A RÚSSIA NÃO VAI
ABANDONAR O LESTE RUSSÓFILO
Mesmo sem ter muita
informação sobre o que se passa na Ucrânia parece evidente que as coisas não
vão ficar assim. A Rússia vai tentar, embora não possa esperar muito mais
tempo, que a Ucrânia se federalize com ampla autonomia das regiões federadas.
Acontece que os guerreiros da NATO não estão pelos ajustes. Querem a presa por
inteiro, embora estejam com dificuldades em encontrar entre os seus principais aliados
europeus quem esteja disposto a morrer pela Ucrânia e, muito menos, a incendiar
a Europa, por muito que isso custe às “teresas de souza”, aos “severianos
teixeiras” e aos “rasmussens” espalhados por essa Europa fora carpindo a
nostalgia de uma orfandade que não vêem como possa ser preenchida.
A Rússia tem contra si
a acção concertada das grandes potências ocidentais, mais as “traições”
daqueles que nestes momentos se apressam e aprestam a tirar partido da
situação, susceptível de lhe causar dano económico, agora e no futuro próximo, e,
internamente, de uma camada social gerada pelo desenvolvimento económico e
social entretanto ocorrido que não será seguramente muito favorável à guerra,
por mais que a “alma russa”, no recôndito das suas consciências, lhe segrede o
contrário.
Todavia, não havendo
hipótese de os interesses russos virem a ser tomados em conta pela via negocial,
não só por essa ser a estratégia da NATO, mas também por o governo de Kiev ficar
descredibilizado caso faça concessões, a Rússia vê-se confrontada com duas
situações qualquer delas politicamente muito onerosa. Ou deixar aniquilar a sua
influência no leste, entregando os russófilos e a Ucrânia em geral à extrema-direita
nazi-fascista em aliança com a NATO ou intervir para impor pela força o que uns
e outros não querem conceder pela via das negociações.
Não é crível que a
Rússia queira anexar o Leste da Ucrânia. Resolvida a questão da Crimeia, que
foi um simples e rápido reajuste de contas, à Rússia interessa uma Ucrânia
federal com ampla autonomia das partes. Para isso, muito provavelmente, vai ter
de intervir, logo que a extrema-direita cometa a primeira barbaridade. Só que a
intervenção tem de ser rápida e eficaz. Uma guerra prolongada, do género guerra
civil, não seria do interesse da Rússia.
Estes parecem ser os
factores que estão a pesar na decisão da Rússia e não tanto o que diz Obama,
Merkel ou Rasmussen. Depois de concluir que nenhum destes recua, à Rússia só se
põe o problema da eficácia e da rapidez da actuação. Terá meios para isso? O
futuro não muito distante o dirá….
Este post foi escrito em 16 de Abril, mas não foi publicado.
Necessitava de certos “complementos” que não tive possibilidade de fazer por
entretanto me ter ausentado. E depois, como tantos outros, foi ficando no
“arquivo”…
Cerca de cinco meses depois a situação não difere substancialmente
da que aqui se perspectivou. Mas há diferenças que devem ser assinaladas. Entre
intervir directamente ou fazê-lo por intermédio dos separatistas, a Rússia
optou claramente por esta segunda via. Ela tem teoricamente a vantagem de
salvaguardar os princípios e simultaneamente preparar o terreno para uma
solução negocial. À semelhança do papel desempenhado pela Alemanha (e pelo Papa
Woytila) no desmembramento da Jugoslávia, mais tarde com o apoio dos próprios aliados
tradicionais da Sérvia, também a Rússia apoiando e incentivando os separatistas
do leste da Ucrânia aponta para uma das duas únicas soluções que politicamente
pode aceitar.
De facto, como se escreveu no post “Voltando à Ucrânia”, de 26 de Março, a Rússia só aceitará uma
das duas seguintes soluções. “Ou uma Ucrânia neutralizada à finlandesa (sem
quaisquer veleidades de integrar a NATO) e federalizada com ampla autonomia das
componentes federadas, nomeadamente as regiões do leste (…) ou, segunda
alternativa, ver-se obrigada a ir em auxílio da população russófona ameaçada de
marginalização e hostilizada pelas milícias nazi-fascistas de Kiev e da Ucrânia
Ocidental, ficando, neste caso, a Ucrânia praticamente circunscrita ao
território antes integrado na Polónia entre o fim da Primeira Guerra Mundial e
o começo da Segunda”.
Aparentemente a Rússia tem dado sinais de que aceitaria a
primeira que é aquela que tende a salvaguardar a integridade territorial da
Ucrânia, tal como Staline a concebeu, depois da II Guerra Mundial, no interior
da URSS. Mas pode ser empurrada para a segunda pelo fundamentalismo dos grupos
que apoiam o primeiro ministro ucraniano, ou que este se esforça por cativar e
também pela agressividade e expansionismo da NATO que não desiste de estender a
sua esfera de influência a áreas potencialmente explosivas do leste europeu.
A via escolhida pela Rússia tem, porém, múltiplos inconvenientes
e poucas ou nenhumas vantagens relativamente à que resultaria de uma
intervenção directa, eficaz e de curta duração, limitada aos objectivos
pretendidos. Os inconvenientes maiores são os que resultam do arrastamento do
conflito e da consolidação no interior da NATO da ideia de que pode opor uma
resistência eficaz aos objectivos de Moscovo, favorecendo com o passar do tempo
as teses mais belicistas da Aliança Atlântica. E vantagens não tem praticamente
nenhumas, porque dificilmente seria concebível uma reacção ocidental diferente,
para pior, da que está ocorrendo em consequência do apoio aos separatistas, que
a NATO interpreta como simples “agentes de Moscovo”.
O recente acordo de cessar-fogo entre a Ucrânia e a Rússia,
ou, mais correctamente, a aceitação por parte da Ucrânia das condições propostas
pela Rússia para que possam ser encetadas negociações entre o governo de Kiev e
os separatistas não significa que o conflito se esteja aproximando do fim. Kiev
já não tem autonomia para negociar o que quer que seja. Neste momento depende
exclusivamente do apoio ocidental e este, ou seja, a NATO, não enjeitará
nenhuma hipótese de avançar no cerco à Rússia ao menor sinal de fraqueza de
Moscovo.
Daí que a situação continue a ser potencialmente perigosa não
tanto pelo que se vai passando no “teatro de operações”, mas por a liderança americana
estar a ser vista internamente como uma liderança fraca. E não há nada que mais
perigosamente comprometa a paz no mundo do que uma fraca liderança do
imperialismo americano. Um líder fraco tende, nos momentos críticos, a ficar à
mercê de influências nefastas. As oscilações de Obama a propósito da
crise da Ucrânia, nomeadamente na sua recente passagem pelos países bálticos e
as posições ai defendidas em clara violação dos acordos que levaram à
reunificação da Alemanha e à extinção do Pacto de Varsóvia, deixam antever um
Obama à deriva conduzido por “políticas de ocasião” de efeitos irreversíveis, a
menos que, no seio da Europa, se erga uma voz capaz de travar a
irresponsabilidade dos que encaram com normalidade um conflito com a Rússia.
Esta crise alimentada pelos extremismos reaccionários do
Leste europeu e apadrinhada pela irresponsabilidade de Obama, é uma crise na
qual a outra Europa tem muito a perder e nada a ganhar, por mais que a retórica
que politicamente a acompanha nos tente fazer crer do contrário. Mas é também uma
crise, qualquer que venha a ser o seu desfecho, que pode abrir uma brecha no
“totalitarismo neoliberal” tal como ele tem sido interpretado e aplicado na
União Europeia, principalmente na zona euro. Mas isso já terá de ser objecto de
um novo post…
3 comentários:
A UE, sob a ditadura da Alemanha, não teve também culpa do que se passou? É que teve o maior interesse em depor o governo anterior da Ucrânia para o substituir por um da sua cor.
Sim, mas depois recuou. Com excepção da política económica na UE, a Alemanha ainda não tem uma política externa consistente. Vai experimentando, vai vendo até onde pode ir...
Acho que do ponto de vista militar este acordo é sobretudo benéfico para Kiev que vê aqui uma abertura para reagrupar o seu esfrangalhado exército e libertar-se do abraço de urso dos separatistas sobre alguns milhares de homens do seu exército Serve também por enquanto à estratégia de Moscovo e reflecte de facto a posição defendida por Putin. Já para os separatistas sob o ponto de vista das posições no terreno, o cessar-fogo pode abrir brechas nas suas posições defensivas. Do ponto de vista humanitário é uma trégua bem vinda e permitirá aliviar o sofrimento das populações atingidas.
No entanto dois reparos. O primeiro é para sublinhar o facto que a destruição das vilas e cidades no Donbass atingiu tal magnitude e as baixas civis são de tal ordem que dificilmente se pode refazer a Ucrânia nas actuais circunstâncias. A segunda é que se tudo indica que esta trégua de facto é provisória, a próxima ofensiva de Kiev será muito mais coordenada e já sob a direcção ainda que não formal dos especialistas da Nato.Mais : A agressividade do dito Ocidente , com os EUA e a Nato à cabeça,com o avanço de sanções e com uma verdadeira barragem mediática não augura nada de bom para a paz naquela região; o extremismo do poder em Kiev, dos seus aliados no leste, a incapacidade de Obama e o fundamentalismo do verdadeiro poder na América em que os interesses do complexo militar-industrial se entrelaçam fortemente com os fanáticos defensores da guerra fria podem ser decisivos. A resposta da Rússia só pode então ser uma e aí todos os demónios se podem soltar.
De
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