OS MERCADOS E A DIREITA
Para a esquerda a questão é clara e não sofre, por isso, dúvidas. As agências de rating funcionam como pontas de lança do capital financeiro e especulativo, em conluio permanente com os grandes interesses que defendem e do qual em larga medida igualmente beneficiam, directa ou indirectamente. Posto que a sua acção seja teoricamente apenas opinativa, no mundo actual, dominado ao mais diversos níveis pelo capital especulativo, ela acaba por ter um papel determinante nos vários domínios em que aquele capital intervém, gerando com as suas opiniões vinculativas lucros fabulosos e ilegítimos.
Por isso, a esquerda entende que, qualquer que seja o seu enquadramento jurídico no mundo actual, elas, tal como o capital financeiro especulativo, desempenham uma actividade criminosa que atinge dramaticamente a situação de milhões de pessoas pela qual vão ter de ser responsabilizadas no futuro.
Outra, e muito diferente, é a posição da direita. A direita acredita no papel dos “mercados”, confia no desempenho relativamente independente das agências de notação financeira e entende que no essencial as suas avaliações reflectem a situação analisada, com ponderação ajustada dos factores objectivos e subjectivos. Esta foi a posição que a direita defendeu entre nós até há bem pouco tempo, tanto em relação aos mercados como relativamente aos seus guias espirituais (as agências de rating).
E foi no quadro deste pressuposto que, nos últimos dois anos, a direita permanentemente se perfilou para substituir o Governo Sócrates, exactamente por supor que estava em muito melhores condições para lidar com os mercados do que o governo socialista, por ser capaz de gerar a partir da sua acção aquilo que ao Governo Sócrates escasseava: confiança!
E foi assim que, durante muitos meses, tanto a arraia-miúda do PSD (os cantigas, os duques, o padre Malagrida e mais aqueles que regularmente debitam nas TV a sua douta sabedoria) como a arraia-graúda (Cavaco, Carlos Costa e, pelo menos, dois banqueiros, embora um deles falso…) tudo fizeram para que os portugueses passassem a partilhar a convicção de que eles próprios já eram portadores de que o comportamento dos “mercados”relativamente a Portugal, bem como o do seu braço armado, as agências de rating, tinham a ver não apenas com a situação financeira do país, que era grave, mas também, e principalmente, com a desconfiança que o então Primeiro Ministro lhes inspirava tanto pela sua personalidade como pelo quadro político em que se movia.
As sucessivas intervenções públicas de uns e de outros, principalmente as dos arautos da arraia-graúda, realizadas sob o prisma analítico de quem avisa para evitar o pior, mas na realidade acabando por desempenhar o papel de verdadeiras denúncias, tinham em vista criar internamente as condições para a substituição do governo, ou melhor, o seu derrube, e externamente dar a entender que havia em Portugal uma alternativa geradora de confiança pronta a assumir o poder, agravando a instabilidade política típica de um governo de minoria e contribuindo desse modo para onerar a situação financeira do país, mediante intervenções pontuais desfavoráveis das tais agências de rating, traduzidas na subida da taxa de juro e, numa ou noutra vez, em pequenas, mas importantes, desgraduações da dívida, o que, tudo junto, acabava objectivamente por funcionar como acções complementares do objectivo internamente visado.
Na base desta política estava a sincera convicção de que a situação portuguesa melhoraria num outro contexto político, mais à direita, mais estável e, principalmente, mais fiável, pela confiança que um novo governo e um outro primeiro ministro estavam em condições de infundir aos vigilantes e atentos credores externos de Portugal.
Qual não terá sido o espanto - a estupefacção -, depois de alcançado com êxito o primeiro objectivo, terem verificado que afinal externamente a situação está piorando todos os dias a ponto de se tornar – agora sim – verdadeiramente insustentável. Da diferença de 363,8 pontos percentuais em Dezembro de 2010 relativamente à taxa paga pela Alemanha para os empréstimos a 10 anos passou-se agora para uma diferença de 1013 pontos percentuais! Com subidas vertiginosas nos últimos dias.
Agora sim, não há economia que resista. Muito menos em recessão. Mas não deixa de ser curioso perante o quadro catastrófico que se avizinha ouvir, como ainda hoje se ouviu, o “padre Malagrida” dizer que as coisas não vão ser tão más como parece. Também ele tocado pela fada da confiança ainda acredita numa reviravolta.
Mas voltemos a Cavaco. Também ele acreditava que as coisas se passariam de modo diferente. Operadas as mudanças políticas e reforçado com medidas adicionais o programa da troika, Cavaco acreditava que as coisas iriam agora inverter-se.
Como se vê, a ciência destes cavalheiros assenta na mais pura irracionalidade. A confiança, qual Deus ex machina de toda a economia, não assenta em qualquer base objectiva, empiricamente demonstrável, mas num estado de espírito que por factores indemonstráveis se apodera dos agentes económicas transformando em oiro o que antes não passava de um vulgar latão.
Salvaguardadas as devidas circunstâncias, a situação actual vivida no país assemelha-se em muitos aspectos e também nos protagonistas aos últimos anos da guerra colonial.
Sócrates, tal como Salazar, sabia que não tinha saída à vista, mas estava decidido a aguentar pelo tempo que pudesse na esperança que entretanto acontecesse algo que alterasse o rumo das coisas. Salazar acreditava numa guerra mundial ou num agravamento extraordinário do conflito leste-oeste que lhe permitisse manter as colónias. Sócrates acreditava numa tomada de posição europeia, numa radical mudança de rumo da Europa que, para se defender a ela própria, acabasse reflexamente por defender também os que se encontravam na posição de Portugal.
Já Cavaco tem mais semelhanças com Kaúlza. Também ele, à semelhança do general pára-quedista, acredita que poderá ganhar a guerra com uma operação “Nó górdio” bem conduzida, que começou a ser posta em prática por Passos Coelho e a sua equipa, constituída por sumidades que têm Milton Friedman como referência incontornável. O pior é que, como a história militar tem demonstrado, Kaúlza, ao contrário do que alguns supunham, não era nenhum Alexandre, mas antes um general muito limitado, tanto táctica como estrategicamente. A operação “Nó górdio”, que conduziu em Moçambique sem qualquer êxito, apressou a queda do “Império” e ditou, mais do que qualquer outra, a derrota militar, não mais sendo possível, a partir de então, uma simples acção de pura contenção. Afinal, Kaulza também não percebia a guerra em que estava metido...
13 comentários:
Zé, isto está engraçado. É coisa perversa de se dizer, com tanta gente a sofrer, mas é coisa que cai no gozo intelectual de quem paga para ver.
Há tempos que falamos ambos em fim de ciclo. Eu vou mais longe, em fim de império. Isto cheira que tresanda, para quem gosta de história, ao fim dom império romano. Mas também sem podermos esquecer que a seguir vieram os tempos das trevas.
E falemos, à velhos marinheiros, nos ratos do navio. Hoje, exemplarmente, um grande cronista económico, que diz espantosamente verdades antes escamoteadas, como aponto no meu post "Há quem diz não".
Pois, mas enquanto andamos preocupados com os Ratings e se criam movimentos contra eles, não se vê surgir alternativa que evite a privatização de empresas públicas fundamentais. O governo agradece este silêncio de apoio às suas medidas e a esquerda demonstra que não existe
Boa! Os gajos estariam realmente convencidos que com mais um imposto, congeminado numa insónia, para nos levar metade do subsídio de Natal, iam acalmar as feras? Estavam? Coitados! Aquilo funcionou ao contrário: "Ah estão a mostrar que ainda podem receber a outra metade? Passem-na para cá e rápido que isto daqui para a frente vai ser a descascar!" Não passam dois meses e estamos com juros iguais aos gregos! Não devemos é esquecer-nos de agradecer a quem foi da ideia!
MFerrer parece vir defender o "outro", nada de mais errado! O outro teve uma maioria absoluta, poderia ter evitado a duplicação da dívida pública e poderia ter feito grandes coisas se tivesse tido uma visão de estadista. Infelizmente, não passou da estatura de mais um porteguesinho que não resistiu à vida boa e ao crédito fácil e à vã glória de fazer obra..., um "tipo porreiro" em suma.
E "este" tb. não vai lá só com o 13º pela metade, se o funcionário público a, na prática, não poder ser despedido, com prof a não ensinar, com aluno a desobedecer e pais a dar mau exemplo, com justiça a passo de caracol, com metade do país a pedir licença a outra metade para fazer qualquer coisa, com um "estado" digno do peso equiparado ao mais rico do mundo, com uma agricultura e floresta e até pesca condicionadas por organismos inacredit´veis e com tudo o mais que se pode dizer e é consabido.
As agências de rating fazem o seu papel de predadores e assim sendo estamos entregues aos bichos, mas lá verdade é que demos bem o flanco e baixámos as calças o suficiente para sermos, o que somos.
A.F. G.
Padre Malagrida?
O respeito pelos leitores (para não falar do direito do próprio ao nome...) devia levar a pôr-lhe à frente o nome civil, entre parênteses, na primeira alusão que fizesse a tal personagem, que eu infelizmente (e muitos, decerto, comigo...), não faço ideia quem seja (Marcelo? Medina?...).
A.M.
Mas so agora...o que nao sabemos e quantos sao!
Obrigado Dr. Correia Pinto pelo post um A+
A alusão ao Padre Malagrida aparece pela enésima vez neste blogue. A comparação não é, porém, totalmente correcta, porque nem o governante que o dito amaldiçoava com profecias e castigos divinos é o Marquês, nem ao dito aconteceu nada que se assemelhasse ao verdadeiro Malagrida. Aliás, não lhe aconteceu mesmo nada. Apesar de na televisão em programas sem conta ter realizado uma obra semelhante ao "Juízo da verdadeira causa do terramoto", logo se moderou mal os intérpretes mudaram a ponto de o país que estava sempre para acabar no dia seguinte ser agora uma terra de relativa promissão.
Quanto a direitos, ficamos por aqui.
Sócrates tinha que vir à baila, era fatal,e logo comparado com Salazar. Um mimo! Mas ele tinha razão, a Europa tem mesmo que mudar de rumo e falar a uma só voz ou vai por água a baixo. Ele lutou contra tudo e contra todos para não nos entregarmos ao FMI. Se o PEC IV tivesse sido aprovado e o governo não tivesse caído, pior, agora que estamos no lixo, não podiamos estar. Mas, claro, a convergência de esquerda preferiu a direita no poder.
Caro amigo JMCorreia Pinto,
Fiz link... deste e de outro :))
... ah!... já agora, se ainda não leu o livro da Helena, saiba que ela o refere :)
... amanhã, farei uma pequena recensão :))
Grande abraço.
Os textos valem pela interpretação que deles fazem os leitores. Se as interpretações autênticas de textos jurídicos são frequentemente contestáveis por não raro visarem alterar o sentido do foi escrito ou encobrirem o reconhecimento de uma deficiente formulação, mais contestáveis elas seriam em textos desta natureza em que o que verdadeiramente conta é o entendimento dos leitores. Mas isto não quer dizer que todas as interpretações tenham o mesmo valor. Como leitor, o mais que posso dizer é que eu não daria ao texto a mesma interpretação que MANOJAS lhe deu.
Li o texto com o qual, globalmente,concordei, sem ter necessidade de o interpretar. Mas fiz um reparo crítico, que considero justo e pertinente, ao penúltimo parágrafo.Nada mais!
Não preciso de defender o meu caro amigo JMCP, ele é bem crescidinho. Mas manda-me o dever de rigor intelectual que anote como é fácil a partidarite, o facciosismo, levar para ofensa coisa tão indiscutível como é este penúltimo parágrafo.
Salazar escrevia magnificamente bem. Era obviamente muito inteligente. Era despojado de interesses materiais. Se Se alguém me disser que eu tenho estas qualidades, vou dizer que me estão a acusar de fascista?
A analogia dita pelo JMCP é rigorosamente correta. Em termos literários bem conhecidos, é claro que foram ambos exemplos de estarem "à espera de Godot".
Eu sei que o Salazar anda muito na moda, mas sem partido, que não tenho, e sem facciosismo que nem pelo Benfica manifesto, continuo a considerar que a analogia feita não foi inocente.
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