governo, nos poucos dias de vigência que tem, agravou todas as medidas que ao longo dos dois últimos anos o Governo socialista havia adoptado na mesma vã esperança de por via da austeridade acalmar os mercados e relançar a economia nacional, baseada na irracional suposição de que era o "acerto" das contas públicas que iria permitir o crescimento económico, por mais que se explique que é a partir do crescimento económico que as contas públicas podem ser equilibradas.

Internacionalmente, a situação portuguesa vai de mal a pior. À atitude subserviente, ideologicamente convergente com os grandes interesses estrangeiros, do Governo PSD/CDS, respondem os “bem-amados” mercados com desgraduações sucessivas da dívida portuguesa e uma subida record (e insustentável) da taxa de juro numa clara e inequívoca demonstração do desprezo que nutrem pelos actuais governantes por mais veementes que tenham sido as suas juras de fidelidade à ortodoxia neoliberal.

E é interessante, muito interessante, ouvir agora alguns dos gurus do actual Governo apodar de “terrorista” e outros adjectivos semelhantes a notação das agências de rating quando ainda ontem tudo não passava de uma situação normal condizente com o estado da economia portuguesa e com a situação política do país.

Enquanto se espera com natural ansiedade a posição do Governador do Banco de Portugal, não pode deixar de sublinhar-se as novas posições do imparcialíssimo Cavaco Silva que, depois de ter considerado explosiva e insustentável a situação portuguesa e de repetidas vezes ter enaltecido e encarecido o papel dos mercados, em sua opinião decorrente da tal situação por ele caracterizada como catastrófica, vem agora afirmar que a notação da Moody’s não tem a mínima justificação, fazendo-o, naturalmente, com o mesmo à vontade com que ainda ontem declarava que os portugueses tinham de estar preparados para sacrifícios prolongados – ele que ainda há dois meses era de opinião que os portugueses não podiam suportar mais sacrifícios.

Por tudo isto, não pode deixar de considerar-se vexatoriamente irónico vê-los desfilar nos telejornais, um por um, do CDS ao PSD e também ao PS, dos banqueiros aos demais patrões até aos lacaios de uns e de outros, a vociferar contra as agências de rating, exactamente aquelas em nome de cujos interesses por elas representados se tem governado neste país.

É em homenagem a esses mesmos interesses que ainda ontem num gesto irresponsável e gravemente lesivo dos interesses nacionais o Governo extinguiu as “golden shares” de três empresas vitais para a economia portuguesa que aliás nunca deveriam ter sido privatizadas.

No fundo, o comportamento das agências de rating está em linha com o PEC que o Governo anunciou no Parlamento e com as justificações apresentadas pelo Ministro das Finanças para a extinção das “golden shares”, ao afirmar que ela representa um ganho para o Estado português.

AUSTERIDADE: SERÃO ASSIM TÃO ESTÚPIDOS?

A DÚVIDA METÓDICA COMO PRINCÍPIO

Um conhecido filósofo do futebol português, Manuel José de seu nome, diz que o “homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra”. E então os economistas (do sistema) e os políticos que cegamente os seguem serão assim tão estúpidos a ponto de tropeçarem três, quatro, cinco vezes na mesma pedra?

Alguns, certamente. Até mais. Mas muitos outros não. Talvez seja excessiva presunção insistir na demolição de uma tese que nenhuma argumentação está em condições de sustentar. Continuar a explicar aos governantes e aos seus economistas que os programas de austeridade em curso nos “países intervencionados” conduzem a mais recessão, mais endividamento e envolvem os Estados numa espiral depressiva da qual não têm qualquer hipótese de sair, talvez seja exactamente o que eles querem ouvir.

Quem conheça razoavelmente os processos históricos “construídos” a partir de uma doutrina, sabe também que na maior parte das vezes acaba por ser a ortodoxia a comandar a acção, tal a força da norma que, por encerrar a verdade, não aceita desvios. E como se está a viver um tempo histórico dominado pela fúria neoliberal poder-se-ia ser levado a supor que a incapacidade de analisar a realidade, nomeadamente os efeitos das receitas neoliberais aplicadas às economias em crise, resultaria de um apego indestrutível às doutrinas que as impõem.

Ora, o que se passa a propósito da crise europeia das dívidas soberanas não é nada disso. Pelo contrário, em certo sentido até se está nos antípodas das doutrinas neoliberais que, na pureza dos seus princípios, apontam para uma permanente auto-regeneração do capitalismo, mediante a falência daqueles que não estão em condições de suportar o normal funcionamento do sistema.

Foi exactamente isso o que W. Bush começou por fazer quando deixou ir para a falência o Lehman Brothers e tantos outros pequenos bancos de que nem sequer se ouviu falar por cá e o que os republicanos ortodoxos sempre defenderam para contrariar o programa de estímulo de Obama.

Ora, não é isto o que se passa na Europa. É certo que a maior parte dos governos de direita, a começar pelo alemão, reagiu vivamente contra os programas de relançamento da economia inspirados nas doutrinas neo-keynesianas, sem contudo deixarem de apoiar, directa ou indirectamente, os bancos em crise, impedindo, em todos os casos a sua falência, nem que fosse mediante recurso a processos perversamente chamados de nacionalização.

E esta é a chave do problema. Os programas de austeridade em vifgor não visam relançar a economia, nem criar as tais bases sólidas de que “eles” tanto falam de sustentabilidade do sistema. O que eles apenas têm em vista é transferir, a diversos níveis, o activo incobrável dos bancos para o sector público. Obrigando os países endividados a severos programas de austeridade consegue-se que o dinheiro que agora lhes é emprestado por outros Estados, pelo FMI e indirectamente pelo BCE (tudo sector público) se destine a pagar os empréstimos contraídos nos bancos que, com o andar do tempo - dois anos será o que precisam – terão transferido paras o sector público todas as suas dívidas incobráveis.

Quando os credores forem apenas públicos, ou quase só públicos, reiniciar-se-á uma nova fase que seguramente levará a um reescalonamento da dívida em termos que agora ainda ninguém verdadeiramente esquematizou.

É também certo que a pressão que o eleitorado de certos países está fazendo para não ter de ficar com os “activos tóxicos” dos bancos credores tem levado certos governantes, como é o caso de Merkel, a insistir na participação do capital inanceiro nos programas de resgate. O mesmo é dizer que aceite substituir parte dos seus créditos, vencidos ou vincendos numa data muito próxima, por outros que se vencerão muitíssimo mais tarde, embora com um juro mais compensador. E é neste quadro complexo que entram os lacaios do capital financeiro, ou os seus pontas de lança, consoante se prefira, a declarar “lixo” a dívida dos países intervencionados exactamente para que os bancos não sejam “obrigados” a renegociá-la. Esta “guerra” que está a ser travada entre os contribuintes dos Estados a que pertencem os bancos credores e o capital financeiro embora possa, por razões de oportunismo eleitoral, alterar o plano previamente traçado não terá em qualquer caso a intensidade suficiente para o substituir. O mais que pode acontecer, e já está a acontecer, é traduzir-se num agravamento da situação dos países intervencionados e de outros que estão em vias de não conseguirem suportar por muito mais tempo a degradação continuada da sua situação.

Bem vistas as coisas, a lógica é sempre a mesma, embora actue em diferentes níveis de intervenção. Os bancos credores quererem transferir para os contribuintes do seu país a dívida dos países periféricos e o Estado a que estes contribuintes pertencem (Alemanha, França e outros) querem, depois resolvido o problema dos seus bancos, transferir para os contribuintes dos países periféricos a dívida que por eles já pagaram aos bancos credores. Dentro de cada país a substituição das responsabilidades opera-se transferindo fundamentalmente para o trabalho obrigações que eram do capital por terem sido por ele contraídas, directa ou indirectamente.

É verdade que estes dois últimos níveis de transferência – dos contribuintes dos países credores para os contribuintes dos países devedores e dentro de uns e de outros do capital para o trabalho – muito provavelmente não funcionarão com a eficácia do primeiro nível, quer por “esquema coercivamente aplicado” acarretar recessão continuada e quer haver um limite material para a suportabilidade dos sacrifícios impostos. Só que entretanto o essencial do capital financeiro estará salvo.

Em conclusão: os programas de austeridade são para cumprir à risca. Daqui a dois anos voltamos a falar…

terça-feira, 5 de julho de 2011

NOTAS SOBRE O DIA QUE FINDOU

EPISÓDIOS VIVIDOS NO PAÍS SEM ESPERANÇA
Fernando Nobre



1 -Nobre renunciou ao mandato de deputado. Embora as razões da renúncia sejam em última instância as mesmas que o levaram a aceitar a inclusão do seu nome na lista do PSD, tem de reconhecer-se, por mais paradoxal que pareça, que este é o acto mais nobre que Nobre praticou desde que é conhecido na vida pública.

Talvez um regresso à sua antiga profissão lhe fizesse bem. Depois de tudo o que disse seria o mais razoável. Em tempos de mudança e de crise, talvez fosse altura de deixar para outros as causas humanitárias, até porque já se percebeu que não parece estar com grande predisposição para aceitar pequenos sacrifícios. Quanto mais grandes…

2 – O Álvaro da Economia (tem de ser assim identificado, porque Álvaro há só um…) acha que a Madeira, se quiser, poderá um dia tornar-se independente. Cavaco, pelo contrário, acha que as independências não podem ser unilaterais. Pois é, estas coisas da independência são um bocadinho mais complicadas...

3 – Aliás, Cavaco está tão compreensivo com a presente situação que já nem sequer fala na impossibilidade de impor mais sacrifícios ao povo. Ao invés, até diz que ninguém pode esperar uma melhoria da situação nos próximos tempos. O que ontem era inaceitável tornou-se hoje imprescindível…

4 – Afinal, quem tem direito de veto sobre a composição do Governo é o Moniz. Ao que isto chegou!

5 – Lentamente, muito lentamente, em raciocínio lento, os economistas do sistema acabarão por chegar à conclusão que o programa da “troika”, mais os acrescentos do Passos Coelho, não só não resolverão nenhum problema da economia portuguesa como agravarão todos os que agora existem; o que eles nunca serão capazes de perceber ou de reconhecer é para que serve o programa da troika. Seria pedir-lhes demasiado…




CHÁVEZ REGRESSOU

EMOCIONANTE DISCURSO NO PALÁCIO MIRAFLORES

 

 Chávez regressou a Caracas às primeiras horas da manhã. E à tarde (agora à noite em Portugal) acabou de proferir um emocionante discurso na varanda do Palácio presidencial (transmitido em directo pelo canal de Andaluzia Telesur) durante o qual deu conta aos venezuelanos da sua doença, das intervenções cirúrgicas a que foi submetido em Cuba, do plano de recuperação que lhe foi traçado pelos médicos que o acompanham, da coragem que o anima para vencer a doença e da fé, da grande fé em Cristo, no povo venezuelano e na Revolução bolivariana e socialista, com que se propõe enfrentar as grandes batalhas que o esperam.
Além de ser o político que na última década mais vezes se submeteu ao sufrágio popular, Chávez deu também uma grande lição de transparência a todos aqueles que no Ocidente hipócrita e plutocrático são sempre os primeiros a exigir na terra dos outros os comportamentos que não seguem na sua própria terra.
Nesta decadente civilização em que só se fala nos bancos, nos sacrifícios impostos ao povo para salvar os bancos, no domínio hegemónico do capital, é salutar saudar o regresso de Chávez.
Que viva Chávez por muitos anos!

domingo, 3 de julho de 2011

NOTINHAS LIGEIRAS DE FIM-DE-SEMANA

DE PORTAS A MÁRCIA DA RTP PASSANDO POR MARCELO



1-     Muito gosta Paulo Portas das rimas, dos trocadilhos, dos sentidos contrastantes. Se tivesse nascido no Minho poderia ter sido cantor ao desafio. E lá se teria perdido um político com tanto jeito para brincar, simples, com a língua. E também gosta muito do trabalho - é, aliás, um grande amante do trabalho…dos outros. Alguém oferece a Paulo Portas um exemplar do famoso livro de Paul Lafargue?

2-     A história de Bernardo Bairrão estava obviamente mal contada. As versões que o Governo foi remetendo aos jornalistas servis para serem amplificados pela comunicação social não convenciam ninguém. Nem o Marcelo tinha nada a ver com o assunto, nem a posição do Bairrão sobre a RTP teve qualquer relevância no “desenlace” (ouça-se Pais do Amaral e Balsemão e até Portas, certamente por outras razões). Uma coisa é certa: Passos Coelho saiu de São Bento (ou da Gomes Teixeira) com o nome na lista e veio de Belém com ele cortado. Porquê? Cooperação activa? A propósito, Moniz e Moura Guedes não tiveram uns “problemazinhos” com o Bairrão na TVI? Sim, o Moniz, o da Ongoing, o mesmo a quem Garcia Pereira, in illo tempore, em directo, chamou serventuário do cavaquismo…

3-      Aquela plebeia do Mónaco teve uma oportunidade rara de fazer história (até os livros infantis iriam mudar…) e deixou que a história lhe passasse ao lado…

4-      Dominique Strauss-Kahn saiu em liberdade, sem caução, com a obrigação de se manter nos Estados Unidos, com grandes hipóteses de ser absolvido…ou de nem sequer ser acusado (se a terminologia estiver correcta para o direito penal de Nova York). Uma certeza, duas dúvidas e a versão oficial. A certeza: na América a equanimidade da Justiça varia na razão directa do dinheiro que se tem (talvez por saber isso é que a polícia de Nova York não dispensa o perp walk); as duas dúvidas: ou o Strauss-Kanh foi tramado mostrando-lhe o isco em que ele iria de certeza pegar (por quem? rivais políticos? quase improvável; capital financeiro? mas alguém chega à direcção do FMI apenas por ser intelectualmente brilhante?); ou o Strauss-Kahn e a sua devotada esposa souberam aproveitar muito bem o mais poderoso lobby de Nova York, apesar das declarações de Bloomberg aqui há uns tempos (mas o que havia ele de dizer?). Ou então tudo se passou tal qual foi relatado: a Nafissatou Djallo perdeu a credibilidade porque se descobriu que já tinha mentido (não se sabe se apenas uma vez, para se legalizar, ou mais…). Coisas da vida: na política quem mente pode ser eleito para qualquer cargo e depois reeleito se continuar a mentir; mas “na palavra contra palavra” (não obstante a prova de certos factos) a mentira é negativamente decisiva, mesmo que tenha ocorrido a propósito de um assunto que nada tem a ver com o assunto de que agora se trata! Não é uma crítica: é uma constatação….

5-     A Márcia da RTP apresentou na passada quinta-feira uma entrevista com Gorbachov. Uma peça jornalisticamente desonesta. A entrevista era a todo o momento entrecortada com imagens comentadas pela dita Márcia na defesa de uma tese. Desconhece-se em que condições Gorbachov concedeu a entrevista. Mesmo que se tenha tratado de uma entrevista paga (à fundação que leva o seu nome), nem por isso deixa de ser um trabalho desonesto. Mais: mesmo que não fosse desonesto para Gorbachov, se avisado do que se iria fazer (o que não é crível), nem por isso deixaria de sê-lo para o telespectador. Se o jornalista quer fazer uma reportagem sobre determinada personalidade e até defender uma tese relacionada com os temas em que essa dita personalidade foi protagonista não actua como Márcia actuou. Ouve várias pessoas, além do visado, junta imagens ou o que quiser, mas não diz que está a fazer uma entrevista. A entrevista é para apresentar uma conversa entre o entrevistado e o entrevistador. Tudo mais é batota. Aliás, ainda há dias uma televisão estrangeira apresentou uma reportagem sobre a Perestroika com breves comentários do repórter, um longo recurso a imagens,  declarações da época dos intervenientes e depois, para terminar, passou uma entrevista com Gorbachov, sem cortes, nem interrupções. Um trabalho de qualidade, coisa que comprovadamente Márcia não sabe fazer.

6-     Marcelo sobre o Programa do Governo: “Questionado sobre a criação de um novo imposto extraordinário, equivalente a 50% do subsídio de Natal, acima do salário mínimo nacional, Marcelo reconheceu que "durante a campanha eleitoral não se falou neste pacote de medidas". Porém, argumentou, "também não se disse que não se tomavae acrescentou: Essas más notícias não se dão [durante a campanha eleitoral], mas sobretudo porque nunca quem vai para o Governo sabe exactamente a situação em que se encontra" o País", sublinhou. Para professor de direito é uma resposta elucidativa: se Marcelo tivesse aprendido Direito pelos manuais de Manuel de Andrade teria dificuldade em dar esta resposta (vergonha, inibição...). Como não estudou, não tem…..

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A PERFÍDIA DA DIREITA NAS QUESTÕES SOCIAIS



APENAS ALGUNS EXEMPLOS

A direita é pérfida e usa a perfídia para enganar o povo. Basta ouvi-los. Ainda hoje Mota Soares explicava, empolgado, o ataque que pretende fazer à segurança social, a pretexto do combate às pensões altas. E povo, ouvido por uma estação de televisão, não se cansava de repetir: “Tem toda a razão. Pode lá o Estado pagar pensões tão altas!”

É claro que uma coisa são as pensões obtidas fraudulentamente, às vezes sem descontos realizados pelos beneficiários (alguém paga por eles) ou concedidas por meia dúzia de anos de trabalho principescamente pago (às vezes, nem meia dúzia) ou a acumulação de pensões por trabalho prestado a tempo inteiro (sabendo-se, como se sabe, que quem trabalhasse para o Estado não poderia desempenhar outra função a tempo inteiro; não poderia nem teria tempo para o fazer se cumprisse o horário a que estava obrigado) ou os fundos de pensões constituídos com dinheiro das empresas, por quem nelas manda, destinados a atribuir pensões milionárias a quem nelas trabalhou em lugares cimeiros – tudo isto são vigarices…por mais legais que algumas sejam.

Outra coisa completamente diferente é alguém ter descontado nos termos da lei de acordo com o que ganhava e ao fim de uma vida de trabalho gozar a pensão a que tem direito.

Ora, o que Mota Soares quer é estabelecer um limite muito baixo para as pensões a pagar pelo Estado e dispensar os futuros titulares dessas pensões de descontar pelo que recebem como ordenado…obrigando-os apenas a descontar pelo que vão receber a título de pensionistas. Se os que ganham mais ficarem dispensados de contribuir para a segurança social acima de um certo montante, isso quer dizer duas coisas: primeiro que se abre aí uma grande oportunidade de negócios para uma segurança social privada e depois que se quebra a solidariedade intergeracional que tem sido a base do sistema.

E o mesmo se diga da saúde. Também não há melhor forma de acabar com o SNS do que obrigar quem tem dinheiro, ou algum dinheiro, a pagar a maior parte dos cuidados de saúde. As razões são as mesmas: quem paga não quer ser chamado a contribuir para uma coisa de que não beneficia.

Os que acreditam que esta é uma boa solução, porque obriga os ricos a pagar, só vão perceber mais tarde o erro em que incorreram ao dar o seu assentimento a semelhante política.

E, atenção, quando eles nos falam na defesa do “Estado social”, como de resto nos falavam os governantes do PS e alguns dos seus intelectuais orgânicos, do que realmente estão a falar é de assistencialismo. E quando nos remetem para as chamadas IPSS do que estão a falar é dos que fazem da “caridade” uma profissão.

O estado social tem cidadãos. Com direitos ganhos na luta contra o capital. E não pedintes com a obrigação de agradecer a esmola!

E é isso o que esta gente tem feito desde que o neoliberalismo se tornou hegemónico: fomenta a produção de pobres e de excluídos a que depois acorre com alguma esmola para evitar males maiores.

Aliás, o PS percebe muito bem isto quando está na oposição, como ainda hoje se viu, ao “dissertar” sobre o tema no debate sobre o “programa do governo”. Mas é uma posição hipócrita: uma posição que o partido não aplica nos mesmos termos quando está no governo. O PS abriu as portas que estes agora vão escancarar ou mesmo derrubar.

Esta questão, relativamente ao PS, vem à baila não por qualquer espécie de intenção persecutória. Apenas porque é recorrente. Já se viu este filme muitas vezes a propósito de muitas outras coisas…

PROGRAMA DO GOVERNO

MAIS DO MESMO COM DIFERENÇAS TÁCTICAS
Estado vai levar metade do subsídio de Natal acima do salário mínimo

O Programa do Governo hoje apresentado na Assembleia da República consubstancia um agravamento considerável das condições de vida dos portugueses que vivem do rendimento do seu trabalho. O imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal em termos ainda não suficientemente explicitados e o aumento dos impostos indirectos, além da diminuição da despesa social, vão fazer-se sentir fundamentalmente nos baixos e médios rendimentos como nunca tinha acontecido depois da Revolução de Abril.

Todavia, é bom que se diga que estas medidas sobressaem mais pela sua natureza quantitativa do que propriamente pela natureza qualitativa, já todas elas representam a continuação de uma política que no essencial se mantém a mesma, inevitavelmente agravada pela falência que a passagem do tempo se tem encarregado de demonstrar. Há, porém, algumas diferenças deste “mais do mesmo” entre esta governação e a do PS de Sócrates. Enquanto Sócrates tentava ludibriar os portugueses prometendo uma coisa e fazendo outra, defendendo formalmente os princípios e violando-os constantemente a ponto de os deixar quase sem conteúdo, este Governo de Passos Coelho, mantendo-se na mesma linha estratégica, pretende colher a compreensão resignada dos portugueses adoptando uma atitude que os leve a fazer crer que os sacrifícios impostos são consequência de erros da anterior governação que se tornarão passageiros se forem agora combatidos com o vigor e a determinação que a situação exige.

E é esta ideia, muito difundida pela coligação no poder e também por Cavaco Silva e logo amplificada até à saciedade por uma comunicação social servil, que permite a Passos Coelho neste início do seu mandato ser muito mais frontal do que Sócrates e apresentar logo no primeiro dia da sua governação um conjunto de medidas que vão muito para além do “Memorandum da Troika”e que penalizam fortemente as condições de vida dos portugueses.

De facto, Passos  Coelho tributa o trabalho, o consumo sem distinções, limita as despesas sociais, directas e indirectas, as remunerações salariais e as pensões e deixa intocáveis os rendimentos do grande capital e da especulação financeira; simultaneamente, facilita o despedimento e flexibiliza a relação laboral para baratear o trabalho como mercadoria.

Ou seja, o ataque ao défice (que não à dívida, que só poderá aumentar) é feito quase exclusivamente à custa dos rendimentos do trabalho de modo a que, por essa via, se prossiga também o aumento da competitividade da economia portuguesa, uma e outra políticas baseadas na crença de que é o preço do trabalho que prejudica a competitividade e que o equilíbrio orçamental gera, por si só, crescimento, de nada servindo os exemplos do passado, bem como as experiências mais recentes no quadro da União Europeia…porque contra a fé não há argumentos.

Relativamente à dívida, este governo à semelhança do anterior, não pode apresentar qualquer programa visando a sua redução, pois como muito bem se sabe, a redução da divida ou, pelo menos, a diminuição do seu peso relativamente ao PIB, só poderá resultar do crescimento económico e de alguma inflação, como a história dos processos económicos amplamente demonstra, salvo obviamente os casos excepcionais de um aumento extraordinário de receitas proveniente de novos factores antes desconhecidos ou inexplorados, como é o caso de certas matérias-primas, nomeadamente o petróleo. O mais que pode fazer – e ao que se anuncia vai fazê-lo – é diminuir o investimento publico acreditando que com tal medida não aumentará correspondentemente o endividamento, o que, como também se sabe, está longe de ser verdade.

A diferença táctica entre estes e os anteriores está assim no aproveitamento daquilo que foram os principais pontos fracos da governação de Sócrates: um discurso mais directo e simultaneamente menos arrogante, deixando sempre ficar a pairar a ideia de que, com eles, os portugueses já sabem com o que podem contar e de que os sacrifícios que lhes estão a exigir resultam de políticas erradas daqueles que nos “levaram a esta situação”, o que permite uma transferência do odioso para os antecessores.

A esta táctica, que só pode ser usada nos primeiros tempos da governação, acresce a promessa de transparência e de despartidarização do aparelho de Estado e da administração pública, apesar de se tratar de uma promessa que o tempo já ensinou nunca ser cumprida.

Em resumo, diferenças tácticas à parte, tanto este governo como o anterior acreditam que o equilíbrio orçamental obtido através da redução drástica do défice, conseguido à custa da diminuição da despesa pública e do aumento de receitas obtido fundamentalmente a partir dos rendimentos do trabalho, irá “libertar” (na verdade, trata-se de um processo de transferência) os recursos financeiros necessários que permitirão ao capital privado relançar a economia.
Depois da "guerra" contra os investimentos em bens não transacionáveis", este discurso só pode ter subjacente a ideia de que será através do aumento das exportações que se sai da crise. Esta ideia que nem sequer está tecnicamente sustentada no programa do Governo tal a a pobreza de ideias sobre a matéria, é uma ideia sem sentido, pois se não há modelo económico que assente apenas nesta variante, menos ainda ele o será numa economia que se debate com um serviço da dívida cada vez mais pesado que só por si inviabiliza qualquer possibilidade de crescimento. E também não será pela substituição das importações pela produção nacional que lá se chegará, pois, como muito bem sublinhou Basílio Horta na sua intervenção, só no limitado campo da agricultura e da agro-indústria tal seria possível, sendo para isso necessário combater as grandes superfícies – Belmiro, merceeiro do Pingo Doce e outros – coisa que nem por sombras se admite o Governo venha a fazer, como a vaguidade do seu programa na matéria amplamente confirma.

Assim sendo o que se está a passar e vai passar em Portugal não será nada de substancialmente diferente do que se está a passar nos demais “países intervencionados” ou mesmo nos países em crise económica profunda, como é o caso da Espanha: os programas de austeridade visam apenas e só recapitalizar os bancos, em última instância os bancos que aplicaram mal os seus recursos ou que deles fizeram uma gestão puramente especulativa. E estes, embora tenham por certo a falência das políticas de austeridade e a sua insustentabilidade política, económica e social, pretendem, enquanto elas existem, recuperar o mais possível, ganhando tempo e alguma solidez que lhes permita suportar o inevitável embate que, mais tarde ou mais cedo, ocorrerá.

A política do XIX Governo Constitucional agravando no quadro da mesma matriz a política do anterior governo levará o país à recessão prolongada, ao desemprego de milhares de trabalhadores, à diminuição dos rendimentos de quem trabalha e à transferência para o sector privado, a preços de saldo, do património público. Esta política como a anterior tem de ser derrubada na rua, cada vez mais o decisivo factor de legitimidade destas “democracias plutocráticas” do nosso tempo.

O PROGRAMA DO GOVERNO E A FRAUDE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA


 
O PS COMO PARTIDO DE OPOSIÇÃO

As conclusões preliminares do debate de hoje são fáceis de enunciar: a democracia representativa é uma fraude e o PS como partido de oposição não existe. Não é só Maria de Belém que não beneficia das condições para desempenhar, na presente conjuntura, o papel de líder parlamentar do, apesar de tudo, numericamente maior partido de oposição. É o PS que está atado de pés e mãos ao “Memorandum da Troika” e ao programa do governo. Usando uma imagem futebolística, o PS está para o governo como o Braga e a Académica estão para o FCP. Corre o risco de lhe acontecer o mesmo se não arrepiar caminho muito rapidamente.

Quanto à democracia representativa, já por múltiplas vezes aqui o tema foi abordado, algumas delas com algum aprofundamento, evidenciando as suas naturais e conhecidas limitações, que, como se sabe, se agravaram a partir do momento em que os partidos passaram a desempenhar um papel hegemónico em detrimento dos cidadãos. Todavia, o que agora se passa é mais grave: depois de inúmeras “juras”, tanto do CDS como do PSD, garantindo antes e depois da campanha eleitoral que jamais aumentariam os impostos para combater o défice, ei-los na primeira aparição parlamentar a decidir exactamente o contrário.

Ou seja, não só por este exemplo se evidenciam as consequências da atribuição de um mandato irrevogável e incondicionado, como se vê também a nulidade que o Parlamento representa enquanto órgão deliberativo (teoricamente) representativo da vontade popular. Aqueles senhores que estavam na bancada do Governo nem sequer tiveram a gentileza de dizer que iriam propor ao Parlamento um determinado programa de austeridade. Apresentaram-no como facto consumado, tratando a maioria parlamentar como uma simples câmara de ressonância da vontade do Governo – aquilo que na verdade ela é. Não há nada como a transparência …

Do debate de hoje colhe-se ainda a ideia de que o Ministro das Finanças é um crente, venera a “fada da confiança” e tem um efeito relativamente soporífero sobre a bancada parlamentar. O que é duplamente grave no momento presente: distrai a atenção de quem o tenta escutar e permite-lhe enunciar medidas gravíssimas sem suscitarem de imediato a reacção que outro estilo necessariamente provocaria.

Por último, a intervenção de Basílio Horta. Um homem vindo do “primitivo” CDS, hoje à esquerda da bancada “socialista”. Fez uma excelente intervenção, bem fundamentada e arrasadora para a bancada do Governo, tanto no plano técnico, como político.