MENOS DESPESA E MENOS
IMPOSTOS
Já aqui falámos por duas vezes do “compromisso histórico” de Francisco
Assis e não tivemos grandes dúvidas em concluir, de ambas as vezes, que a
proposta de Assis aponta para um “bloco central refundado” entre o PS (com
o protesto de alguns) e um PSD onde caiba tudo que não seja Passos Coelho e
seus parceiros, realidade nada difícil de conceber já que no “partido
laranja” as forças se polarizam muito mais à volta de nomes do que de ideias.
Portanto, o PSD do “compromisso histórico” seria o PSD que existe com excepção
daqueles que agora mais se expuseram na aventura neoliberal radical ainda em
curso. A este conjunto juntar-se-ia seguramente um CDS “responsável” – o discurso
de ontem de Paulo Portas é disso um bom indício - mais uma ou duas
personalidades “independentes”, que já tivessem dado provas de fidelidade aos
ditames partidários “responsáveis” e não fizessem correr o risco aos partidos
do novo governo de com eles se incompatibilizar.
Por que é que isto não pode ser feito agora, tal como Passos
Coelho propõe? Obviamente porque a dupla Gaspar-Coelho já está com os pés para
a cova não fazendo qualquer sentido que o PS “comprometa” uma futura, e pelos
vistos breve, chegada ao poder para salvar um exercício que já não tem qualquer
possibilidade de se manter sequer apoiado nas suas próprias forças.
Segundo Assis, o PS até poderia ter tido outra atitude, se
Passos tivesse falado mais cedo – aí há quatro ou cinco meses. Agora, não. É
uma explicação convincente, do género: “Tinhas razão, mas como falaste alto,
perdeste-a…”.
Ora bem, postas as coisas nestes termos, em que consistiria o
tal “compromisso histórico” por que tanto anseiam importantes sectores do PS? A
resposta não pode deixar de andar à volta de uma variante da actual política
para que apontam certas forças político-económicas que se estão dando conta da
catástrofe em que estão a cair certos países europeus e que por arrastamento se
pode estender a vários outros. Dela demos notícia no post: “Medidas de
crescimento”.
Recapitulando, Passos Coelho (Gaspar) depois de ter dado
prioridade à redução do défice externo, em 2011, 2012 e 2013, com base nas
medidas que se conhecem e que tiveram os efeitos que todos estamos a viver,
quer agora reduzir o défice fiscal (orçamental) mediante uma brutal redução da despesa
pública na Saúde, na Educação e na Segurança Social, objectivo para cuja consecução
“convocou” o PS na base da já tão glosada “Refundação do programa da Troika”.
Pelas razões já referidas o PS diz não. E o que propõe em
troca? Segundo Assis, um novo governo constituído após eleições com a
composição acima indicada e com o seguinte programa: cortes substanciais na
despesa, no quadro de uma estratégia de promoção da competitividade, e
abaixamento da carga fiscal. Ou seja, é um programa exactamente idêntico ao que
o FMI e outras organizações económicas internacionais foram há dias “vender” a
Hollande e a Merkel.
Tudo isto já foi experimentado na América por Reagan e W. Bush
com resultados que não serão necessariamente tão destrutivos como os que agora
estão a produzir-se, mas que levariam inevitavelmente à “refundação” do Estado
Social, pela razão simples de que as margens de recuperação económica que
porventura houvesse continuariam a ser totalmente “consumidas” pelos encargos
da dívida pública que cresceu exponencialmente na governação Passos Coelho, na
sequência, aliás, do que já vinha acontecendo, embora em menor escala, desde
finais de 2007.
Este “compromisso histórico” que para muitos corresponderia a
uma evolução natural das políticas que o PS pôs em prática durante os seus
mandatos de Governo, não representando, portanto, compromisso nenhum, também
não constituiria para o PSD, sem Passos, algo que sequer o violentasse já que o
seu pragmatismo político sofre muito mais com as receitas de Gaspar do que com
as propostas de Assis.
Enfim, o que Assis teima em não querer ver é que, dentro do
euro, qualquer política que não ataque radicalmente a “questão da dívida” é uma
política votada ao fracasso, ao sacrifício, ao atraso e, pior que tudo, à perda
de um tempo precioso que entretanto poderia ter sido gasto caminhando noutro
sentido.
Historicamente a problemática da dívida é uma questão
complexa que não tem solução simples. Já vários países passaram por situações
semelhantes em diferentes épocas históricas, nós inclusive, mas o que historicamente
nunca tinha havido era uma situação de excessivo endividamento contraído no
quadro de uma união monetária constituída por países teoricamente independentes,
ou mais correctamente: com economias separadas – tantas quantos os membros dessa
união.
Esta é uma situação nova. Uma situação em que os endividados
ficam completamente nas mãos dos credores e dos países economicamente mais
fortes que os representam, tanto no que respeita às suas relações económicas
externas como internas. Qualquer tentativa de atenuação da situação dos
devedores, no quadro da União Monetária, concebida a partir de uma estratégia nacional
esbarra fatalmente na ausência de soberania monetária e dos múltiplos
instrumentos que a ela estão ligados. De modo que neste contexto a solução só
seria possível se contasse com a excepcional boa vontade dos credores ou com a
sua profunda racionalidade. Como nem uma nem outra coisa existe, já que a
racionalidade do capitalismo é a conjuntura, quando muito o curto prazo, nunca as
consequências a longo prazo, porque nessa dimensão o capitalismo, embora por
razões opostas, entende como Keynes que a “longo prazo estamos todos mortos”. E
como boa vontade é coisa que nestas matérias ninguém tem, a única solução é a que,
partindo dos constrangimentos impostos pelos pressupostos que nos enleiam, ataque
esses mesmos pressupostos, rompendo com eles. Enquanto eles se mantiverem, a
crise da dívida não só não tem solução como afundará irremediavelmente o país,
seja com Passos Coelho seja com o “compromisso histórico” de Assis.
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