ANTÓNIO COSTA UM MÊS
DEPOIS DE ELEITO
É cada vez mais evidente aos olhos de qualquer observador
atento que o PS de Costa não tem nada de diferente a apresentar aos portugueses
do PS de Seguro, como este também não tinha, como todos nos lembrámos, nada de
substancialmente diferente do PSD de Passos Coelho.
E isto não acontece por acaso. É que apesar de o PS e o PSD
não serem partidos antagónicos, como a governação destes últimos quase quarenta
anos amplamente comprova, a verdade é que há diferenças entre os dois partidos
que, embora não sejam muito marcadas, sempre dariam para os distinguir nesta
fase da vida política portuguesa.
Se essa distinção não é possível então temos de procurar as
causas deste “fatalismo” político em algo que esteja para além e acima das
pequenas divergências ideológicas que os separam, pelos vistos insuficientes para os distinguir relativamente à sua relação com a Europa e à
política que, por força desta, tem vindo a ser seguida em Portugal. E ao dizer-se
isto imediatamente se evidenciam as causas dessa identidade de propostas de um
e outro partido: o PS e o PSD perfilham os mesmos princípios relativamente à
política europeia e estão por isso sujeitos aos mesmos constrangimentos.
E os princípios que perfilham em comum são os que constituem
as traves institucionais e estruturais da União Europeia e da moeda única.
Daqui decorrendo os constrangimentos que, na prática, lhes não permitem fazer
uma política muito diferente ou apenas diferente da que hoje é seguida em toda
a Europa do euro.
António Costa quis alimentar a ilusão (ou estava mesmo
iludido…) de que era possível, respeitando as regras comunitárias, fazer na
Europa uma política diferente da que Passos Coelho pôs em prática nestes
últimos três anos.
Esta ideia que tem vindo a defender, primeiro para consolidar
internamente a sua oposição a Seguro, agora para marcar distâncias
relativamente Passos, assentava em várias crenças (tem de se lhes chamar
crenças por não decorrerem de uma análise racional da realidade) que o tempo se
tem encarregado de renegar.
Costa acreditava (ou fazia que acreditava ou continua a
acreditar, o que ainda é pior) que, embora o peso da dívida seja um
constrangimento de vulto, seria possível sem a sua reestruturação negociar na UE
um compromisso que permitisse alcançar um efeito equivalente ao da sua reestruturação.
Só que a realidade desmente esta crença. Mesmo
que se tenha estado desatento às palavras de Schäuble (não contem com a
Alemanha para financiar investimentos nem para se endividar …) ou às de Sigmar
Gabriel sobre o que a Alemanha estaria disposta a fazer, é preciso ter uma
grande fé na Europa para acreditar que austríacos, finlandeses e demais
estariam dispostos a transferir verbas para o sul destinadas a evitar a
reestruturação da dívida dos países periféricos. A restruturação directa ou indirecta da dívida na Europa do euro é assunto tabu. De todos os lados há a sensação de que "a casa vem abaixo" se esse assunto passar a ser discutido com um mínimo de credibilidade. Quem se endividou que pague e seja austero quanto baste até pagar - esse o lema da Europa.
Costa também acreditou que a política europeia de eliminação
do défice e de redução da dívida seria atenuada com carácter geral mal essas
imposições passassem a pesar sobre grandes economias igualmente
deficitárias, mas com outro peso político, como as da França e da Itália. Todavia,
bastou ver o que se passou a semana passada com estes dois países, governados
por partidos congéneres do socialista, para que também esta esperança se
desvanecesse. A Alemanha não abriu mão de qualquer facilidade e tanto Renzi como Hollande, este por intermédio de Valls, tiveram de continuar a agravar as políticas de austeridade mediante cortes orçamentais ainda mais significativos do aqueles que já tinham proposto.
Outra fezada de Costa tem a ver com o papel do BCE. Costa
acreditava (e não há notícia de que tenha mudado de crença) que o BCE para salvar o euro acabaria por fazer uma política
monetária destinada a fomentar o crescimento e o emprego. Todavia, também aqui o
realismo se impõe: o BCE não poderá ir muito além do que os seus estatutos
permitem (estabilidade dos preços…), sob pena de engendrar um conflito sério
com os alemães. Mas mesmo que fosse e actuasse semelhantemente à Reserva
Federal americana (o que nunca acontecerá nas mesmas proporções), também está
hoje provado – e Mario Draghi já o disse expressamente – que a política
monetária tem limites. Ou dito de outra maneira, não basta uma política
monetária levada ao extremo para combater a deflação e as suas consequências.
Pelas suas últimas intervenções Costa parece agora depositar
as suas derradeiras esperanças no investimento com os recursos do Quadro
Comunitário Apoio. Passos já “gozou” com Costa apelidando este debate – o do
investimento para o crescimento – de “infantil”.
Independentemente das limitações tanto do investimento público,
por via dos constrangimentos orçamentais, como do privado, por via da ausência
de recursos e, principalmente, do clima de pessimismo existente nos meios
económicos, seria preciso demonstrar que aquilo que falhou nos últimos quinze
anos iria agora ter sucesso.
De facto, não pode deixar de atentar-se no que se passou em
Portugal no passado recente e tentar perceber por que razão o efeito que agora
se dá como certo não foi alcançado nas anteriores governações socialistas, já
que recursos financeiros para investir foi o que não faltou desde a introdução
do euro até 2010!
E aqui é que bate o ponto. Está por provar que no actual
contexto económico o investimento público em grande escala gere os mesmos
resultados que gerou no pós guerra. O keynesianismo, como se sabe, entrou em
crise por ocasião do primeiro choque petrolífero quando um dos seus principais
“dogmas” deixou de verificar-se: o aumento do investimento público e privado,
por via da redução das taxas de juro, teria como consequência o aumento do
emprego e da procura. Todavia, aquilo a que se assistiu no início dos anos 70
foi à coexistência da inflação com o desemprego e a estagnação.
Esta situação abriu o campo à “contra-revolução monetarista”
que desde então até hoje não deixou de ganhar terreno. A hegemonia das
correntes monetaristas e adopção em larga escala do liberalismo económico não
resultam, ou não resultam somente, da capacidade de sedução teórica das novas
doutrinas económicas, mas do contexto político em que passaram a actuar,
nomeadamente a partir de meados da década de 80, e de a própria realidade ter
deixado de confirmar as teses keynesianas.
É certo que os neokeynesianos têm empreendido um vigoroso
esforço teórico no sentido de demonstrar que o essencial da doutrina de Keynes
continua actual, limitando a intervenção do Estado àquelas áreas menos
atractivas para o capital privado, mas a verdade é que não têm tido o êxito
esperado sempre que têm podido pôr em prática essas doutrinas nos países
desenvolvidos.
Portanto, o drama com que o PS se debate é duplo: por um lado
os constrangimentos decorrentes da adopção da moeda única e as suas
consequências sobre a política orçamental e de crédito e, por outro, a
incapacidade já demonstrada de o investimento público em larga escala gerar o
crescimento esperado, além de que está por demonstrar onde iria o Estado
angariar novos recursos financeiros para investir sem se endividar ainda mais.
Perante este quadro, ao PS só restam duas hipóteses: ou diz a verdade, e explica aos portugueses
que a manutenção no euro tem custos muito pesados que não está na sua mão
atenuar, por mais que continue a acreditar (e predispondo-se a lutar por isso)
que mais tarde ou mais cedo a União Europeia acabará por encontrar um mecanismo
de compensação desses desequilíbrios; ou pura e simplesmente faz o que tem
feito até aqui: omite a verdadeira
situação em que o país se encontra e deixa que os portugueses continuem
iludidos sobre a superação da crise por via da sua (do PS) acção governativa,
acrescentando todos os dias mais um ingrediente que os leve a convencerem-se
que dessa governação resultará a saída da situação em que se encontram.
Não parece realmente possível encarar outras hipóteses de
saída para uma futura e hipotética governação socialista. De facto, está fora
de questão que o PS se proponha resolver o problema da dívida com as
inevitáveis consequências que a solução desse problema pressupõe ou que
igualmente se predisponha a superar pela via socialista os constrangimentos que
hoje inequivocamente pesam sobre uma visão neokeynesiana da economia.
Essas políticas terão de ser encontradas por outra via, que
não a dos partidos herdeiros da velha social-democracia, hoje em acentuada decomposição, não apenas em
Portugal, mas também nos demais países periféricos do sul. E o menos que se
pode dizer é que esse objectivo já esteve mais longe de ser alcançado. É porém
natural que, pelo seu atávico conservadorismo, Portugal, para lá chegar, tenha
de constatar mais uma vez a falência das políticas “socialistas”.
4 comentários:
Belíssimo poste.
Bom diagnóstico.
Boa pancada, nos devotos de São Costa.
É que a culpa, a meu ver, não é do santo (a destruir Portugal desde 2000, pelo menos...). É dos devotos...
Tão cabeçudos, benza-os Deus, que vão precisar de muitas mais pauladas. Força para baixo!...
Uma questão interessante, se os socialistas que por aqui passam nao se limitassem a previsíveis insultos sobre os PEC cruzam-se com o que diz sobre "a própria realidade ter deixado de confirmar as teses keynesianas" e que
[...] a verdade é que não têm tido o êxito esperado sempre que têm podido pôr em prática essas doutrinas [keynesianas] nos países desenvolvidos.
Talvez valesse a pena equacionar como entram nessa equação as diferenças entre o poder da banca na sequência da II Guerra Mundial que se sucedeu à crise de 1929 e e esse mesmo poder (mas refeito) a partir da década de 1970 e do choque petrolífero de 1973.
No segundo caso, os neokeynesianos não terão tentado conciliar as suas doutrinas com o capitalismo monetário reemergente, remetendo o keynesianismo para uma versão 3ª via e ser exactamente esse um dos pontos que os faz perder a batalha da inflação e do emprego?
Que lhe parece?
Parece-me muito interessante essa abordagem tanto mais que aqueles que (eu conheço) que mais se têm pronunciado sobre o assunto, como Kruhgman e Stiglitz, não a fazem.
Não vou ter é conhecimentos suficientes para seguir e explorar a pista que aqui deixa.
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