quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

UMA NOTA SOBRE A EXECUÇÃO DO MEMORANDO





O SENTIDO DO ÊXITO





Durante o Carnaval fomos inundados com informações sobre a avaliação que a Troika fez da execução do Memorando de Entendimento. Falou-se em êxito e houve mesmo um Ministro do CDS que realçou importância deste caso de sucesso no contexto da União Europeia.

Contrariamente ao que se disse em certos meios da oposição, o êxito que a Troika vai confirmando e o caso de sucesso a que se referia o Ministro do CDS têm toda a razão de ser. A Troika e o Governo não estão minimamente preocupados com o emprego nem com os direitos de quem trabalha, assim como também não estão nada interessados em que o dinheiro das receitas do Estado se destine a despesas sociais ou sirva neste momento para fomentar o crescimento.

É certo que a recessão os incomoda e pode mesmo pôr em causa o “êxito” do Programa. Mas essa é uma questão com que apenas se vão preocupar daqui a uns tempos. Enquanto a situação for socialmente sustentável – e a sustentabilidade social não se mede por critérios de natureza exclusivamente económica – a Troika e o Governo tudo farão para pôr em prática as medidas previstas no Memorandum, seguros de que dessa execução resultará um país um país muito diferente daquele que existia quando os homens da Troika pisaram pela primeira vez solo português.

Se em certas camadas mais sensíveis da população começar a haver a convicção de que o país não tem saída e de que o futuro que as espera será muito diferente daquele que chegaram a idealizar, lá se arranjará para acalmar os ânimos um pseudo programa de promoção do emprego jovem a que o Ministro Relvas se encarregará de emprestar a retórica devida para tentar credibilizar mais uma farsa.

Para a Troika e para o Governo português o que está em causa é a construção de um novo conceito de sociedade, exclusivamente fundado no mercado e nas suas forças, de modo a que todos aqueles que dela fazem parte actuem sem protecções de nenhum tipo, dando assim corpo a uma ideia tão velha como a do próprio capitalismo segundo a qual quem participa em qualquer actividade social deva fazê-lo em condições de plena igualdade formal com os outros.

O objectivo do Governo, em sintonia com a Troika, é garantir a plena igualdade formal de todos os que participam no processo social – a tal democracia económica de que falava Passos Coelho – já que ela é caminho certo e seguro para a completa dominação do mais fraco pelo mais forte. Nada ideologicamente mais consensual do que uma “dominação democrática” em que uns, por serem mais fortes do que outros, acabam por impor a sua vontade, não obstante as condições de igualdade formal em que uns e outros partiram.

A real desigualdade resultante da diferente força económica, social e política dos intervenientes é para o Governo e para a Troika uma ideia do passado, contrária à liberdade e que para ser interiorizada precisa de um consenso social trabalhado. Nada portanto mais fácil do que continuar a pugnar contra os que se prevalecem de vantagens obtidas à custa dos rendimentos doutrem. A defesa de pontos de vista semelhantes aos que vigoram na selva nunca precisou de grandes teorizações…

Neste sentido, a execução do Memorando da Troika tem sido um êxito. Um êxito de funestas consequências para o povo português, mas um êxito.

É por isso que não faz qualquer sentido criticar a União Europeia e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para a Europa ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje a Europa, a tal Europa a cuja pseudo-união pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o continente. E nunca a Europa, a tal Europa que existe desde 1958, teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só país, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os países, salvo porventura a Inglaterra cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.

Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro nacional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde.

Terá Portugal gente para isso? Essa a grande incógnita de quem tanto já se deixou corroer pelo desenfreado consumismo imposto pelo moderno capitalismo…

Os números ontem publicados pelo Banco de Portugal sobre a dívida são alarmantes. Eles não deixam qualquer margem para dúvidas: a Europa, esta Europa capitalista em que estamos inseridos, em que os mais fortes dominam os maios fracos, a ponto de a partir de agora os transformarem em verdadeiros escravos modernos, é um dos maiores embustes da História.

Para sair disto vai ser necessário muito mais do que um profundo sobressalto cívico. Vai ser necessário uma verdadeira Revolução…


1 comentário:

Rogério G.V. Pereira disse...

Clarinho...

O povo, vai no embuste e acredita (os que acreditam) que se instalaram incompetentes e que somos governados por eles. Nada de mais errado. As competências, para os fins em vista, não estão em causa... São muito, com Mário Soares à cabeça, a tecer loas aos lideres que antecederam o actual quadro... os tais construtores do "sonho europeu"... esquecem que foram essas mesmas lideranças que fertilizaram o terreno onde "esta dominação democrática" se veio instalar.