quarta-feira, 29 de maio de 2013

O ACORDO ORTOGRÁFICO



A DIVISÃO DAS ÁGUAS

Fui contra o acordo ortográfico desde o princípio. Mas só a partir do momento em que se tornou praticamente inevitável a sua entrada em vigor, ou seja, depois da publicação do Segundo Protocolo Modificativo é que “fui à luta” no Politeia, há cerca de quatro anos, publicando sobre o assunto três ou quatro textos.

Analisei a questão no plano político, jurídico e da língua, apesar de este último ser aquele em que naturalmente me sentia menos à vontade. Tinha, porém, a meu favor o facto de conhecer razoavelmente o Brasil, a sociedade brasileira, alguma coisa da sua literatura, do seu movimento editorial e acima de tudo o português que lá quotidianamente se fala na rua, na televisão e na rádio, bem como o que diariamente se escreve nos jornais. E por isso me aventurei a falar de um domínio que não era o meu.

Simultaneamente, na direita intelectual mais reaccionária, como é o caso de Graça Moura, ia-se travando uma intensa batalha contra o Acordo Ortográfico, cujo ponto alto me parece ser o livro do autor acima citado – Acordo Ortográfico, A Perspectiva do Desastre. Entretanto, a reacção contra o Acordo foi-se estendendo a outros sectores da sociedade portuguesa, não conotados com a direita, embora à medida que o protesto engrossava fossem escasseando os argumentos que verdadeiramente o justificava, pontificando muito claramente a partir de determinada altura uma perspectiva puramente conservadora que em si não serve para justificar absolutamente nada.

O próprio Graça Moura, que no princípio tanto se esmerou na busca de argumentos para a rejeição do Acordo, inclusive de natureza jurídica, chegou mais tarde a dizer num artigo no DN – creio que já este ano ou no fim do ano passado – que o Acordo era uma traição aos nossos clássicos!

Enfim, como Graça Moura quando fala politicamente frequentemente raia o absurdo, tal o fundamentalismo dos seus argumentos, nem sequer vale a pena responder a esta “brilhante” objecção.

Também me não seduziu o recente texto de outro brilhante intelectual da direita – Pedro Mexia, politicamente muito mais ágil que Graça Moura – e que tão badalado tem sido nas redes sociais e até replicado por muita gente de esquerda. Claro que o texto – O Aleijão - está bem escrito, como todos os textos de Mexia, é aparentemente sedutor, relativamente irónico, mas a mensagem fundamental que dele se extrai é uma mensagem claramente conservadora, embora disfarçada pela tal agilidade política do autor que tem a manifesta preocupação de deixar claro que uma língua muda “espontânea, inevitável e constantemente”, tentando por esta via atenuar o conservadorismo da mensagem, apesar de ele saber muito bem quão difíceis e lentas são essas mudanças nos tempos em que vigora a norma ortográfica. Por outro lado, no texto de Mexia perpassa difusamente um certo sentimento de suserania perdida, apenas denunciado pelas escassas palavras que acabam o por o trair: “E agora ainda passámos pela humilhação de ter o oficioso “Jornal de Angola”a lembrar-nos que o “étimo latino” ajuda a compreender o percurso de uma palavra”.

É um pouco por estas razões, e também pelo facto de em política a direita nunca ser uma boa companhia que sistematicamente me tenho recusado a “juntar a minha voz” à voz dos intelectuais da direita, numa causa dita transversal.

De facto, o Acordo Ortográfico é politicamente uma imbecilidade (as razões aduzidas neste domínio para o justificar são confrangedoramente medíocres), é juridicamente uma aberração (na medida em que viola o princípio segundo o qual os acordos multilaterais restritos só entram em vigor depois de ratificados por todos os que o assinaram) e constitui no plano puramente linguístico um acto inútil, arbitrário e desigual. Realmente, como muito bem sabe quem conhece com alguma profundidade o português do Brasil, se algum ponto de contacto ele tem com o português de Portugal esse ponto é a grafia e depois a fonética. Em tudo o mais diferem radicalmente. Por isso, terá tanto ou tão pouco sentido negociar um acordo para uniformizar a grafia como teria a negociação de um acordo para uniformizar a fonética!

Por último, nesta luta contra o Acordo Ortográfico seria injusto não recordar o primeiro que em Portugal denunciou as suas arbitrariedades e, simbolicamente, o rasgou no Parlamento da primeira vez que o texto lá foi para aprovação – Jorge Lemos, ex-deputado do PCP.

 

 

20 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

A língua é conservadora, por natureza. Não o fora, e numa geração deixávamo-nos de nos conseguir entender. Por outro lado, a mania das actualizações tem como consequência, e bem grave, que cada vez nos distanciemos mais da cultura que ficou para trás, o seu acesso afunilado a um grupo de eruditos. Quanto à oposição ao AO pelos intelectuais de direita, pena tenho eu que o silêncio ou a cumplicidade "progressista" de gente de esquerda (felizmente, parece que começam a acordar da letargia, esperemos que não seja tarde)tenha transformado o VGM na cabeça de um movimento que devia ser de todos os que respeitam a língua e a cultura, e se opõem à sua venda por meia dúzia de patacos, que, afinal, nem meia dúzia serão. Por último, só num país habituado a ter um Estado repressor e intrusivo se acha normal que venha a AR legislar sobre tal matéria, com os votos contra, escândalo, mesmo, de 4 deputados! Coitado do Camões, de facto.

Anónimo disse...

A mim - posso desabafar? - essa coisa de 'esquerda' e 'direita' diz-me pouco...
Não, claro, que não existam, e cada vez mais, nem tão pouco que eu mesmo não me situe (na esquerda da esquerda, sempre, faz favor ), mas: quando invocadas em contextos afins do deste poste, fazem pouco mais sentido do que o corte epistemológico... Benfica/Sporting...
Não deixo aliás de notar a coincidência (acidental, espero) de que, em regra, aqueles que enchem a boca, a despropósito , com os termos que invoco no par. inicial são os mesmos a quem diz muito o referido corte epistemológico ...
Que a mim diz pouco (azar meu?), como ressalta do contexto.
A.M.

Alberto Jorge Silva disse...

Ora até que enfim! Estava a ver que nunca mais publicavas algo que me fizesse discordar de ti em toda a linha! Bem, toda, toda não - mas quase...
Mas deixa lá, que aquilo que me irrita é que governantes e parlamentares nem coisam nem saem de cima e deviam ter resolvido o assunto há muito, para um lado ou para o outro
Abraço
Alberto Jorge Silva

Alberto Jorge Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Não somos donos da nossa língua, meros utilizadores, e nessa medida parece-me que o Acordo Ortográfico já entrou em vigor para a maioria dos jovens falantes/escritores do português. Por isso ainda que doa aos mais velhos, o futuro reside nos primeiros.

JM Correia Pinto disse...

Camões, Ana Cristina?

Anónimo disse...

A oposição anti-acordo é transversal a toda a sociedade portuguesa. E os poucos que são a favor (uns 15%?) também vão da direita (a quase totalidade da direita mais conservadora, perto do integralismo, é uma fervorosa defensora do acordo - quem sabe, para reviver o império do Sr. D. João VI) à esquerda, cimentados pela pertença às maçonarias que foi quem incentivou 1911 e 1990, - - o maçon basileiro Sarney.
As ideias que estão por trás, que nasceram no séc. XVIII, estão hoje completamente postas de parte. Numa sociedade moderna e democrática, uma "reforma" ou "acordo" ortográfico apenas pode servir para reconhecer oficialmente - para quem não dispense o Estado nestes assuntos - o que já é praticado consensualmente. Foi o que aconteceu em Espanha.
O que nunca se viu fora de Portugal foi a mudança imposta de milhares de palavras. Isso nem o pior dos totalitarismos fez e em 1911 foi possível numa sociedade rural em que o analfabetismo era de 75% (o número do Brasil de hoje!). Hoje deve ser tratado como é: um crime perpetrado pelo estado contra o património cultural de uma comunidade.

JM Correia Pinto disse...

Eu sabia que este tema não era fácil. Não apoio o AO nem escrevo segundo as suas regras pelas razões que indico no texto. Mas não teria nada a opor a um novo acordo ortográfico que simplificasse a grafia sem prejudicar a fonética. Para além de o actual AO não uniformizar coisa nenhuma - nem isso seria politicamente possível - ele tem contra si a inevitável e grave consequência de ensurdecer a língua. E a minha convicção - sem saber nada do assunto - é que uma língua só com consoantes tende a morrer. De facto, é incrível como o português que hoje se fala em Portugal, depois do advento das televisões e da primazia nelas de um modo de falar do centro-sul para baixo, ensurdeceu a língua pelo sistemático fechamento das vogais que a passagem do tempo, infelizmente, só tem acentuado. Basta comparar os registos fonográficos de há mais de meio século com a pronúncia de hoje para imediatamente se perceber que há um acentuado ensurdecimento das vogais a ponto de este novo modo de falar já ter inclusive contagiado a própria pronúncia do Norte.
Creio que o fechamento das vogais torna a língua falada em Portugal menos audível para os demais falantes de português e mais difícil de compreender pelos estrangeiros do que o português do Brasil ou de Angola.
Já a incidência do acordo na questão etimológica me parece menos importante. Primeiro, porque o português, embora provenha predominantemente do latim, tem outras origens (grega, árabe, germânica, etc.), origens relativamente às quais já estão hoje muito afastadas as palavras delas provenientes e nem por isso a ligação deixa de ser feita pelos especialistas e depois, porque, no que toca aos étimos latinos, eles não deixam de ser identificados (pelos especialistas) pelo facto de a grafia se simplificar. E digo especialistas, porque hoje, infelizmente, o latim deixou de ser estudado pela generalidade dos estudantes.
Creio que as razões pelas quais a direita rejeita o Acordo vão muito para além disto. Antes de mais a direita quer conservar a grafia actual como um valor em si e depois rejeita o acordo porque se não conforma com a ideia de deixar de ser a “dona da língua”. O que em si é logicamente incompreensível e politicamente desastroso.
É logicamente incompreensível, porque se a ideia é conservar por conservar, se não pode haver um acordo ortográfico, por que razão escrevemos segundo a grafia do de 1944? (creio que é de 44) Por que não continuamos a ensinar e a ler o Eça segundo a grafia da época ou o Pessoa segundo a grafia das primeiras décadas do século XX? Isto, para não ir mais atrás. Já não digo a Fernão Lopes, mas a Camões, por exemplo. Portanto, há aqui duas questões: uma, a simplificação da grafia (todas as línguas o fazem...até o chinês); outra, a conservação pela conservação. A simplificação, porém, não pode, como já disse, desprezar a fonética...
E é politicamente desastroso, porque essa ideia de que somos os “donos da língua” levará inevitavelmente à autonomização da língua que se fala no Brasil como língua brasileira.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Eu concordo quase integralmente com o autor do Blog, apesar de não ser linguísta, escritor, político nem jurista.
Esta dos "proprietários" da língua, ou da matriz da língua como diz o M.S.Tavares, é de um provincianismo insuportável!. Pessoalmente dou pouca importância ao Acordo, tudo nele foi mal conduzido a culminar com a actual situação de ter entrado em vigor em Portugal e os brasileiros estarem a considerar não o aplicar(?).
Para além de achar irritantes os argumentos do "proprietários", que, pelo que alguém escreve acima, serão 85% dos habitantes do exíguo rectângulo, também acho muito discutíveis as razões dos defensores, a todo o transe, das anteriores regras ortográficas. Alguém entende a ortografia do Bocage? Que dirá a isto o dr V.G. Moura? Eu tive colegas que sempre barafustaram com alterações impostas algures nos finais de 40!.
Outro aspecto que o dr. Correia Pinto refere e poucos portugueses se dão conta é o progressivo "fechamento" fonético do português daqui, depois não compreendem (chaman-lhes chauvinistas, ouvidos duros..) porque é que os espanhóis têm muita dificuldade em nos entender e, sobretudo, os brasileiros.
O dr Correia Pinto não fala, mas a mim parece-me que os defensores do acordo agiram no início dos anos 90 com motivações sobretudo políticas. O português reduzido aos "proprietários" e guardiães (do quê?) da "matriz" europeia não teria qualquer relevância internacional, seria um idioma com a importância do húngaro, servo-croata etc. Ora, no princípio dos anos 90 (?), houve no Brasil um movimento, inclusivé com influentes políticos do Congresso, que defendia a tese de que o Brasil já não falava "português" , consequentemente deveria deixar de ser oficialmente um país lusófono. Já lá vai muito tempo mas parece-me que foi também isto que motivou defensores do AO, inclusivé no meio académico como o prof. Malaca Casteleiro, daí que não podendo assumir esta motivação (a principal) a defesa se apresentava sempre algo froxa e tibuteante, isto foi a ideia com que fiquei. Quer dizer, houve a sensação de que a língua só teria significado no contexto internacional com o "interland" sul-americano, o que não deixa de ter alguma lógica..
Resta Angola e talvez Moçambique. Mas a verdade é que naturalmente ( a mim parece-me natural) o falar dessas populações, mesmo que o português vingue (em relação a Moçambique será duvidoso), cairá mais para uma fonética próxima da brasileira. E já agora poderá Portugal igualar a crescente influência cultural (e não só) do Brasil, sobretudo em Angola? Claro que não!
Finalmente, acompanho inteiramente o autor na referência à infelicíssima tirada do Mexia. Veja-se bem que ao que a língua portuguesa chegou: ter que ser defendida pelos "cafres", não o disse mas é o que lá está!
lg

Anónimo disse...

JM Correia Pinto,

E o Cavaco e o Santana Lopes, que foi quem impôs o acordo (as tais "pressões no Brasil" que a cavacal figura deixou escapar) são grandes figuras da esquerda.

Querer encostar a posição anti-acordo à direita é um erro fáctico, apenas atribuível à aceitação de um "slogan" de propaganda pró-acordo e uma injustiça grave para a esquerda portuguesa. No manifesto - que reuniu mais de cem e vinte mil pessoas - encontra entre os primeiros signatários o nome do Prof. Vitorino Magalhães Godinho. E o Prof. Doutor Barata Moura, acérrimo opositor, não me parece que seja um perigoso reaccionário que se julga "dono da língua portuguesa" - outro "slogan" propagandístico.

Aliás, esse argumento, vai perdoar que lhe diga, não tem qualquer cabimento, porque não vi nunca qualquer português, querer impor seja o que for aos brasileiros (e Angola e de Moçambique, sempre estranhamente ausentes da discussão, como a sua oposição ao acordo fosse uma questão de somenos, também se queriam portar como donos da língua?) Ao contrário, o Prof. Houaiss declarou e pode ser consultado no Youtube que os portugueses cederam mais do que os brasileiros e, de facto, o número de palavras modificadas em Portugal seria (cálculos conservadores) 8 vezes superior ao do Brasil. Se há alguém que usa a língua para fins políticos nacionalistas e xenófobos (outra acusação feita aos que se opõem ao acordo, a denunciar uma bem montada campanha de desinformação) não é Portugal: Antônio Houaiss, o pai do acordo, explicou ao «Folha de S. Paulo», em 11 de Maio de 1986, porque é que os brasileiros rejeitaram o acordo de 1945: «Sentimos que a ortografia de 1945 era lusitanizante». E o brasileiro Prof. Doutor Maurício Silva num artigo intitulado REFORMA ORTOGRÁFICA E NACIONALISMO LINGÜÍSTICO NO BRASIL elucida: "A década de 1920 é de particular importância para a afirmação do nacionalismo lingüístico brasileiro (...) o que se pode perceber já nos títulos de alguns livros que inauguram a mesma (por exemplo, A Língua Nacional de João Ribeiro, publicado em 1921). Essa afirmação nacionalista dava-se em geral pela via da negação do estatuto lusitano da língua portuguesa".
Quem acarinhou tal ideário da Língua Nacional foram os proto-fascistas brasileiros...
Aliás, exactamente ao contrário do que é dito, a direita mais conservadora portuguesa é acérrima defensora do acordo.
E o Malaca bem diz que o acordo não tem nada de linguística, que é tudo política (sic!)...
(cont).

Anónimo disse...

cont
Pergunta JM Correia Pinto: "Por que não continuamos a ensinar e a ler o Eça segundo a grafia da época ou o Pessoa segundo a grafia das primeiras décadas do século XX?"
Bem, isso é exactamente o que os franceses e os ingleses - entre outros - fazem: as ortografias dos idiomas francês ou inglês não conheceram qualquer mudança desde o tempo em que Eça de Queiroz escrevia o Crime do Padre Amaro e hoje aprendem, tal qual como as crianças da escola de 1880 aprendiam.
Porque motivo não o faríamos nós?
Simples: a evolução da ortografia consiste na sua estabilização a qual, por sua, vez, depende do grau de literacia do país: quanto mais mais elevada a escolarização, e culto o país, mais consistente o acesso à norma, e menos mudanças de ortografia, já que não há erros. Erros ortográficos como é comum aqui até na imprensa (até antes de de 2009) são algo de desconhecido e impensável já ali na vizinha Espanha.
E há alguma vantagem numa "simplificação"? A ideia parece ser uma sobrevivência de concepções dos sécs. XVIII e XIX que hoje serão uma pseudo-ciência: os linguistas que em 1911 queriam libertar a língua das "grilhetas da ortografia etimológica" acreditavam nas teorias de Lombroso e houve legislação que tornou obrigatória a medição do crânio, para averiguar das "taras" dos criminosos... Diziam que era a evolução da ciência e até esteve prometido um código penal com base em tais avanços científicos...
Seria preciso, por isso, saber o que é "simplificar" e se essas aparentes "simplificações" produzem resultados. Escrevemos filosofia enquanto dantes se escrevia philosophia. Ora, para além de filosofia não ser mais fonético do que philosofia (já que o som é o mesmo! http://criticanarede.com/ed1.html) , podemos hoje proceder a "medições": os alemães, os franceses e os ingleses conservam o ph e em Portugal e no Brasil, escreve-se filosofia. A investigação filosófica ganhou naqueles países alguma coisa com a mudança? Não, seguramente. Nem a aprendizagem: Portugal está separado da vizinha Espanha por 21 (sic) paises nos índices de analfabetismo e o Brasil está muito abaixo de alguns países africanos que não possuem os recursos daquela país. A verdade é que tais "simplificações" de nada adiantam: a apreensão da palavra é feita de modo global e não letra a letra. Por isso, letra a mais ou a menos em nada ajuda ou "simplifica". O que acontece é perde-se informação, porque desaparecem elementos que estão presentes em todas as palavras da mesma família: estupefacto e estupefacção e não estupefacto e "estupefação".

Sobre o papel modernamente reconhecido à etimologia, aconselha-se vivamente Why is there a "b" in doubt? - Gina Cooke ( http://www.youtube.com/watch?v=YvABHCJm3aA ).


Resta então o "problema" autonomização da língua brasileira. O que se pode dizer desde logo é a é questão não é nova. As discussões datam de... 1823 (sic - http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252005000200016&script=sci_arttext )
Parece claro que apenas o intercâmbio cultural efectivo pode evitar um afastamento natural e que já existe no léxico e na sintaxe.

Anónimo disse...

Quanto às questões de rótulo, não parece que o Brasil, que tem grandes e antigas ambições de representação e lugares em organismos internacionais, pretenda a "língua brasileira": é que tal crisma faria desse novo idioma uma língua de um só país enquanto que o português de Portugal, Angola, Moçambique e Timor é, tal como está, uma língua internacional falada em 3 continentes - e sem qualquer distinção de ortografia ou sintaxe.
De resto, Isabel Pires de Lima, que terá capitulado no governo que criou esta situação lamentável, bem explicava que o que faz o estatuto de uma língua internacionalmente são, unicamente, os conteúdos que veicula. E conteúdos de qualidade conseguem-se com trabalho diário, anónimo, persistente, não com fogo de artifício legislativo.
P.S. Este "acordo" é um claro crime de aculturação e, ao introduzir o caos ortográfico no país - onde não existia qualquer problema - e criar um diferença artificial entre o português de Portugal, Angola e Moçambique, um crime político que não pode escapar impune.

Anónimo disse...

"Alguém entende a ortografia do Bocage?!"
Bocage é da mesma altura de Wordsworth ou Coleridge... pouco mais velho que Byron ou Lamartine e a ortografia do inglês e do francês em nada mudou.
Bocage é completamente entendível - assim se saiba entendê-lo.

"O português reduzido aos "proprietários" e guardiães (do quê?) da "matriz" europeia não teria qualquer relevância internacional"

Como disse, o que interessa são os conteúdos: Fernando Pessoa ou Saramago - são universais.
Em contrapartida, e com alguma estranheza, o Brasil nunca produziu uma figura das letras que se possa comparar dom estes dois autores portugueses. A Bolívia tem Marquez, o México Paz, o Perú, Llosa, o Chile Neruda, a Argentina Borges - nomes reconhecíveis no mundo inteiro.
A relevância de um país é feita dos conteúdos.

O acordo e o processo da sua imposição é obra da mediocridade política da Cavaco, Santana e Sócrates e da maçonaria - que julga estar a construir o governo mundial com que sonha - e de que os brasileiros, se serviram para imporem o acordo a Portugal.

O sono da razão gera monstros - e o acordo é um deles.

Anónimo disse...

Com humildade, peço-lhe, Senhor Dr. José Manuel Correia Pinto, autorize que o felicite não só pelo seu desejável, porque necessário, artigo de opinião, como também pelo comentário complementar. Muitos portugueses ficar-lhe-ão agradecidos por verificarem que estavam certos, rejeitando essa aberração ortográfica que lhes repugna utilizar. È que muitos portugueses que frequentemente visitam o seu importante blogo o fazem, não só por considerarem actuais e pertinentes as suas denúncias, esclarecimentos e opiniões, mas também pela maneira irrepreensível como escreve, num Português sem mácula e num estilo que muitas vezes nos faz lembrar Eça ou Vieira. Possuidor duma superior formação académica e cultural, grande independência, credibilidade e tolerância no que escreve e como escreve, o Senhor Dr. José Manuel faz com que os artigos que escreve sejam, por assim dizer, de leitura obrigatória. Oxalá que esta denúncia contra o abastardamento da Língua Pátria seja o ponto de partida para se dizer não! a um poder antidemocrático e autoritário que Va. Exa. vem denunciando. Por outro lado, parece-nos não poder ter efeito legal a ortografia decorrente da Resolução do Conselho de Ministros de 8/2011 a qual, apenas, vinculava o Governo mas que os políticos, com destaque para a A. da R., P.. da República e , pasme-se, até o D. da República se esforçam por impor ao Povo Português. Forças poderosas ligados a interesses obscuros e às grandes editoras , tudo leva a crer, estarão na sombra desta sórdida operação, na mira de ganharem muito dinheiro, e para quem a Língua Portuguesa não vale nada, pois só o dinheiro conta.
Por outro lado, fala o Senhor Dr.José Manuel na evolução natural da língua. Nada de mais real. Todavia, essa evolução faz-se sempre a partir do falar e nunca do escrever, isto é, nunca evolui por supressão de vogais ou consoantes que,embora não se pronunciando, se encontram em certas palavras cuja função e de não se fechar a pronúncia, como Va. Ex. muito bem observou, ou de se poder discernir o seu étimo, muito importante na formação de palavras composta, derivadas, neologismos, etc. A tentativa de os poderes ligados ao dinheiro quererem impor essa ortografia aberrante vai ao ponto de, muitas vezes, em notas de rodapé na TV, as pessoas falarem, nas conversas com os jornalistas, utilizando palavras como, por exemplo “sector” “característica” (elas mesmo pronunciando “sequetor” e “caraqueterística”) e aparecer na dita nota de rodapé “setor” e “carateristica”, adulterando completamente o que o entrevistado pronunciou. Existe uma tentativa desesperada em tentar impor essa ortografia e , quando pessoas como o senhor Santana Lopes ou o Prof. Marcelo de Sousa, com o devido respeito, andam embevecidos e apoiam essa errada ortografia, só por isso, deve-se logo desconfiar dela. Para os mentores de tal aberração a gramática também nada conta: a fonética é arrasada; palavras homónimas, homófonas e homógrafas passariam a não existir, ou, no mínimo, passava tudo a homónimas; deixaria de haver palavras parassintéticas; Egipto e egípcio, por exemplo, passariam a não ter qualquer relação entre si, isto é, passariam a ser palavras independentes, pois se uma é “Egito” e a outra é “egípcio” esta não deriva daquela, etc. ,etc. Peço desculpa, Senhor Dr. José Manuel, por este longo comentário, pedindo-lhe compreensão, benevolência e aceite os meus sinceros cumprimentos.



O Puma disse...

Excelente a sua tese acerca do desacordo ortográfico não sufragado tal qual a adesão ao euro.
Na verdade as direitas políticas
mesmo as que se dizem democráticas
são estrábicas por natureza
pensam que são os mercados quem mais ordena e assim de cócoras
se vendem e ao património que é de todos.

Cumprimentos e grato

António disse...

Não se trata de mero reaccionarismo ou conservadorismo. Que o processo seja ilegal e que a decisão seja politicamente ilegítima são acusações pertinentes e merecedoras de notável alerta, mas é na senda do pragmatismo que enferma os nossos tempos que encontramos a justificação dessa aberração. É o carácter sui generis da língua enquanto regeneração — viva, sempre viva — daquilo que me permite exteriorizar o que me ocorre pensar que inevitavelmente rotula o "açordo ortopédico" (a delícia é da autoria de Barata-Moura) de absurdo. A língua não se legisla porque ela não é o resultado dum cálculo matemático, na medida em que ela não é, nunca, por definição — ela é constituída por um processo histórico de tentativa de descrição do mundo —, cristalização simplificada dessa coisa que é a comunicação e, em última instância, o pensamento. Não concordar sobre o que é a realidade e acordar diluir as experiências que influenciam o nosso pensar e que articulam a sua complexidade é patético. Mais: não ser um e acordar uniformizar é querer a derrota. É decidir a favor do solipsismo, que é, de resto, o espaço sem espaço dos que decidiram isto. E o solipsismo e o totalitarismo andam de braço dado. "Da minha língua vê-se o mar", como disse Vergílio Ferreira, e não a Amazónia.

António disse...

Eis um texto brilhante de José Gil a respeito do "açordo":

http://ilcao.cedilha.net/?p=4594

Anónimo disse...

É muito difícil encontrar um sítio na internet onde os opositores do Acordo Ortográfico demonstrem que sabem do que estão a falar. Geralmente refugiam-se em textos mais ou menos pseudo intelectuais. Este blog não foge à regra. Se querem realmente ficar devidamente informados aconselho a consulta deste endereço: http://emportuguezgrande.blogspot.pt/

Anónimo disse...

Vejam este blog: http://porumnovoensino.blogspot.pt/2014/09/discordo-do-acordo.html