MAIS DO MESMO COM DIFERENÇAS TÁCTICAS
O Programa do Governo hoje apresentado na Assembleia da República consubstancia um agravamento considerável das condições de vida dos portugueses que vivem do rendimento do seu trabalho. O imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal em termos ainda não suficientemente explicitados e o aumento dos impostos indirectos, além da diminuição da despesa social, vão fazer-se sentir fundamentalmente nos baixos e médios rendimentos como nunca tinha acontecido depois da Revolução de Abril.
Todavia, é bom que se diga que estas medidas sobressaem mais pela sua natureza quantitativa do que propriamente pela natureza qualitativa, já todas elas representam a continuação de uma política que no essencial se mantém a mesma, inevitavelmente agravada pela falência que a passagem do tempo se tem encarregado de demonstrar. Há, porém, algumas diferenças deste “mais do mesmo” entre esta governação e a do PS de Sócrates. Enquanto Sócrates tentava ludibriar os portugueses prometendo uma coisa e fazendo outra, defendendo formalmente os princípios e violando-os constantemente a ponto de os deixar quase sem conteúdo, este Governo de Passos Coelho, mantendo-se na mesma linha estratégica, pretende colher a compreensão resignada dos portugueses adoptando uma atitude que os leve a fazer crer que os sacrifícios impostos são consequência de erros da anterior governação que se tornarão passageiros se forem agora combatidos com o vigor e a determinação que a situação exige.
E é esta ideia, muito difundida pela coligação no poder e também por Cavaco Silva e logo amplificada até à saciedade por uma comunicação social servil, que permite a Passos Coelho neste início do seu mandato ser muito mais frontal do que Sócrates e apresentar logo no primeiro dia da sua governação um conjunto de medidas que vão muito para além do “Memorandum da Troika”e que penalizam fortemente as condições de vida dos portugueses.
De facto, Passos Coelho tributa o trabalho, o consumo sem distinções, limita as despesas sociais, directas e indirectas, as remunerações salariais e as pensões e deixa intocáveis os rendimentos do grande capital e da especulação financeira; simultaneamente, facilita o despedimento e flexibiliza a relação laboral para baratear o trabalho como mercadoria.
Ou seja, o ataque ao défice (que não à dívida, que só poderá aumentar) é feito quase exclusivamente à custa dos rendimentos do trabalho de modo a que, por essa via, se prossiga também o aumento da competitividade da economia portuguesa, uma e outra políticas baseadas na crença de que é o preço do trabalho que prejudica a competitividade e que o equilíbrio orçamental gera, por si só, crescimento, de nada servindo os exemplos do passado, bem como as experiências mais recentes no quadro da União Europeia…porque contra a fé não há argumentos.
Relativamente à dívida, este governo à semelhança do anterior, não pode apresentar qualquer programa visando a sua redução, pois como muito bem se sabe, a redução da divida ou, pelo menos, a diminuição do seu peso relativamente ao PIB, só poderá resultar do crescimento económico e de alguma inflação, como a história dos processos económicos amplamente demonstra, salvo obviamente os casos excepcionais de um aumento extraordinário de receitas proveniente de novos factores antes desconhecidos ou inexplorados, como é o caso de certas matérias-primas, nomeadamente o petróleo. O mais que pode fazer – e ao que se anuncia vai fazê-lo – é diminuir o investimento publico acreditando que com tal medida não aumentará correspondentemente o endividamento, o que, como também se sabe, está longe de ser verdade.
A diferença táctica entre estes e os anteriores está assim no aproveitamento daquilo que foram os principais pontos fracos da governação de Sócrates: um discurso mais directo e simultaneamente menos arrogante, deixando sempre ficar a pairar a ideia de que, com eles, os portugueses já sabem com o que podem contar e de que os sacrifícios que lhes estão a exigir resultam de políticas erradas daqueles que nos “levaram a esta situação”, o que permite uma transferência do odioso para os antecessores.
A esta táctica, que só pode ser usada nos primeiros tempos da governação, acresce a promessa de transparência e de despartidarização do aparelho de Estado e da administração pública, apesar de se tratar de uma promessa que o tempo já ensinou nunca ser cumprida.
Em resumo, diferenças tácticas à parte, tanto este governo como o anterior acreditam que o equilíbrio orçamental obtido através da redução drástica do défice, conseguido à custa da diminuição da despesa pública e do aumento de receitas obtido fundamentalmente a partir dos rendimentos do trabalho, irá “libertar” (na verdade, trata-se de um processo de transferência) os recursos financeiros necessários que permitirão ao capital privado relançar a economia.
Depois da "guerra" contra os investimentos em bens não transacionáveis", este discurso só pode ter subjacente a ideia de que será através do aumento das exportações que se sai da crise. Esta ideia que nem sequer está tecnicamente sustentada no programa do Governo tal a a pobreza de ideias sobre a matéria, é uma ideia sem sentido, pois se não há modelo económico que assente apenas nesta variante, menos ainda ele o será numa economia que se debate com um serviço da dívida cada vez mais pesado que só por si inviabiliza qualquer possibilidade de crescimento. E também não será pela substituição das importações pela produção nacional que lá se chegará, pois, como muito bem sublinhou Basílio Horta na sua intervenção, só no limitado campo da agricultura e da agro-indústria tal seria possível, sendo para isso necessário combater as grandes superfícies – Belmiro, merceeiro do Pingo Doce e outros – coisa que nem por sombras se admite o Governo venha a fazer, como a vaguidade do seu programa na matéria amplamente confirma.
Assim sendo o que se está a passar e vai passar em Portugal não será nada de substancialmente diferente do que se está a passar nos demais “países intervencionados” ou mesmo nos países em crise económica profunda, como é o caso da Espanha: os programas de austeridade visam apenas e só recapitalizar os bancos, em última instância os bancos que aplicaram mal os seus recursos ou que deles fizeram uma gestão puramente especulativa. E estes, embora tenham por certo a falência das políticas de austeridade e a sua insustentabilidade política, económica e social, pretendem, enquanto elas existem, recuperar o mais possível, ganhando tempo e alguma solidez que lhes permita suportar o inevitável embate que, mais tarde ou mais cedo, ocorrerá.
A política do XIX Governo Constitucional agravando no quadro da mesma matriz a política do anterior governo levará o país à recessão prolongada, ao desemprego de milhares de trabalhadores, à diminuição dos rendimentos de quem trabalha e à transferência para o sector privado, a preços de saldo, do património público. Esta política como a anterior tem de ser derrubada na rua, cada vez mais o decisivo factor de legitimidade destas “democracias plutocráticas” do nosso tempo.
6 comentários:
No meio das meias palavras a que se tem resumido as posições relativas ao que se passa no nosso país, fico satisfeita por encontrar aqui as suas palavras certeiras e sem maneirismos.
Muito obrigado
O que é mais chocante nesta situação nem é a mentira ( a negação ontem de afirmações peremptórias de há semanas sobre impostos), as falsas crenças(substituição de importações, ganho de competitividade pela desvalorização do trabalho etc.). O que é quase grotesco é o papel da dita Comunicação Social, para além do que o autor chama os "avençados" (duques, cantigas etc etc). A coisa é tão nauseante que até o insuspeito Pacheco Pereira dava, no Domingo passado, exemplos dessa mediocridade servilista e do papel de quase prostituição intelectual a que muitos nela se prestam.
Bom,o "post" é brilhante, mas os portugueses, bem lá no fundo, sabiam ao que o jeitoso rapaz de Massamá, os seus mentores e os seus independentes vinham. senhores vinham
LG
excelente resumo
O diagnóstico está feito (há muito). Quais as suas propostas para resolver a situação em que todos nos encontramos? Lena
So ha uma saida..voltar ao escudos..fui informada que a receita dos emigrantes era no tempo do nosso escudo de um millhao de dolares por dia que entrava em Portugal ! Ate com o maldito euro nos estamos a perder uma receita que nos equilibraria em poucos anos a "balanca".A segunda sera uma constituicao adaptada ao tempo...e aprovada pelo Povo. E a terceira tem que ser a rua! Obrigado Dr Correia Pinto o seu post e uma verdadeira porfecia! HL
Parabéns pelo texto tão elucidativo e reflexivo!
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