DUAS FORMAS DE ANALISAR
O CONFLITO
Com o passar dos dias e o conhecimento dos factos, o conflito
gerado pela decisão de Timor Leste de expulsar os magistrados portugueses está
a passar gradualmente de um conflito diplomático entre Estados originado na
prática de um acto inamistoso e inesperado, para um conflito de natureza sócio-política,
em que intervêm considerações corporativas, baseado em factores de valoração ético-política
de vocação pretensamente universal.
Esta metamorfose, além de ser a que mais convém ao Governo
Português, é também aquela que menor legitimidade pode colher junto daqueles
que consideram a soberania como um dos valores supremos das relações entre Estados
e por extensão do Direito Internacional.
É a que mais convém ao Governo português porque com esta nova
configuração do conflito (que adiante explicitaremos mais em pormenor) ele pode
apresentar-se com vítima inesperada e indefesa de uma grave violação dos princípios
ético-jurídicos que “universalmente governam o mundo”. Ninguém indagará por que
razão um acto tão inamistoso e peremptório foi praticado de forma tão ostensiva
e unilateral contra o Estado Português, já que todos virarão o seu olhar acusador
para o violador dos tais “princípios universalmente aceites”.
Por outro lado, esta transformação da natureza do conflito fá-lo
perder legitimidade perante todos os defensores da soberania.
De facto, desde ontem passou a correr na imprensa portuguesa a
“verdadeira” justificação para a expulsão ordenada pelas autoridades timorenses
– os magistrados portugueses estavam a investigar casos suspeitos de corrupção
envolvendo um ou vários ministros do Governo de Timor Leste de cuja investigação poderia resultar
a prisão dos implicados. Para evitar esta eventual ou provável consequência, as
autoridades timorenses cortaram o mal pela raiz: expulsaram os magistrados
estrangeiros e entregaram o processo ou os processos a magistrados timorenses para
(subentende-se) os arquivarem.
A questão posta nestes termos ganha uma nova dimensão e
adquire uma nova natureza.
Ganha uma nova dimensão porque ela vai muito para além do que
sobre o assunto possa pensar ou defender o Estado português, para passar a compreender
também o que pensam sobre o assunto os magistrados portugueses e os seus órgãos
hierárquicos e representativos, eventualmente os magistrados de outros países,
e também todos os cidadãos e os media
em geral que legitimamente se sentem no direito de opinar sobre o que se passa noutros
países.
Adquire uma nova natureza porque de acto inamistoso e
inesperado para com um Estado, ela passa a ser encarada como uma violação grosseira
de “princípios universais” sobre cuja qualificação todos os que contra ela se
manifestam se sentem legitimados para a afirmar com base na natureza absoluta
dos “valores” alegadamente violados ou ofendidos.
E aqui é que bate o ponto. Esta nova maneira de encarar o
problema pode ser da maior importância para os timorenses ou mais incisivamente
para o povo de Timor Leste. Mas é também uma questão que têm de ser eles a
resolver. E sobre a qual a interferência dos outros Estados assume a natureza
de ingerência. Daí que o Governo de Timor Leste, com base em razões e em factos
que apenas ao povo de Timor compete controlar, se sinta legitimado para
interferir no exercício da justiça desempenhada por estrangeiros (embora
constitucionalmente legitimados, presume-se…) num domínio politicamente muito
sensível, interna e internacionalmente, por entender que os magistrados a cargo de quem o processo estava não têm, pela sua nacionalidade, o
conhecimento suficiente nem a sensibilidade necessária do contexto
sócio-cultural em que estão a actuar.
1 comentário:
" ..os magistrados.. não têm, pela sua nacionalidade, o conhecimento suficiente nem a sensibilidade necessária do contexto sócio-cultural em que estão a actuar."
Tão eufemístico para quê?
Eu não sendo entendido nestas "artes" não me inibo de ter opinião sobre a questão, ou, melhor, sobre o que dela sei.
Ainda há pouco na TV alguém (P. Bacelar) dizia simplesmente que os juízes estarngeiros não deveriam julgar em Timor porque, além do mais, estariam sempre na contingência de julgar e, eventualmente, condenar, representantes de Orgãos de soberania Timorenses. A mim isto afigura-se-me sensato, é a minha opinão! Agora pergunta-se porque é que esta "incompatibilidade" não foi reconhecida à partida?
Quanto ao que se terá passado, está de facto a criar-se uma atmosfera com uma leitura simples ou simplista: os governantes de Timor não querem ser escrutinados...
Não gostei da exuberância/incontinência verbal de uma senhora magistrada à chegada ao aeroporto!!!
lg
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