O QUE AINDA NÃO ESTÁ DITO
Está quase tudo dito sobre Passos Coelho e sobre a Tecnoforma.
E, de uma maneira geral, bem dito.
Que é impossível que alguém se não lembre de ter trabalhado
de graça para uma empresa durante vários anos. Ou que alguém se não recorde de
ter recebido, regularmente, de outrem durante vários meses uma remuneração
igual ou superior ao salário do emprego conhecido.
Que a Tecnoforma é apenas uma pequena amostra das incomensuráveis
vigarices que neste país se fizeram com os fundos comunitários destinados à
formação profissional.
Que foram os que estavam mais próximos do poder os principais
beneficiários das vigarices da formação profissional.
Que o que se passou com a formação profissional se passou em
todas as áreas onde houve subsídios.
Que essa gandulagem que andou manifestamente a viver acima das
suas possibilidades é substancialmente a mesma que agora nos diz que fomos nós “andámos
a viver acima das nossas possibilidades”.
Tudo isto e muito mais que sobre o assunto se poderia dizer
está dito. Mas também está dito que a responsabilidade de Passos Coelho, a ter
existido, prescreveu. Que prescreveu a responsabilidade penal e também a
responsabilidade fiscal. Só não prescreveu…porque essa nunca prescreve, a
responsabilidade política.
E toda a gente espera que um dia destes apareça nos jornais uma
fotocopiazinha da folha de vencimentos da Tecnoforma ou qualquer outra prova da
entrega de determinada quantia a Passos Coelho.
A minha opinião – e creio que é também a opinião de Passos
Coelho – é que esse papelinho não vai aparecer. E não vai aparecer por uma
razão muito simples: é que se tivesse que aparecer já tinha aparecido. O
jornalismo português sofre penosamente daquilo a que se poderia chamar “ejaculação
precoce”. Não investiga bem, ou seja, não perde muito tempo nos preliminares,
nem se aguenta para exibir no momento oportuno a prova decisiva. Pelo
contrário, vem com ela logo à cabeça…
Portanto, a minha profunda convicção é a de que essa prova
não vai aparecer. E, todavia, há meios para a fazer aparecer, caso ela exista.
E aqui é que está o que ainda não foi dito pelos doutos
juristas que sobre o caso se têm pronunciado. É que se Passos Coelho recebeu de
facto – continuamos a falar no condicional – regularmente da Tecnoforma uma
determinada remuneração há uma responsabilidade (jurídica) que ainda não está
prescrita: é a responsabilidade civil.
Explicando para leigos e muito sumariamente: se Passos Coelho
não desempenhava as funções de deputado em regime de exclusividade e reclamou o
subsídio de reintegração, ele recebeu um subsídio a que não tinha direito.
Consequentemente, tem de restituir ao lesado, que é o Estado, o indevidamente recebido.
Os interesses do Estado são defendidos judicialmente pelo
Ministério Público que tem a obrigação de investigar por todos os meios ao seu
alcance se de facto houve ou não um dano causado ao erário público. Não se trata
de apurar a responsabilidade penal ou fiscal do suspeito. Trata-se tão-somente de
apurar se houve ou não um dano patrimonial infligido ao Estado. A ter existido, esse dano é facilmente avaliável: ele corresponde ao
enriquecimento indevido de quem se locupletou injustamente à custa alheia.
Esta responsabilidade só prescreve ao fim de vinte anos. O
Ministério Público está, portanto, muito a tempo de actuar. E justifica-se que
actue porque há fundadas suspeitas de que esse dano poderia ter existido.